//​Escolas de gestão hoteleira têm de preparar os profissionais para gerir crises

​Escolas de gestão hoteleira têm de preparar os profissionais para gerir crises

O diretor de hotel mais experiente não estava preparado para lidar com uma crise provocada pela pandemia. O conhecimento de uma vida de gestão pode não ter sido suficiente. A Covid-19 foi “apenas” a crise que trouxe maior incerteza para todas as atividades, mas muito em especial, para o turismo e hotelaria.

Essa foi uma das razões que levou o grupo internacional “Les Roches”, com escolas em Espanha, Suíça e na China, a mudar os currículos que ministra aos seus alunos de quase uma centena de países e que nela se preparam para uma carreira de nível superior na área do Alojamento Turístico.

Em entrevista à Renascença, o diretor geral da escola de Marbella, revelou a contratação de “especialistas em gestão de crises”. Carlos Diez de la Lastra explicou que a escola foi buscar “profissionais que assessoravam governos na Europa na gestão de crises políticas e técnicas”.

“Pedimos-lhes que dessem ferramentas aos estudantes para que eles saibam como têm de agir para lidar com uma crise. Agora foi a pandémica, mas já houve outras: do petróleo, financeiras, atentados. É preciso termos consciência que gerir crises vai uma norma quase comum no futuro que faz com que o ambiente empresarial no turismo seja cada vez mais instável, para o bem e para o mal.”

Para Carlos de la Lastra, esses alunos estão mais bem preparados para lidar com estas situações de que outras pessoas, mesmo quando têm muitos anos de profissão e de experiência: “a situação que enfrentámos nunca tinha acontecido. Aqueles que sabiam o que fazer, mas não podiam fazer, acabaram por bloquear; a experiência não era a chave. Por outro lado, aqueles que olharam para o que se estava a passar e que tiveram uma atitude mais aberta e empreendedora procuraram soluções criativas, descobriram novos produtos para os seus hotéis, foram os que criaram valor. E há muitos profissionais, muito bons, que transformaram a dificuldade em oportunidade, mudaram o seu modelo produtivo e o seu negócio, permitindo-lhes sobreviver à crise. É essa atitude que marca a diferença”.

O diretor da escola de Marbella admite que o mercado procura profissionais cada vez mais flexíveis, que se adaptem facilmente às circunstâncias imprevistas. Mas para uma escola é muito difícil formar em “flexibilidade”. “A chave é dar aos alunos instrumentos para que tenham uma atitude exploratória, saibam interpretar as situações e procurar as soluções mais adequadas”.

Pandemia reforçou a falta de gestores altamente qualificados

Carlos Diez de la Lastra diz que já antes da pandemia se sentia uma grande falta de pessoal nos níveis mais altos de qualificação para a direção de hotéis e especialmente de luxo. E diz que já nessa altura, a Academia Les Roches, bem classificada no top mundial, tinha grande procura por parte dos maiores grupos e marcas internacionais do setor. Carlos de la Lastra diz que cada aluno recebia, em média, cinco propostas de emprego, “alguns, oito ou nove”.

Com a crise e a falta de turistas, muitos hotéis fecharam ou reduziram a atividade. Os profissionais não podiam ficar tanto tempo sem trabalhar e aproveitaram oportunidades em companhias ou sectores, muitas vezes, a ganhar mais.

“Perdemos boa parte desse talento e se antes já tínhamos um problema de falta de altos quadros, agora, o problema duplicou. Ou mais, se contarmos com os novos projetos de turismo que o capital está a investir no setor. A procura aumentou substancialmente. Portanto, os estudantes que quiserem fazer formação de alto nível, vão ter muitas oportunidades, ganhar mais e ter melhores condições de trabalho”, vaticina o diretor da escola de gestão hoteleira.

Ainda assim, adverte que nem todos os profissionais do turismo vão ganhar mais no futuro. “O que se prevê é uma polarização, com a crescente profissionalização do sector. Há grupos profissionais que vão ganhar o mesmo ou menos porque a robótica e as tecnologias vão fazer com que muitos processos se automatizem. Antigamente, o setor era mais standard, não havia um desequilíbrio salarial tão grande entre as profissões da base e do topo da pirâmide”, explica Carlos Diez de la Lastra.

A escola conta tem muitos alunos portugueses; é a segunda nacionalidade representada, a seguir à espanhola. E em breve vai contar com mais uma aluna, que recebeu o prémio Xénio da Associação de Diretores de Hotéis d Portugal para “Melhor Jovem Diretor(a) de Hotel 2020”: Catarina Fonseca, diretora do Vila Gale Collection Alter Real, em Alter do Chão.

Fechar o hotel três dias depois de abrir foi um “balde de água fria”

Catarina Fonseca está no Grupo Vila Galé e desde 2016, passou por várias unidades como adjunta de direção (Assistant Manager). Em janeiro de 2020 passou a diretora do novo Vila Galé Collection Alter Real e, até março, preparou a abertura. A pandemia e o confinamento obrigatório deitaram por terra todos os planos.

“Abrimos o hotel a 13 de março – uma sexta-feira, estávamos desse janeiro a preparar tudo co muita dedicação e muita paixão. Abrimos e dois ou três dias depois, tivemos de fechar. E ficámos fechados até 9 de junho, conta Catarina Fonseca, em entrevista à Renascença.

“Foi um balde de água fria! Foi o maior desafio da minha carreira, a fazer uma gestão de emoções muito grande, a ter de responder a muitas perguntas enquanto líder. A ter que que assumir que estava tudo bem, apesar da vulnerabilidade e da incerteza porque ninguém sabia muito bem o que se estava a passar, quanto tempo ia durar, o que ia acontecer”, confessa.

Catarina Fonseca, que tem 30 anos, admite que foi um momento muito difícil, mas também deu para “refletir sobre o que seria possível fazer de diferente durante o tempo em que estivéssemos parados, alguma coisa boa e que permitisse aproveitar o tempo”.

A equipa do novo hotel há pouco tempo que trabalhava junta e por isso, apesar de cada um estar na sua casa, foi uma altura para os elementos se conhecerem melhor.

“Ainda em março criámos um modelo de formação que incluía reuniões diárias on-line com elementos do Grupo ou de outros departamentos do hotel, que tem vários conteúdos (cavalos, turismo equestre, falcoaria, etc.) ou outros convidados. O objetivo era formar os colaboradores para quando reabríssemos, pelo menos teoricamente, já soubessem mais do que quando parámos. E isso ajudou-nos a estar mais fortes e sólidos quando reabrimos”, diz Catarina Fonseca.

Trabalho que lhe valeu a distinção e a Bolsa para frequentar o Executive Master’s em International Hotel Management, na Les Roches de Marbella. Uma pós-graduação especialmente criada para os profissionais de topo que já trabalham no ramo, mas querem aprofundar os seus conhecimentos.

Há bons indicadores para turismo ibérico nos próximos tempos

Carlos Diez de la Lastra, considerado um dos 150 profissionais de turismo mais influentes em Espanha mostra-se muito otimista quanto à recuperação do setor mais atingido pela pandemia. Na conversa com a Renascença, aponta vários fatores.

Por um lado, as reservas que os hotéis em Portugal e Espanha já estão a receber e que na sua opinião, podem atingir 70% do nível atingido em 2019. Por outro lado, sendo esta uma crise sanitária e não estrutural, permitiu que a hotelaria resistisse razoavelmente bem.

Mas o especialista baseia a sua previsão também na enorme vontade que as pessoas têm de viajar e fazer férias. Depois de um ano “fechados”, fizeram uma poupança que La Lastra avalia no “triplo do que é gasto anualmente em turismo”.

Outro indicador que considera “interessante” é que “há muito capital para investir em áreas seguras e a hotelaria é uma das que dá muita segurança ao capital. Muitos pequenos hotéis e restaurantes tiveram problemas e fecharam, sem conseguir reabrir. Há muito capital para investir nesses projetos e futuramente criar mais valor. Mas ao contrário do que esses Fundos esperavam, os preços não baixaram. E quem vende, pode vender melhor”.

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