A proposta é recorrente sempre que há campanhas eleitorais, no sentido de eliminar taxas e subir os impostos sobre a propriedade e o capital. O objetivo é taxar tudo em sede de IRS, mas a medida tem um impacto limitado, aumenta a carga fiscal e põe em causa outras medidas já no terreno, avisa a consultora Deloitte.
Neste momento, as mais-valias, os juros, a propriedade e os dividendos são taxados a 28%. Os contribuintes podem sempre optar pelo englobamento dos rendimentos, e tudo o que ganharam é taxado em sede de IRS. Obviamente, a medida não compensa para quem está nos escalões superiores, que vão até 48%.
Se deixar de ser opcional e passar a ser obrigatório, como defende o PCP, a medida iria abranger menos de um terço das declarações, explica à Renascença o fiscalista Ricardo Reis.
“Apenas 30% das declarações é que têm um rendimento superior a este escalão de rendimentos, que é de cerca de 20 mil euros. É uma minoria, são 30%, aqueles que têm uma taxa marginal do IRS, nas taxas progressivas, superior aos 28%”, sublinha.
Além de serem uma minoria, nem todos estes 30% seriam afetados por esta obrigatoriedade de englobamento. A razão é simples, nem todos têm rendimentos com juros, dividendos, mais-valias ou prediais. Segundo Ricardo Reis, com base nos dados de 2019, apenas uma parte dos contribuintes será abrangida.
“Não será naturalmente 30% o valor das declarações que produzirão um IRS mais agravado por efeito desta obrigatoriedade do englobamento, eu diria que será uma percentagem bem inferior a essa. Por exemplo, se formos ver, com base nos dados estatísticos de 2019, qual a percentagem das declarações de IRS que declaram a existência de rendimentos prediais, é apenas de 16%. Também nem todos auferem rendimentos superiores a 20 mil euros”, diz o fiscalista da Deloitte.
Uma coisa é certa, garante Ricardo Reis, esta medida vai agravar a carga fiscal. “Se antes só englobava quem ficava melhor, quem ficava pior com o englobamento protegia-se e não exercia a opção, neste caso, sendo obrigatório, só poderá ficar pior. O que significa que as consequências da medida serão, nessa perspetiva, de agravamento”, conclui.
O englobamento obrigatório é uma bandeira que surge ciclicamente, sempre que os eleitores são chamados às urnas. Pode sempre discutir-se a justiça da medida do ponto de vista político, lembra o fiscalista, no âmbito da igualdade no tratamento de rendimentos diferentes.
Do ponto de vista técnico, a medida levanta várias questões. Desde logo, o facto de penalizar a poupança.
Ricardo Reis lembra que “estamos a falar na tributação da poupança. Estamos a falar de rendimentos que provêm de rendimentos que já foram tributados, ou seja, alguém que trabalhou, recebeu um salário, sofreu IRS e a partir do rendimento líquido aplicou numa poupança e agora está a trazer os rendimentos dessa poupança.” Por outro lado, ao tributar a poupança podemos estar a penalizar o financiamento, “a teoria económica ensina-nos que a tributação da poupança e do capital deve ser menos onerosa, estar a agravar a tributação da poupança pode ter consequências ao nível da disponibilidade do capital e do investimento para o desenvolvimento da economia”, explica.
Efeitos colaterais
O fiscalista alerta ainda para os efeitos colaterais do englobamento obrigatório sobre outras medidas em curso, aquilo que chama de distorções do sistema.
Pode estar em causa, por exemplo, a eliminação da dupla tributação, como acontece nos dividendos: “os dividendos são tributados por metade do seu valor. Se tornarmos obrigatório o englobamento dos juros, vamos criar uma diferença entre a tributação dos dividendos e a tributação dos juros – uma distorção na decisão de aplicação das poupanças”, diz Ricardo Reis.
Outra medida que corre o risco de ser anulada é o incentivo ao arrendamento de longa duração. “Muito recentemente tivemos a aplicação de taxas reduzidas para os rendimentos prediais de contratos de arrendamento de duração mais longa, para criar um incentivo aos aforradores para investirem em imobiliário e os investidores em imobiliário disponibilizarem os imóveis na forma de contrato de arrendamento habitacional de longa duração. Se tornarmos o englobamento dos rendimentos prediais obrigatório, vamos reverter essa medida!”
Em última análise, até o mínimo de existência pode estar em causa, avisa Ricardo Reis. Por exemplo, “determinado agregado está, neste momento, a coberto desta medida de proteção e não paga IRS sobre os rendimentos do trabalho porque o rendimento líquido que subsistiria após seria inferior ao IAS [Indexante de Apoios Sociais] mínimo. Se agora formos englobar os rendimentos de juros ou rendimentos prediais de uma casa herdada, que pode estar arrendada, e essa pessoa deixa de beneficiar deste mecanismo de proteção do mínimo de existência, é um caso em que há um agravamento.”
Contas feitas, o englobamento obrigatório a aplicar-se vai implicar, obrigatoriamente, um agravamento da carga fiscal, o mesmo que já foi afastado pelo Ministro das Finanças.
Por outro lado, irá abranger uma fatia muito restrita de contribuintes. Neste momento, menos de um terço têm rendimentos suficientes para poderem escolher se englobam ou não os rendimentos. Mas nem todos serão abrangidos, porque nem todos declaram rendimentos prediais, com juros ou dividendos.
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