As famílias portuguesas foram um dos grandes aliados do Estado durante o mau tempo nos mercados financeiros. Mas quase 25 mil milhões de euros de investimento depois, o governo deixou de contar com o contributo positivo dos pequenos aforradores no financiamento do Tesouro. Conta obter o dinheiro necessário para o próximo ano nos mercados de dívida.
Para o próximo ano, o Ministério das Finanças prevê que resgates líquidos de subscrições no valor de mil milhões de euros nos certificados de poupança, segundo a proposta do Orçamento do Estado. A impedir um impacto negativo por parte das famílias no financiamento estarão as obrigações de retalho, que deverão captar mil milhões. Entre o deve o haver, a previsão é que o financiamento líquido vindo dos pequenos aforradores seja nulo.
Será a primeira vez em cinco anos que as famílias deixarão de ter um papel importante no financiamento da República. Depois de anos em que os pequenos investidores e os produtos do Estado estiveram de costas voltadas, devido ao corte da remuneração dos Certificados do Aforro em 2008, o lançamento de novos produtos com juros mais elevados em 2013 ajudou ao regresso das famílias ao financiamento do Estado.
Essa estratégia resultou e trouxe novamente os portugueses para os instrumentos de aforro do Tesouro. Desde o início de 2013 até final deste ano, os pequenos investidores deverão aplicar, líquidos, quase 25 mil milhões de euros em dívida da República direcionada para o retalho. Esse valor foi também beneficiado pelo lançamento, em 2016, das Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável.
Nesse ano, o segmento de retalho investiu quase sete mil milhões de euros em dívida da República. Contribuíram com mais de 25% do valor necessário para o financiamento de 2016. Em 2017 também ajudaram em mais de 20% no montante necessário para esse ano. Mas este ano, a aposta dos pequenos aforradores em dívida do Estado baixou, passando de mais de seis mil milhões de euros para cerca de dois mil milhões.
Em 2019, o Tesouro conta ficar dependente apenas dos grandes investidores dos mercados de dívida, aproveitando os juros baixos. Dos 7,4 mil milhões de euros de financiamento líquido a obter, mais de sete mil milhões serão obtidos nos mercados financeiros de dívida de médio e longo prazo.
Juros oferecidos pelo Estado baixaram
O abrandamento do investimento em produtos do Estado este ano surge depois do corte dos juros feitos no final do ano passado. A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) lançou novos Certificados do Tesouro com remunerações mais baixas. Passaram a pagar uma taxa média ilíquida de 1,38% para quem os detivesse por sete anos. Antes, tinham um juro médio de 2,23% num prazo de cinco anos.
E nas contas do Ministério das Finanças essas taxas já não serão suficientes para atrair investimento no próximo ano. Isto numa altura em que os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM) lançados em 2013 e 2014, que pagam juros de mais de 5% no último ano da aplicação, chegarão ao fim do prazo.
Na proposta do OE é realçado que a partir de outubro deste ano, “os primeiros CTPM começarão a atingir a sua maturidade original, estimando-se amortizações de 610 milhões a vencer em 2018 e 2,9 mil milhões de euros em 2019”.
E as Finanças não estão a contar que esse dinheiro tenha, novamente, como destino a dívida do Estado. “Os CTPM que vencem em 2019 beneficiavam de remunerações muito atrativas, pelo que seja por inércia, seja pela busca de outro tipo de aplicações com maior remuneração, uma parte significativa deste montante poderá não ser reinvestida”, é referido na proposta de OE.
Famílias portuguesas são das que mais investem
O Tesouro está a baixar a atratividade dos produtos direcionados para o retalho, depois de as famílias terem quase triplicado o peso na dívida direta do Estado. Mais de 14,5% da dívida direta do Estado está nas mãos de pequenos aforradores, o valor mais alto em mais de uma década. Em 2012 essa quota era de pouco mais de 5%. Estão aplicados nesses produtos quase 36 mil milhões de euros, o montante mais alto de sempre.
A presidente do IGCP, Cristina Casalinho, tem sinalizado que o valor ideal é que as famílias detenham cerca de 10% da dívida. Além do investimento das famílias estar acima daquela fasquia, Portugal é um dos países da zona euro em que a proporção de dívida detida pelo retalho é maior. Apenas em Malta existe uma proporção mais elevada, com 24,9%. O peso das famílias na dívida do Tesouro é maior que na Irlanda, outro país que passou por um resgate e aumentou o recurso ao segmento de retalho.
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