Passou despercebida, mas estava lá. Pilar Paiva de Sousa foi a arquiteta que concebeu todo o interior do mais recente navio de cruzeiros da Douro Azul, do empresário Mário Ferreira, apresentado em abril, em Viana do Castelo, na presença da ex-primeira-dama francesa Carla Bruni, e que tem como destino os mares gelados da Antártida.
Afinal, já não era a primeira intervenção do género, nem em Portugal nem no estrangeiro. O palmarés é extenso. Só nos cruzeiros, Pilar Paiva de Sousa trabalha com grandes referências mundiais da navegação turística, como a Royal Caribbean, a MSC Cruises, a Amawaterways ou a Viking Cruises, tendo-se tornado a única empresa portuguesa que faz projetos de design de interiores no conceito chave na mão.
Mas o seu nome está também associado à hotelaria de luxo. A ela se deve a identidade de “conforto, requinte, cosmopolitismo e intemporalidade clássica” de algumas das maiores cadeias de hotéis internacionais, como o Méridien, Marriott, Hilton ou o Accor, no respeito pelas temáticas de cada operador.
Pilar nasceu em Madrid há 51 anos, mas considera-se “bem portuguesa”. A mãe é espanhola e o pai um engenheiro português. Viveu os primeiros anos de vida em Angola e veio para Portugal com 5 anos. Até aos 17, as férias grandes eram sempre em Espanha, com a mãe e os irmãos: dois também engenheiros e uma irmã arquiteta, de quem herdou a arte. Passou a viver no Porto desde que ingressou na Faculdade de Arquitetura da cidade e estagiou no gabinete de Fernando Távora, onde também trabalhou já como profissional. No final do curso ainda teve uma tentativa falhada para trabalhar em cenografia e trabalhou, como segundo emprego, numa empresa que fornecia hotéis, onde mais tarde lhe foi proposta sociedade.
Aos 27 anos, criou o seu próprio ateliê, no Porto, onde se dedicou a projetos de remodelação de habitações. Criou, de seguida, o departamento de decoração da Hotelinte. Depois, avançou com a 3ID, vocacionada para serviços de decoração e fornecimento de interiores para hotelaria.
Percurso imparável
Em 2004, criou a empresa PPS, as iniciais do seu nome, especializada em arquitetura e design de interiores, sempre no conceito chave na mão. “A ideia inicial era apenas elaborar o projeto, mas os clientes começaram a pedir todo o fornecimento, de fio a pavio”, refere a empresária.
Os primeiros serviços foram para o Hotel Terra Nostra, nos Açores, e para o Hotel Monumental, no Porto. Depois, vieram os contactos internacionais: o histórico Hotel Mont Royal, em Paris, ou o Tiara Yaktsa, em Cannes, onde a intervenção de PPS assegurou a classificação de hotel mais romântico da Europa. Seguiram-se projetos na Bélgica, Cabo Verde, Angola e Brasil.
No mesmo ano, a arquiteta apresentou a PPS a Mário Ferreira e, desde então, já concebeu os interiores de mais de dez navios da Douro Azul, uma saga que começou logo com o primeiro, o Douro Queen.
“Sim, eu é que o procurei [ao empresário Mário Ferreira]. Uma das minhas ações é apresentar a empresa. Quando fui à Douro Azul pela primeira vez estava lá uma arquiteta. Talvez isso tenha tido influência na contratação da PPS.” E esse modo de atuar haveria de ficar pela vida fora. “É assim que angario os negócios. Apresento a empresa. É essencial o conhecimento pessoal, a experiência, a confiança”, revela Pilar.
Não tardaram os contactos de fora, até terem chegado pedidos para intervir em meganavios de cruzeiro, com especial orgulho nos que são feitos nos estaleiros franceses da Chantiers de l’Atlantique, um dos maiores do mundo.
Com uma equipa de 12 pessoas, entre arquitetos, designers, um gestor e um administrativo, a PPS tem neste momento em curso projetos para dois hotéis no Porto e um em África, bem como um navio em Portugal e outro em França. Em perspetiva, está outro hotel no Porto, mais dois navios em França e um na Alemanha. Dos resultados da atividade apenas desvenda que vai “duplicar a faturação neste ano”, embora decline dar números.
“Made in Portugal”
Uma especial preocupação que Pilar assinala: “Há um grande impacto do nosso trabalho na mão de obra, construção e serviços em Portugal. Indústria de mobiliário, confeção, iluminação e alcatifas são portuguesas. Só tecidos e materiais de especificidade para hotelaria e navios é que são produzidos por empresas da especialidade fora do país.”
Por último, ocorreu uma reaproximação ao mundo cinematográfico. Deu-se a coincidência de um dos consultores com quem trabalha ter um curso de cinema. No contexto, “surgiu a sugestão de que o filme promocional da empresa fosse um desafio a jovens realizadores reconhecidos, fruto das nossas relações”. Com uma salvaguarda: “Não seria ‘mais um’ filme corporativo, mas, sim, uma interpretação artística dos valores da PPS.”
Curta-metragem: “Love Story” by PPS
A primeira curta-metragem de três minutos, Love Story, de Nuno Rocha, conquistou já vários prémios internacionais de cinema. A segunda, de João Lourenço, Turn Key Club, também já com um prémio e uma nomeação. “Achei que a melhor forma de retratar a arquitetura dos interiores era através do cinema, e não apenas pelos desenhos, porque estão em causa fatores emocionais e há muita sensibilidade”, justifica Pilar, sublinhando que não está a pensar, por agora, numa nova área de negócio.
Curta-metragem: Turn Key Club
A “cidadã do mundo” que gosta “muito de tudo”
A pergunta visava saber como ocupava os tempos livres, mas Pilar Paiva de Sousa atalhou: “Gosto muito de tudo.” Tudo, significa “todas as expressões artísticas humanas”, ou seja, arquitetura, música, pintura, escultura, cinema, literatura, dança, culinária, viajar… “Sou uma cidadã do mundo, gosto muito de viajar. O que me fascina são as expressões culturais de um grupo, de um país, de todos nós. É o comportamento humano. Viajar permite ter uma leitura do passado, analisar o presente e ter uma visão do futuro.” E reforça: “Sou muito atenta a tudo. Sou apaixonada por tudo. Gosto de ver as tendências, estou desperta para as coisas que acontecem.”
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