//“A ética da República é mais do que a lei”

“A ética da República é mais do que a lei”

O antigo líder parlamentar do PS e ex-ministro da justiça foi o vigésimo convidado das “Conversas na Bolsa”, promovendo o debate sobre a “Ética e política, e os seus desafios”.

Para Alberto Martins “a ética é um conjunto de valores e princípios de reconhecimento universal aceites e partilhados pela comunidade”. Mas, para o antigo ministro, “a ética da República é mais do que a lei”, pois “a lei compreende o mínimo ético” e na “velha fórmula romana – nem tudo o que é legal é justo – está inserida a linha que demarca a prescrição legal da exigência ética”.

O antigo ministro quis apresentar “um roteiro sobre as mais candentes questões onde se constrói a compatibilidade, ou não, entre a ética e a ação política”. Para o efeito, Alberto Martins discorreu sobre “as incompatibilidades, a seleção por mérito no acesso aos cargos públicos, o combate à corrupção, o papel dos médios no espaço público, a transparência e os deveres e direitos de cidadania”.

No que diz respeito às incompatibilidades, o antigo deputado defendeu “um quadro legal de incompatibilidades, impedimentos e registo de interesses de modo a estabelecer-se uma precisa aplicação do principio de separação e exercício de funções dos titulares de cargos públicos e altos cargos políticos”. O advogado diz que “o quadro legal das incompatibilidades tem que exprimir concretamente a não transitividade dos cargos políticos para funções administrativas, executivas, consultivas, privadas com as quais os dirigentes do Estado tenham tido conexão”. Depois, o ex-ministro considera ser “necessário evitar que em prazo razoável se conheça ou despache sobre interesses de empresas ou sociedade à qual se esteve associado direta ou indiretamente”.

Alberto Martins classifica de decisiva a “defesa dos média independentes e as redes sociais enquanto plataformas de informação”, mas lembra também “a tentação da usurpação do espaço público para a promoção e criação dos seus produtos e até dos seus protagonistas políticos”, que, de acordo com o antigo deputado “uma realidade marcante e singular e única na Europa”. O advogado critica “a ocupação quotidiana do comentarismo jornalístico, sobretudo na televisão, por políticos, ou representantes partidários no ativo ou em trânsito”, que constituem, em seu entender, “uma captura paralela do espaço público onde definha a afirmação da sociedade civil”. Alberto Martins acusa “as empresas de comunicação social, sobretudo televisivas” de escolher os seus políticos, que “por sua vez se propuseram muitas vezes ao sufrágio universal, no geral, com êxito induzido”.

Para o antigo líder parlamentar do PS “o combate à corrupção é uma questão de justiça social, com uma dimensão cultural que não pode ser ignorada”. O ex-ministro garante que “a corrupção é um problema político e não moral”, pois “a corrupção corrompe a democracia”. O advogado assegura que “a corrupção germina e progride com as desigualdades sociais, com a subversão das regras da concorrência leal, com a impunidade” e não é por acaso” que o fenómeno encoberto e subterrâneo da corrupção frequentemente articulado com outras atividades ilícitas aparece em áreas tão dispares como loteamentos urbanos, aceitação de dádivas ou presentes a funcionários públicos ou equiparados, uso indevido de legislação sobre as sociedades de gestão e investimento imobiliário, conceção de benefícios e fraudes fiscais, falta de transparência em concursos públicos, ocultação e obstrução da justiça e ainda nas teias burocráticas dos grandes e pequenos poderes administrativos, muitas vezes agindo sem qualquer escrúpulo”. Combater a corrupção é assim “uma questão de prevenção, uma questão legislativa, e também uma questão repressiva”, que, avisa Alberto Martins, “pode estimular-se ou anular-se se se ficar pela mera comunicação política”. O ex-ministro da Justiça defende por isso que a eficácia do combate “reside em primeiro lugar na vontade política”.

Na luta pela transparência, Alberto Martins sustenta que a “Europa deve dar o exemplo e estar ativamente à frente da luta contra a economia subterrânea, não só no seu território, mas também junto dos seus parceiros comerciais a nível nacional”.

No período de perguntas e respostas, Alberto Martins foi confrontado com a questão da compatibilidade entre as questões éticas e os populismos. O ex-ministro sustenta que “o populismo não se combate com o dito populismo de esquerda”, combate-se “com mais democracia, mais justiça social, e mais aproximação aos cidadãos”.

Outra das preocupações manifestada pelos participantes nesta vigésima edição das “Conversas na Bolsa” foi a da endogamia e, em particular, “no caso Portugal saber se a dimensão de país pequeno não é um desafio primordial no combate pela ética nos mais diversos domínios”. Com alguma leveza, Alberto Martins mostrou-se tentado a responder que “a endogamia para os pobres não existe”, ou seja, “só existe em certos extratos”. Mas, mais à frente, em tom mais sério, sempre foi dizendo que “se as escolhas forem por mérito e por concurso público e se houver controle rigoroso, essa endogamia tende a esbater-se”. Ainda assim e em jeito de conclusão, Alberto Martins reconheceu que “em Portugal não temos uma regulação rigorosa e consistente com meios e autoridade” e essa é “uma questão decisiva”.

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