//A “golpada”, a falta de património e o risco todo no lado da CGD

A “golpada”, a falta de património e o risco todo no lado da CGD

O potencial de ganho era dos grandes devedores. E o risco de prejuízos ficava quase todo no lado da Caixa Geral de Depósitos (CGD). O banco público, sob a gestão de Carlos Santos Ferreira, concedeu créditos para a aposta em ações do BCP e de outras cotadas do PSI20, segundo conclusões da auditora especial da EY e das audições na II Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão na CGD.

Os devedores ficavam protegidos, caso as ações desvalorizassem. Já o banco público carregou quase exclusivamente com os prejuízos dos tombos da bolsa durante a crise. Esses negócios foram um dos fatores que levaram a que cada família portuguesa tivesse de injetar dois mil euros na Caixa, segundo estimativas reveladas esta sexta-feira por António Horta Osório, na conferência da AICEP.

Em apenas desses dois financiamentos para apostas bolsistas, concedidos a Berardo e Manuel Fino, a Caixa vai perder 585 milhões de euros, caso não arranje forma de executar ativos que possam aligeirar os prejuízos. No caso de Berardo, a dívida ao banco público é de 305 milhões de euros, segundo o Observador que cita a ação contra o empresário apresentada no Juízo de Execução de Lisboa pela CGD, BCP e Novo Banco.

Berardo disse no Parlamento não ter ativos e que “pessoalmente” não tem dívidas. Respondeu à deputada do CDS, Cecília Meireles, com um sonoro “ah-ah” após ser questionado sobre a possibilidade de deixar de mandar na associação que detém a valiosa coleção de arte.

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O empresário tomou medidas para que essas obras ficassem fora do alcance de execuções, sendo acusado de “golpada” pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua. A Caixa começou a financiar Berardo em 2007. E a conduta que o comendador teve no Parlamento levou ontem o Conselho das Ordens Nacionais a abrir um processo disciplinar para analisar se mantém as condecorações atribuídas ao empresário por Ramalho Eanes e Jorge Sampaio.

Já a Investifino, de Manuel Fino, tem uma dívida de entre 260 milhões a 280 milhões de euros ao banco público, de acordo com informação citada por Mariana Mortágua na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD. Começou a pedir dinheiro ao banco público em 2005.

O filho de Manuel Fino garante que não há património para pagar essa dívida. José Manuel Fino afirmou, na comissão, que “todo o património que existia foi dado em garantia desta operação. Não existe mais património”. Afirmou que a Investifino atualmente já “não existe” e que os ativos em Malta, para onde foi transferida a empresa de Fino, “são zero”.

Capitalistas sem capital

A CGD foi um dos grandes financiadores de capitalistas sem capital que quiserem aventurar-se em bolsa. As garantias pedidas não iam além das próprias ações que foram compradas com rácios de cobertura baixos. Não foram exigidos avales pessoais e os pareceres da direção de risco não foram acatados.

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Se os títulos valorizassem o ganho era dos investidores. Se desvalorizassem, o que veio a acontecer, a perda era da CGD e dos contribuintes. Pior, o banco não executou as ações dadas como garantia quando estas passaram abaixo do valor do financiamento concedido de forma a limitar as perdas. “Eles quiseram esperar e depois via-se”, revelou Berardo.

Já na Investifino, os créditos foram concedidos para a compra de ações do BCP, Cimpor e Soares da Costa. José Manuel Fino reconheceu que a estratégia era investir em grandes empresas da bolsa com crédito do banco público e utilizar os dividendos para pagar a dívida contraída. Com a crise de 2008 os títulos perdem valor e os dividendos são congelados, precipitando o incumprimento.

Registo de perdas adiado

As dívidas de Berardo e Fino passariam por sucessivas reestruturações. O banco público tentou adiar o reconhecimento de perdas nas contas com esses créditos e avaliou as ações dadas como garantia de uma forma que foi considerada “não aceitável” pelo Banco de Portugal, segundo um documento interno citado por Mariana Mortágua.

O supervisor, na sequência de uma inspeção em 2011, forçou a CGD a aumentar as imparidades assumidas nos empréstimos a Berardo, Fino e Goes Ferreira. O antigo vice-governador do Banco de Portugal confirmou que a CGD não quis reconhecer essas perdas, achando “excessivo” o reforço das imparidades imposto pelo supervisor.

Ainda assim, o supervisor forçou o banco a reconhecer essas perdas, mas apenas anos depois de terem surgido os primeiros relatórios a alertar para deficiências no crédito garantido por ações.

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