//A melhor ajuda europeia aos países do Mediterrâneo é a qualificação profissional

A melhor ajuda europeia aos países do Mediterrâneo é a qualificação profissional

A Renascença falou com o antigo presidente do IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional e membro do Comité de Emprego da União Europeia.

Para o investigador Francisco Madelino, é certo que o tema das migrações vai dominar os trabalhos, apesar de não constar da agenda oficial. E defende que a melhor ajuda que a UE pode dar aos países do Mediterrâneo é a capacitação e a criação de competências, promovendo o desenvolvimento económico desses países.

Representantes de 43 países da União para o Mediterrâneo(UfM) reúnem-se a partir de hoje em Cascais para discutir “Empregos, Competências e Oportunidades para todos”. Países com realidades políticas, sócio-económicas e culturais muito diferentes. Há algo que os una?

Do ponto de vista histórico-cultural, estamos a falar de países que têm uma forma muito própria de pensar e de sentir: vai desde a dieta mediterrânica até às questões religiosas. Têm diferenças que decorrem da forma como evoluíram historicamente. Mas têm uma coisa em comum que é o Mar Mediterrâneo: que permite o comércio mas também grandes movimentações demográficas, com os refugiados e migrantes. Há aqui um problema com consequências sociais e políticas que importa às duas regiões resolver. É isso que faz com que tenha de haver um dossier UE/Mediterrâneo. Não podemos construir uma Europa fortaleza e sem sofrer impactos daquilo que se passa no Mediterrâneo.

Vêm à procura de uma vida melhor…

Há sobretudo duas causas que levam, depois, a vários problemas económicos e sociais. A primeira prende-se com as fortes diferenças de rendimentos. Estamos a falar de países, alguns com rendimentos per capita na ordem dos 2700-2800 dólares, o que dá em remunerações do trabalho cerca de 150-200 euros/mês. E depois temos os salários praticados na Europa, mesmo assim com diferenças. A História e a Teoria Económica dizem que as pessoas tendem a movimentar-se para onde têm maior remuneração. Em segundo lugar, os conflitos militares. As pessoas deslocam-se não apenas por serem migrantes mas também refugiados de guerra. E ainda, em terceiro lugar, alguns desses países fizeram um forte investimento na juventude, em escola, em educação mas …

Não têm emprego para lhes dar?

Não têm emprego compatível para lhes dar. A educação avançou mais rapidamente que a economia e estas coisas provocam tensões. Tivemos várias “primaveras árabes”, depois várias reações conservadoras fortíssimas e fundamentalistas do ponto de vista religioso. Muitos destes jovens também querem vir para a Europa ou para as regiões onde podem ganhar mais. E pode levar a conflitos de integração sócio-cultural.

A Europa recebe cerca de 1milhão de pessoas/ano. Destas, 600 mil vêm de países do Mediterrâneo e 250-270 mil são refugiados de guerra. Como é que se resolve? Era com menores diferenças de rendimento e desenvolvimento económico. Porque, senão, as tentativas de deslocação são maiores. Logo, é natural que a EU tenha necessidade de falar com alguns destes países sobre dossiers que podem ajudar ao seu desenvolvimento económico.

Ou seja, nesta Conferência da União para o Mediterrâneo terá de ser a Europa a avançar com a ajuda a estes países, para de alguma forma se ajudar a si própria.

A Europa pode ajudar, sobretudo a qualificar e a dar competências a estes países para que as pessoas não se desloquem tanto. E, se eles produzirem mais e tiverem mais competências, também têm mais facilidade em exportar os seus produtos. Mas porque não são temas fáceis é que a frequência das conferências não tem sido grande.

Em segundo lugar, estas movimentações demográficas têm levado a reações no sentido nacionalista. Provocam fundamentalismos religiosos nalguns lados, levam por vezes ao terrorismo, que provoca outras reações “do lado de cá”. Mas sobretudo as crises de emprego na EU, as crises de absorções culturais levam a que estes movimentos fortes de populações possam gerar reações nos territórios para onde vão porque não os querem lá. É isto que está na base dos nacionalismos que, depois, não facilitam a obtenção de consensos dentro da União Europeia para as tais aberturas comerciais e cedências.

Ou seja, apesar das migrações não constarem da agenda oficial desta Conferência UfM, vão atravessar todas as discussões…

Obviamente, porque quando se fala da informalidade (um dos pontos da Agenda) e da criação de oportunidades no Norte de África, como é que somos capazes de garantir que as pessoas encontram futuro no seu território? Por exemplo, uma pessoa pode ganhar menos 20-30% mas se a economia está a crescer, os salários e o emprego também, se vê futuro, não vai. Agora, quando há guerras, salários baixos, desemprego, as pessoas tendem a deslocar-se e até, a submeter-se à probabilidade muito forte de morrer no caminho, como acontece no Mediterrâneo.

Só há uma solução: por um lado, os movimentos migratórios serem feitos dentro dos limites “normais”. Ou seja, há oportunidades de emprego, a Europa precisa da emigração porque tem poucos filhos e tem que haver uma política que facilite a integração cultural.

Mas a verdadeira solução é que estes países tenham desenvolvimento económico, que as pessoas vejam que têm futuro.

Em termos concretos, como é que se faz? Com apoio financeiro?

Não só. Basicamente, de três formas. É pegar na abertura de tarifas aduaneiras e ver como é que, em vez de proteger, cria espaço para que esses países possam crescer, exportar e passar progressivamente para sectores mais qualificados. Depois, passa sempre por ajudar esses países a capacitar-se: ou criando bolsas de estudo para quem cá vem ou apoiar financeiramente, também os processos de formação profissional. Os membros da União Europeia também podem participar e ajudar na inserção cultural e social destes milhões de pessoas que estão nos seus países. E nos processos de integração ter, os seus líderes, muitas vezes religiosos moderados, etc.

E investimento para a criação de emprego?

E investimento direto estrangeiro. É evidente que do outro lado têm que ser criadas condições – nomeadamente de segurança – para que esse investimento se rentabilize. O que acontece normalmente quando há conflitos é que, quem investe exige a amortização do equipamento em 4-5 anos, taxas de retorno do lucro muito avultadas e não aplicação do dinheiro nesses países.

Depois, o dossier da informalidade: como é que se pode ajudar a desenvolver economias locais, os artesanatos, etc e partir daí, essas pessoas passarem de pequenos empreendedores a empreendedores mais qualificados e depois os produtos entrarem cá (EU) sem aquelas exigências todas que são feitas?

Muitas vezes os dossiers não são fáceis mas há um que funciona sempre: é o da ajuda e cooperação internacional. Apesar de tudo, esses países, quando têm conflitos, têm uma maior relação de segurança com países europeus.

Tem esperança que a Declaração conjunta que há-de sair da Conferência UfM não seja só um conjunto de boas intenções sem aplicação concreta?

Tem sempre aplicação concreta bilateral. Estou, por exemplo, a falar de Portugal em relação a países com que tem relações historicamente fortes, pode ser Marrocos, Tunísia ou mesmo a Argélia. Bilateralmente tem efeitos. E acho que no ambiente europeu – basta lembrar o que aconteceu com a questão dos refugiados nos últimos 4-5 anos – em que há movimentos nacionalistas de obstrução fortes, as Opiniões Públicas começam a perceber que não podemos ser “fortaleza”, temos que abrir. Depois, há posições de ambos os lados, uns a dizer que não deve haver portas; outros que as querem todas fechadas. Apesar de tudo, o dossier tem medidas e tem sido analisado sobretudo em lideranças europeias, como a alemã. Mais: a Europa percebeu que o dossier dos refugiados e das migrações era de tal forma complicado que se sobrepunha ao dossier dos ajustamentos macro-económicos.

Aquilo que se passa nestas conferências muda as Opiniões Públicas, cria consciência dos problemas e ajuda a resolver alguns deles. Portanto, não é só uma Declaração de Princípios.

Ver fonte

TAGS: