Eduardo Catroga, ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva, defende que o país precisa de incentivar “estratégias empresarias competitivas”, mas nunca como está a ser feito na TAP.
Segundo o economista, os erros na companhia aérea começaram muito antes da pandemia e continuaram com o modelo de apoio escolhido. Agora, espera que não haja interferências na execução do plano de reestruturação.
Eduardo Catroga alerta ainda os partidos da direita e da esquerda para os erros cometidos no passado. Com os 130 mil milhões a fundo perdido que já recebemos de Bruxelas, temos uma oportunidade de ouro, mas o dinheiro tem que ser aplicado de forma diferente.
Nesta entrevista à Renascença a propósito do seu novo livro, “Desenvolver Portuga – Reflexões em tempos de pandemia”, o economista não se mostra preocupado com o bloqueio à bazuca europeia – acredita que rapidamente será encontrada uma solução, senão for na presidência alemã, será pela presidência portuguesa da União Europeia. Pior é a resposta dos partidos nacionais à crise, com a ausência de medidas que equilibrem o impacto nas famílias e empresas.
Esta é uma semana decisiva para garantir que a bazuca europeia chega aos Estados-membros, depois dos vetos da Hungria e da Polónia. Qual é a gravidade da situação? Podemos ficar sem financiamento?
No que respeita ao quadro financeiro plurianual, o chamado Orçamento Europeu, enquanto não estiver ratificado por todos os Estados-membros, a União Europeia terá que funcionar em regime de duodécimos.
Em relação ao Fundo de Recuperação e Resiliência, a União Europeia tem vindo a estudar uma alternativa, que é transformá-lo em um instrumento tipo o Mecanismo Europeu de Estabilidade, em que esses dois países que se auto excluíram não participarão.
Quanto muito, em relação a esta nova bazuca, haverá algum pequeno atraso, porque os fundos também nunca chegarão nesta bazuca antes do segundo semestre de 2021.
Mas temos bazucas de curto prazo que estão o a funcionar: a do BCE, a bazuca do Portugal 2020, que tem ainda um saldo por utilizar de 13 mil milhões de euros, e temos um quadro financeiro plurianual, que enquanto não houver acordo funcionará em regime de duodécimos.
Acredita numa solução para este impasse? António Costa quer fechar o dossier este mês, mas não aceita avançar com o fundo sem a Hungria e a Polónia.
Estou convencido de que vai haver uma solução. O que está aqui em causa, neste momento, é que os países quando aprovaram o Fundo de Recuperação e Resiliência, a nova bazuca, colocaram uma condição política a países como a Hungria e a Polónia.
É evidente que essas condições políticas são sempre uma faca de dois gumes. Tenho para mim que condições de Estado de Direito, quem tem que avaliar se estes países estão a satisfazê-las são os tribunais.
Tenho esperança de que esse “impasse político”, que condiciona, vai ser ultrapassado ainda em dezembro.
Não acredita, então, que este seja um desafio para a presidência portuguesa da União Europeia no primeiro semestre?
Acredito que a Alemanha tenha engenho e arte de criar condições para que, quando Portugal assumir a presidência no dia 1 de janeiro, este problema já esteja solucionado.
Quais serão, na sua opinião, os principais desafios da presidência portuguesa?
Primeiro, se a Alemanha não resolver o impasse, Portugal terá que ter toda a diplomacia de encontrar soluções para que a União Europeia não viva em regime de duodécimos.
O segundo desafio, se o impasse político continuar, será desenvolver todas as ações para criar um instrumento para o Fundo de Recuperação e Resiliência, no sentido de uma solução tipo Mecanismo de Estabilidade. Mas o grande desafio de Portugal será, no quadro da União Europeia, contribuir para que os recursos que são disponibilizados pela UE sejam aplicados na resolução do calcanhar de Aquiles da economia europeia, que é a melhoria da produtividade e da competitividade. Os objetivos europeus terão que ser calibrados em função das prioridades estratégicas nacionais e das necessidades específicas de cada um dos países.
Outro grande desafio será contribuir para uma maior cooperação multilateral num mundo cada vez mais multipolar. A UE tem que se posicionar, cada vez mais, como um polo estratégico no seio da economia global, nomeadamente, encontrando soluções de equilíbrio da parceria estratégica Estados Unidos/União Europeia/China. A Europa tem que assumir as suas responsabilidades para poder ser um polo de atração, não pode continuar a perder peso na economia mundial.
No seu último livro, “Desenvolver Portugal”, descreve os novos fundos europeus como uma oportunidade de ouro. Como é que deve ser feita a gestão deste dinheiro?
Desde 1986, temos tido uma grande solidariedade europeia. Desde o momento em que entrámos na então Comunidade Económica Europeia e 2018, recebemos a fundo perdido 130 mil milhões de euros a preços de 2011. Estes fundos eram para acelerar a convergência real, para nos aproximarmos do nível de vida dos países mais desenvolvidos, e o que verificamos é que, desde 1995, o progresso tem sido mínimo.
Porquê? Porque temos tido uma grande anemia no crescimento económico nos últimos 20 anos, uma estagnação da nossa produtividade, e isto está ligado à inconsistência de políticas económicas, a uma má qualidade da alocação de recursos na economia.
Agora temos uma oportunidade de ouro para atuar nos pilares estruturais determinantes da produtividade e da competitividade: o pilar político-institucional, o pilar económico-financeiro e o pilar social. Não replicarmos na próxima década as más políticas das duas décadas anteriores, que fazem com que quase tenhamos estagnado em matéria de convergência real e estejamos a caminho da cauda da Europa.
É uma oportunidade de ouro que temos, mas para isso temos que utilizar esta crise como um vento catalisador de mudanças estruturais e acabar com a inação estrutural, um vírus que nos tem atacado, de inércia estrutural e anti-empresas, anti-economia de mercado, anti-investimento produtivo que tem grassado na sociedade portuguesa nos últimos anos.
Fala em “incentivo a estratégias empresariais competitivas para a renovação da estrutura produtiva”. Como é que a TAP se encaixa aqui?
O caso da TAP é um mau exemplo de interferências políticas continuados durante muitos anos. No fundo, por pressão política, já antes desta crise pandémica, foram criadas tensões com os acionistas privados, que estava a fazer um bom trabalho na TAP.
A TAP cresceu, melhorou o “cash-flow” operacional, renovou a frota, diversificou as rotas comerciais, teve sucesso na abertura das rotas comerciais para os Estados Unidos e, por pressão política, o Governo resolveu alterar este modelo e ficar com a criança [TAP] nos braços. Toda a gente sabe que o Estado não tem vocação do empresário/gestor e muito menos num setor altamente competitivo, numa indústria global.
O Governo português – e bem – à semelhança de todos os governos da OCDE e governos europeus, em consequência da crise pandémica, definiu um sistema de apoios. Mas nenhum país adotou o modelo português! O modelo português está errado na sua génese. Confunde-se serviço público com a natureza da estrutura acionista, um serviço público pode ser prestado por uma empresa pública, por uma empresa privada, por uma empresa de economia mista e tem que ser contratualizado.
O plano de reestruturação pode ainda emendar este erro de que fala?
O que eu espero é que se aproveite esta crise para fazer a reestruturação estratégica e operacional que a TAP precisa, para ter o seu papel no setor da aviação, é uma companhia importante para a economia portuguesa.
É um mau exemplo de interferência do poder político na gestão empresarial. Agora o mal está feito, há que aproveitar a oportunidade que Bruxelas nos dá de apresentar um plano de reestruturação estratégica e operacional.
Só espero que esse plano seja bem concebido, seja bem executado, sem interferências políticas, porque acabam por contrariar os princípios da racionalidade económica pelos quais as empresas devem pautar as suas decisões estratégicas e operacionais.
Além das questões económicas temos o lado social. As autoridades já chegaram a admitir violência nas ruas em dezembro. Acha que a população poderá ter reações extremas se o Governo não aliviar o confinamento no Natal?
Tudo é uma questão de pedagogia, de política de comunicação e de uma boa política de apoios às famílias e às empresas. Eu recordo que todas as crises – e esta crise em particular – provocam desigualdades: entre o setor público e o setor privado, dentro do setor privado, na medida em que há empresas mais fortes e outras menos fortes, setores mais afetados do que outros. Era necessário respeitar o princípio da proporcionalidade dos sacrifícios e encontramos maus exemplos, que vêm do próprio Estado, como o Orçamento do Estado para 2021.
Neste momento, é altura de deixar funcionar os estabilizadores automáticos, como se diz na política orçamental; os apoios às famílias, os apoios às empresas, procurando minimizar os estragos económicos, financeiros e sociais. Quem é que sofre mais? Não é o emprego público, é o privado. Quem sofre mais são as classes mais desfavorecidas, são as pessoas idosas que vivem de poupança acumulada, são aqueles que vão para o desemprego.
Não me preocupa que aumente a despesa pública cíclica, de apoios às famílias e às empresas; já me preocupa quando se aumenta as despesas fixas de funcionamento do Estado. Sabe quanto é que vão aumentar as despesas com o pessoal da função pública, comparando 2021 com 2019? Vão aumentar 7,5%, quando a riqueza do país vai cair. Isso não se verifica no setor privado, nem se pode verificar!
Os partidos políticos, da esquerda à direita, nem sempre dão os bons exemplos no sentido de a população interiorizar que este mau período vai passar, que os sacrifícios estão a ser proporcionalmente repartidos, que não estão.
Entre os desafios que aponta para a próxima década está “um novo contrato social”. Pode explicar?
É uma convergência estratégica entre todos os segmentos de opinião que defendem um modelo europeu. Portugal só poderá ser vencedor, no quadro da economia europeia e do quadro da economia global, se conseguir criar riqueza.
O aumento da riqueza pressupõe políticas estruturais adequadas, no campo das políticas públicas, no campo das políticas empresariais, no sistema de incentivos à atração de investimento produtivo nacional e estrangeiro, o aproveitamento de novas oportunidades ligadas com a regionalização de algumas cadeias de produção globais. Por exemplo.
Não há uma boa política económica, uma boa economia, sem boas soluções governativas. Portugal só progrediu desde 1986, quando conseguiu ter estabilidade política, económica e social, no âmbito de uma visão reformista, atuando sobre os pilares político-institucional, económico-financeiro e social.
Fala em “convergência estratégica”… A forma como foi aprovado este ano o Orçamento do Estado não é a prova de que não há convergência política neste momento no país?
A esperança é a última coisa a morrer. Chamo a atenção para o papel do Presidente da República no seu segundo mandato, previsível, que deverá ser no sentido de impulsionar um conjunto de políticas estruturais, que são defendidas por largos segmentos do Partido Socialista, do PSD, do centro de direita, etc. No fundo, vai ser aquela frente democrática que o vai reeleger e que aspira a que Portugal tenha uma nova ambição.
Temos que encontrar soluções governativas reformistas, no quadro europeu, no quadro de uma economia de mercado, vencendo o vírus da inação estrutural, o vírus ideológico anti-empresas que condiciona a nossa vida económica.
No contexto deste seu apelo, como vê a solução de direita encontrada para governar nos Açores? Concorda com a aproximação do PSD ao Chega?
Eu não sei ainda o que é que é o Chega nem sei qual é a sua expressão eleitoral. Só sei dizer que a expressão eleitoral do Partido Socialista, mesmo excluindo o seu segmento bloquista, mais a expressão eleitoral dos partidos tradicionais do centro e da direita, são bastantes para a criação de um ambiente propício a reformas.
O partido o Chega vai colher votos da extrema-esquerda à extrema-direita, não vai ser um partido, vai ser um aglomerado de descontentes, vai engrossar os partidos antissistema. Neste momento temos dois, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. Vamos ter mais o Chega também como partido antissistema.
As soluções governativas dependem das forças eleitorais e dos programas, não dependem das bandeiras do partido A, B ou C.
Neste momento, o país depende de um partido antissistema, como lhe chamou, foi o aliado do Governo na aprovação do Orçamento do Estado.
Se o Partido Comunista quiser aderir às reformas viradas para as empresas (grandes, pequenas e médias), viradas para a atração de investimento direto estrangeiro, viradas para a melhoria da produtividade e competitividade, seria bem-vindo a este arco de reformas. Não excluo ninguém que queira ter uma vontade reformadora, mas há reformas de boa qualidade e má qualidade e eu não estou a ver que partidos sejam contra a União Europeia, sejam contra o euro, sejam contra a iniciativa empresarial privada, possam defender boas políticas.
O Deutsche Bank propõe um imposto adicional a quem está em teletrabalho, porque poupam em deslocações, roupa e alimentação e não contribuem da mesma forma para a economia. Uma vez que o teletrabalho está a generalizar-se, concorda com esta medida?
Eu penso que nós temos carga fiscal a mais e eficiência na despesa a menos. Acho que pode haver alguns impostos extraordinários, como existem despesas extraordinárias, desde que esses impostos extraordinários e despesas extraordinárias não se transformem em receitas e despesas estruturais, que aumentem o grau de rigidez da economia.
Não se pode ver uma medida de per si, tem que ser vista no âmbito de um programa reformista, que crie uma nova ambição de crescimento para Portugal, com justiça social mas em que os portugueses acreditem. Se não mudarmos de vida e continuarmos com as mesmas políticas dos últimos 20 anos não podemos esperar melhores resultados nos próximos 20 anos! É altura de os agentes políticos, económicos e sociais, de as famílias, as pessoas, as empresas verem onde é que temos que mudar. É preciso fazer pedagogia! Eu não vejo pedagogia em nenhum partido político.
Em relação a uma empresa que conhece muito bem, a EDP, que impacto é que deverá ter a saída de António Mexia?
A EDP é uma empresa muito bem organizada, que nos últimos 15 anos conseguiu ter sucesso competitivo ao nível global. De uma empresa monopolista, no território português, há 15/16 anos, passou a ser uma empresa competitiva, inovadora no campo das energias renováveis, graças à liderança do António Mexia, do João Manso Neto, no setor das renováveis.
Mas, uma das características dos bons líderes é criarem novos líderes e a EDP, em todos os domínios, tem capacidades de liderança e todos os líderes têm os seus ciclos. Não me preocupa a mudança geracional, porque a EDP tem uma estrutura de quadros, aos vários níveis, de primeiro quilate.
Sobre as presidenciais. Entendeu este tabu que Marcelo Rebelo de Sousa alimentou durante meses sobre a recandidatura e que impacto é que poderá ter na votação?
Eu acho que não terá qualquer impacto na votação, a diferença de qualidade entre o candidato Marcelo Rebelo de Sousa e os outros candidatos é de tal forma grande. É natural que haja votos de protesto, que ele possa não ter a votação que aspiraria, mas vai ganhar com uma maioria folgada, porque é de longe o melhor candidato.
Os tabus também são muito criados artificialmente. Marcelo Rebelo de Sousa tem o direito de escolher o momento oportuno de fazer o anúncio formal da sua recandidatura. Não existe nenhum tabu.
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