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Com as encomendas a chegar e as exportações a crescer, os industriais debatem-se agora com o problema do absentismo que chega a por em causa o cumprimento dos prazos de entrega, obrigando ao pagamento de penalizações aos clientes. A queixa não é nova, mas ganha novo relevo face ao avanço da vacinação em Portugal. “Como é que se continua a mandar para isolamento profilático pessoas que já têm as duas doses da vacina tomadas há mais de duas semanas? Como é que uma empresa se consegue organizar para cumprir com as encomendas quando tem 20% dos seus trabalhadores em falta? Isto é um absurdo e está a criar graves dificuldades às empresas”, lamenta o presidente da Anivec, a associação do vestuário e confeções, César Araújo.
A situação parece ser transversal aos vários setores industriais e tem vindo a ganhar preponderância à medida que os números da pandemia têm vindo a subir nas últimas semanas. “Com o crescimento no número de casos aqui na zona, designadamente nos concelhos de Santo Tirso, Barcelos, Famalicão e Guimarães, aumentaram as queixas das empresas, porque, além dos trabalhadores infetados, a DGS manda para casa, para isolamento profilático, todos os que trabalham próximos, mesmo quando se trata de pessoas com a vacinação completa. Já nos aconteceu isso aqui na empresa, e a verdade é que até já passei por alguns deles na rua, apesar da ordem de isolamento”, lamenta o presidente da Associação de Têxteis e Vestuário de Portugal (ATP).
Mário Jorge Machado considera a medida “desprovida de qualquer sentido” e advoga o reforço da testagem para esses casos, mas mantendo os trabalhadores ao ativo. “Claro que atrapalha muito o negócio. A situação já não está fácil, e agora, com mais esta variável em cima, a coisa complica-se. Que os casos positivos fiquem em casa parece-me óbvio. Quanto aos restantes, obrigue-se à realização de testes rápidos diários. Mandá-los para casa não é a solução”, defende Mário Jorge Machado. A ATP não tem dados concretos sobre o nível do absentismo, mas admite que os 20% referenciados por César Araújo estejam em linha com a realidade. “Acredito que seja dessa ordem de grandeza, sim, atendendo ao número de queixas que nos têm chegado”, diz.
Já o presidente da Anivec fala num “facilistimo promovido pela covid-19”. “Claro que quanto mais reabrimos a economia, mais contactos há e mais casos vão surgindo, mas não podemos ficar todos eternamente fechados. E se já temos tanta gente vacinada, então porque os voltamos a mandar para casa em isolamento profilático? Isto é o mesmo que dizer que a vacina não é eficaz, é uma má mensagem para se passar. Ou então deem uma terceira dose, mas é preciso acabar com estas indefinições”, defende César Araújo. Para as empresas, esta situação significa que não se conseguem organizar, nem cumprir os prazos de entrega estabelecidos. “Começamos a ter problemas graves, com clientes a cancelar as encomendas”, argumenta.
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Colocada a questão ao Ministério do Trabalho, fonte oficial do gabinete da ministra Ana Mendes Godinho responde que “a determinação das regras quanto ao isolamento profilático das pessoas, mesmo que vacinadas, é da inteira responsabilidade da DGS”. O Dinheiro Vivo questionou, ainda, o Ministério da Saúde, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho desta edição.
Sobre os dados do absentismo, o gabinete da ministra do Trabalho não avança com números, sublinhando que eles constam do Relatório Único “que será entregue mais tarde, este ano, em resultado da pandemia”. A mesma fonte sublinha, ainda, que, “até à data, não recebemos queixas desta situação por parte dos empregadores”.
Tanto a Anivec como a ATP garantem ter já feito chegar o seu desagrado ao Ministério da Economia, que remete para as recomendações da DGS.
Recorde-se que na área têxtil a situação é minimizada pelo elevado índice de automatização das fábricas, mas na confeção a mão de obra ainda é determinante, dando emprego a cerca de 90 mil pessoas. E é o segmento de negócios que ainda está mais frágil. As exportações da indústria têxtil e do vestuário estão já só 2,1% abaixo de 2019, mas o vestuário em tecido está, ainda, 28% abaixo do período pré-pandemia. São 119 milhões de euros a menos nos primeiros cinco meses de 2021 comparativamente ao mesmo período de 2019.
Mas o problema não é exclusivo da fileira têxtil. Também no calçado há quem se queixa da mesma situação. A Kyaia, o maior grupo de calçado nacional, tem cinco fábricas e, em todas, o absentismo está acima dos dois dígitos e, em alguns casos, chega mesmo aos 25%. “Gerir uma fábrica e cumprir prazos de entrega com taxas de absentismo desta ordem é completamente impossível. Nós trabalhamos no duro, para conseguir recuperar, mas há coisas que não conseguimos superar”, lamenta Fortunato Frederico.
Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS, admite que não tem dados exatos sobre o absentismo, embora o tema seja “uma preocupação recorrente” nos vários inquéritos que a associação do calçado tem vindo a promover junto dos seus associados no âmbito da pandemia. No último inquérito, por exemplo, 8% das empresas apontavam a ausência de trabalhadores como uma questão relevante, sendo que, para 6% dos inquiridos, esse eram um problema “extremamente relevante”. “A falta de mão de obra constitui um constrangimento às empresas numa altura em que o setor, felizmente, tem encomendas e gostaria de conseguir responder aos seus compromissos internacionais”, frisa Paulo Gonçalves.
Na metalurgia e na metalomecânica, mais do que o absentismo, é mesmo a falta de trabalhadores para contratar que preocupa os empresários, a par do aumento do custo das matérias-primas. “É verdade que os empresários nunca sabem bem com quem podem contar, devido aos isolamentos profiláticos arbitrários, surreais e disparatados. Mais, a situação varia muito de concelho para concelho, consoante os delegados de saúde, mas, como o setor já está a trabalhar aos níveis de 2019, o problema da falta de mão de obra é mais profundo, é mesmo a necessidade de contratar mais e não conseguir”, explica Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP. Que admite que em falta estejam, de novo, qualquer coisa como 20 mil trabalhadores para as fábricas do Metal Portugal.
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