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Depois de anos a beneficiar da política de juros mínimos do Banco Central Europeu (BCE), que fez baixar a taxa de juro média ponderada anual da nova dívida emitida de um pico de 5,8% em 2011 (um valor incomportável que levou o País à bancarrota) para um mínimo de 0,5% em 2020, a República depara-se hoje com o fim dessa era de juros quase zero. Durou até 2020, indicam dados oficiais.
De acordo com números da agência que gere a dívida pública portuguesa (IGCP), que é tutelada pelo Ministério das Finanças, essa taxa de juro das novas emissões começou a subir. O aumento é ténue, mas sinaliza que o tempo dos juros ultrabaixos acabou.
O governo de maioria absoluta do PS, de António Costa, pode não ter grandes barreiras a legislar no Parlamento e deve conseguir aprovar o seu desejado Orçamento de Estado de 2022, que chumbou logo na votação na generalidade no final do ano passado. Mas vai deparar-se, certamente, com a barreira da subida das taxas de juro.
O IGCP calcula essa taxa média global ponderada como sendo “o custo da nova dívida emitida no ano”, ou seja, “o custo médio dos instrumentos bilhetes do tesouro (BT), obrigações do tesouro (OT), obrigações do tesouro de rendimento variável (OTRV) e notas de médio prazo (MTN) emitidos no ano correspondente, ponderado pelo montante e maturidade”. Esse custo médio ponderado subiu de 0,5% em 2020 para 0,6% em 2021. A tendência de descida durava há cerca de sete anos.
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Como referido, é uma subida ligeira e, para mais, o valor continua a ser substancialmente reduzido face ao histórico dos últimos anos.
Quando Portugal terminou formalmente o programa de austeridade e intervenção da troika e regressou aos mercados internacionais (em 2014) pagava uma média ponderada de 3,6% pela nova dívida que emitia. Esse esforço foi-se reduzindo ainda mais com o tempo, apesar de o País ter um dos rácios de endividamento mais elevados da Europa (terceiro maior da zona euro) e do mundo desenvolvido, próximo dos 130% do produto interno bruto (PIB).
No ano passado, esse fardo aliviou um pouco, para 127,5% do PIB, mas não deixa de ser substancial o valor em dívida: os credores têm a haver junto dos contribuintes portugueses qualquer coisa como 269,6 mil milhões de euros.
O momento de charneira que espoletou a descida dos juros aconteceu logo em 2012, quando Mario Draghi, então presidente do BCE, proferiu o célebre discurso em Londres de que iria “fazer o que fosse preciso” para acabar com a crise e os ataques especulativos aos soberanos da zona euro.
Com o tempo, o BCE fez o que prometeu. Começou a injetar enormes quantidades de dinheiro novo e muito barato nos sistemas bancários da zona euro. Começou a comprar largas quantidades de dívida pública aos bancos e isso foi fazendo descer de forma dramática as taxas de juro soberanas.
Países como Portugal, altamente endividados e entre a espada e a parede por causa dos juros, começaram a sentir o alívio. Menos juros significa menos pressão sobre o Orçamento já que os juros são uma despesa que reduz o saldo orçamental (ou que faz subir o défice).
Mesmo com esta primeira subida no custo da nova dívida, o Tesouro conseguiu gerar poupanças nos juros da República. O Orçamento do Estado de 2021 previa gastar 7,3 mil milhões de euros em juro.
A gestão ativa da dívida do IGCP (que estuda os melhores momentos para ir aos mercados e vai fazendo operações de troca de dívida ou de recompra de modo a substituir dívida mais cara por outra mais barata, aproveitando o ambiente BCE nos mercados secundários) permitiu poupar mais de 300 milhões de euros em 2021 face ao orçamentado.
Mas, lá está. Portugal reduziu fortemente a fatura dos juros nos últimos anos. Em termos nominais, a dívida era tanta que chegou a pagar um máximo de 8,4 mil milhões de euros em serviço dessa dívida, em 2018.
Em 2021, a fatura era 1,5 mil milhões mais baixa. Ainda, os credores ganharam quase 7 mil milhões de euros em remuneração.
O ponto de inflexão nas taxas de juro
Em dezembro, o BCE anunciou que vai começar a descontinuar alguns programas de compras de ativos que permitem a existência de juros mínimos (como os programas dedicados ao combate à pandemia) e esta semana reiterou o aviso.
As taxas de juro diretoras ainda não mexeram (continuam coladas em mínimos), mas Frankfurt vai passar a comprar menos 20 mil milhões de euros por mês em dívida pública e outros ativos a partir de outubro, o que, na prática, se vai consubstanciar numa subida do custo do dinheiro na zona euro.
No entanto, há já algum tempo que os mercados obrigacionistas começaram a descontar esta alteração na política do BCE. É por isso que os juros derem os primeiros sinais de alta ainda em 2021, sem que Frankfurt tivesse alterado nada, em termos práticos, nas suas operações de mercado.
Praticamente todos os avaliadores e analistas próximos do País concordam que terminou a era dos juros a preço de saldo e que a partir de 2022 a tendência é de “normalização” da política monetária.
Fonte oficial do Ministério das Finanças destaca o facto de o peso da dívida caído para 127,5% do PIB no ano passado (valor anunciado pelo Banco de Portugal nesta semana que passou) e de ter sido “a maior redução de sempre da dívida pública (em % do PIB) e a primeira vez em democracia que esta se reduz em valor nominal, diminuindo 900 milhões de euros face a 2020”.
Para a tutela de João Leão esta redução vem na melhor altura pois “a retoma da trajetória de redução da dívida pública fundamental para a credibilidade internacional da república e para a confiança na economia”.
Razão? O contexto atual é de “normalização da política monetária a nível europeu” pelo que essa diminuição na dívida e no seu peso “permitem assegurar maior segurança e estabilidade e melhores condições de financiamento para Estado, empresas e famílias”, esperam as Finanças.
O que dizem os analistas
Sarah Carlson, uma das vice-presidentes da Moody’s e a analista principal de Portugal, refere que a vitória do Partido Socialista “é um resultado positivo porque remove a incerteza política que estava associada ao anterior acordo da geringonça”. A prazo pode até refletir-se na nota da qualidade da dívida e fazer subir o rating soberano. Carlson diz que a maioria absoluta é “positiva em termos da qualidade do crédito”.
Além disso, “um governo maioritário é um bom para a capacidade do governo português em cumprir as metas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)” uma vez que estes projetos “são cruciais para as perspetivas de crescimento de Portugal e para a melhoria a longo prazo do potencial da economia”.
Nesse sentido, a avaliadora da Moody’s observa que, nesta nova fase, a redução da dívida fica mais dependente do “potencial de crescimento a longo prazo do país” e que este “está dependente da implementação completa PRR de 2022 a 2026”.
Uma economia “mais robusta deve acelerar a dinâmica positiva da dívida; em 2021, pensamos que o peso da dívida de Portugal já começou a diminuir” pelo que “um potencial de crescimento mais forte deve apoiar a continuação desta tendência nos próximos anos”. “Até 2024, esperamos que o aumento da dívida relacionado com a pandemia tenha sido completamente revertido”.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é menos otimista quando estes desenvolvimentos: diz que só em 2026 é que o rácio da dívida regressa aos níveis pré-pandemia, de 2019.
A analista da Moody’s recorda que “os anteriores governos de Costa adotaram políticas orçamentais prudentes” e que “o país entrou na pandemia com uma posição orçamental equilibrada”. A agência de rating considera que o défice de 2021 terá ficado em 4,2% do PIB e que este ano seja possível baixar ainda mais, para 3,1%.
O grupo da Economist Intelligence Unit (EIU) que segue Portugal também diz que “o resultado das eleições irá assegurar a estabilidade política durante os próximos quatro anos e permitir a implementação efetiva dos fundos europeus”.
Além do mais, “a prudência orçamental continuará a ser uma prioridade para o governo e o PS continuará a procurar manter o défice orçamental e reduzir a dívida pública, que é de 130% do PIB, um dos níveis mais elevados da UE”.
Mas fica o aviso. “As características estruturais da economia atrasarão a recuperação em 2022, nomeadamente a dependência do turismo, o espaço orçamental limitado e a baixa produtividade”. Em todo o caso, “as medidas políticas europeias limitarão o risco de uma crise bancária ou de dívida soberana”, considera a EIU.
Recentemente, também o gabinete de estudos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deixou avisos sobre o ambiente dos juros e da dívida. No seu novo outlook sobre riscos refere que a nível macroeconómico os “mais significativos” em 2022 são “a expectável normalização da política monetária”.
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