//Advogados. Apoio a trabalhadores informais é na prática “um empréstimo”

Advogados. Apoio a trabalhadores informais é na prática “um empréstimo”

Os trabalhadores informais que pedirem o novo apoio de 219,4 euros no âmbito da covid-19, com a duração de dois meses, podem ter de descontar pelo menos 20 euros mensais durante dois anos, segundo advogados consultados pela Lusa.

Em causa está o novo apoio financeiro da Segurança Social que corresponde a metade do valor do Indexante de Apoios Sociais (IAS), ou seja, 219,4 euros, que pode ser atribuído aos trabalhadores que não têm declarado contribuições à Segurança Social (trabalhadores informais).

O apoio, publicado na sexta-feira em Diário da República, tem a duração máxima de dois meses, mas obriga a que os trabalhadores fiquem depois enquadrados no regime contributivo dos trabalhadores independentes durante 24 meses após a cessação do apoio.

Segundo explica a advogada Madalena Caldeira, da Abreu Advogados, os trabalhadores que, após o apoio, passarem a declarar rendimentos, ficam obrigados então a descontar 21,4% para a Segurança Social sobre o rendimento relevante.

Mas quem optar por continuar a não declarar rendimentos à Segurança Social, o que na opinião da advogada será grande parte destes trabalhadores, ficará sujeito à contribuição mínima mensal de 20 euros.

Estes trabalhadores “só pagam a contribuição prevista [em regra de 21,4%] se na declaração trimestral passarem a incluir rendimentos”, diz Madalena Caldeira.

Por outro lado, continua a especialista, “se continuam a pôr a zeros, ou seja, se continuam sem declarar, não terão escapatória aos 20 euros de contribuição mínima durante os 24 meses”.

Na prática, a Segurança Social “recupera o apoio que dá”, afirma Madalena Caldeira, acrescentando que em princípio “as pessoas que tenham ficado sem rendimentos e que já optam por não os declarar, não vão recorrer à medida”.

“Esta medida é feita para as pessoas que involuntariamente estão nesta situação e não para que as preferiram não declarar”, sublinha a advogada de Direito Laboral e Segurança Social.

Também Pedro da Quitéria Faria, advogado laboral da Antas da Cunha ECIJA, faz a mesma leitura, concluindo que o novo apoio é “um empréstimo” aos trabalhadores.

“O meu entendimento ao dia de hoje (…) é que estes trabalhadores informais vão receber o valor fixo de 219,40 euros durante um máximo de dois meses; ora, feitas as contas, só receberão, no total, um máximo de 438,80 euros”, diz o advogado.

“Parece-me resultar que tal não consubstancia um verdadeiro apoio, mas uma espécie de empréstimo, na medida em que se pagarem contribuições no valor mínimo (20 euros/mês) durante os 24 meses, acabarão por descontar cerca de 480 euros (20 euros x 24 meses)”, acrescenta Pedro da Quitéria Faria.

Já sobre se estes trabalhadores terão direito ao primeiro ano de isenção de contribuições, os advogados têm leituras diferentes, sublinhando ambos que a lei não é clara neste aspeto.

Pedro da Quitéria Faria considera que “não parece resultar da lei e do espírito do legislador qualquer isenção no primeiro ano de atividade”.

“A lei é omissa nessa matéria”, mas tendo em conta que, no caso do apoio previsto para os trabalhadores independentes que não descontam, há a perda de isenção das contribuições, então para os trabalhadores informais, a leitura deverá ser a mesma, defende o especialista.

Ao contrário, Madalena Caldeira considera que, no caso do apoio para os trabalhadores informais, o decreto-lei do Governo “não afasta as regras gerais” previstas no regime contributivo segundo as quais “o trabalhador independente, em regra, só fica obrigado a descontar no primeiro dia do 12.º mês a seguir ao início da atividade”.

Ou seja, para a advogada, os trabalhadores informais que aderirem ao novo apoio de 219,4 euros por dois meses ficam obrigados a enquadramento na Segurança Social durante dois anos, mas têm direito à isenção durante o primeiro ano de atividade.

Porém, a advogada acrescenta que, se se tratar de reinício de atividade, “em princípio já não é assim e os trabalhadores descontam logo no primeiro mês a seguir ao reinício da atividade”.

Questionada sobre se os trabalhadores informais e independentes ficam agora protegidos na totalidade pelos novos apoios do Governo, Madalena Caldeira considerou que “a resposta à questão é difícil”, uma vez que “os apoios são curtos” e também porque o próprio regime “tem uma série de vicissitudes que tornam difícil assegurar a estes trabalhadores uma proteção efetiva”.

“Nestas situações, o regime mostra as suas fragilidades, quer para os trabalhadores quer para a Segurança Social”, realça a advogada.

A Lusa questionou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre o regime aplicável a estes trabalhadores, mas não obteve respostas.

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