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Os portugueses ainda continuam a ir ao restaurante, apesar do aumento dos preços, mas o que pagam não chega para cobrir o aumento das despesas de quem presta o serviço, diz a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), em entrevista à Renascença.
Para Ana Jacinto, o setor precisa de medidas que ajudem ao fortalecimento das empresas, especialmente depois de dois anos de pandemia. A revisão da fiscalidade sobre o trabalho é uma delas; outra prende-se com a necessidade de facilitar a entrada de imigrantes porque não há mão-de-obra suficiente.
Nesta entrevista à Renascença, Ana Jacinto elogia algumas medidas adotadas, mas não deixa de criticar o Governo por desvalorizar a Concertação Social.
Já conhecemos o desempenho do turismo em 2022, o INE divulgou também os dados do alojamento, com uma receita superior a cinco mil milhões de euros, superior à de 2019, que já era o melhor ano. São resultados acima do esperado na perspetiva da AHRESP, que também muitos associados nesta área?
São indiscutivelmente bons. Agora, temos de contar bem a história, porque na hotelaria os dados são bons, sobretudo, no que diz respeito aos proveitos, mas se olharmos para o número de dormidas e número de hóspedes, ainda estamos um bocadinho aquém de 2019.
E o que interessa é o que fica nas empresas, o saldo: se estamos a ganhar 100, mas gastamos 100, significa que não ganhamos nada. E é um bocadinho o que se está a passar neste momento nas nossas empresas, porque estamos com uma pressão inflacionista enorme e os custos crescem todos os dias. E é bom salientar alguns outros dados para percebermos do que estamos a falar.
Em janeiro, a inflação nos produtos alimentares ascendeu a 20,6%, para além da inflação dos custos energéticos e de outras matérias-primas. Se olharmos para a rubrica e para a classe dos restaurantes, tivemos uma inflação de 10,5%. Isto significa que os restaurantes é que estão a absorver o impacto destes custos todos. O aumento dos preços para o consumidor é evidente, mas para as empresas a receita não cresce na mesma proporção. Estamos com uma procura simpática, estamos a trabalhar bem, mas não estamos a crescer, que é diferente.
Sobretudo na área da restauração porque na hotelaria temos um crescimento de preços maior e, portanto, não há um impacto tão grande. Mas também há.
É bom ver esta realidade, somada ao facto de o setor vir de dois anos de pandemia, em que os seus balanços ainda não estavam equilibrados, ainda não tínhamos tesouraria suficiente para impactar esta pressão inflacionista, a subida das taxas de juros e agora, a perda do poder de compra, sobretudo dos portugueses. Tudo isso está a dificultar que as nossas empresas, sobretudo da restauração, consigam robustecer-se e crescer. É uma grande preocupação.
Se estamos a ganhar 100, mas gastamos 100, significa que não ganhamos nada. E é um bocadinho o que se está a passar neste momento nas nossas empresas
Ainda há muitas empresas em grandes dificuldades?
Todos os dias há empresas que nos dizem que não conseguem resistir. Acompanhamos as nossas empresas diariamente e temos trabalhado constantemente muito de perto com o Governo. Prova disso é o que foi anunciado há dias na Lisbon Food Affair de Portugal. É um trabalho que a AHRESP desenvolveu muito de perto com a Secretaria de Estado do Turismo, com o Turismo de Portugal e com o Ministério da Economia, para encontrarmos medidas de apoio às empresas que estão agora com dificuldades.
Isto é: o Governo anunciou o Consolidar+ para apoiar as empresas que recorreram às Linhas Covid e que agora tinham de liquidar os seus empréstimos. Mas era só para estas; todas as empresas que recorreram às linhas de microcrédito do Turismo de Portugal estavam de fora deste apoio. É o que acontece com muitas empresas associadas da AHRESP. Não podia ser a mesma Linha Consolidar+ e dissemos ao Turismo de Portugal que tínhamos de encontrar um mecanismo para ajudar estas empresas a aliviar a dívida, que começaram a pagar os empréstimos em janeiro.
O Turismo de Portugal criou então uma moratória sobre 75% da dívida, que vai entrar em vigor no dia 1 de março e que é válida por um ano. Não é retroativo porque há empresas que já pagaram em janeiro e fevereiro. Isto é a prova que há necessidade de intervirmos e de apoiar as empresas porque estão com dificuldade de liquidar estes empréstimos. E o Governo tem estado atento e disponível para encontrar estes mecanismos.
Há empresários, sobretudo de micro e pequenas empresas, que, por vezes, não têm acesso a tanta informação e se queixam do excesso de burocracia para recorrer aos apoios. Isso foi impedimento para alguns pedirem ajuda?
Sim, ao longo dos últimos anos e durante a pandemia, essa questão foi recorrente. Este é um setor de atividade muito micro, com empresas muito pequenas, que tiveram imensas dificuldades em recorrer aos apoios e por isso, a AHRESP, desde o início não parou – obviamente, em diálogo constante com o Governo, de sinalizar a necessidade de encontrarmos mecanismos muito mais ágeis, céleres e descomplicados. E à medida que o tempo foi passando, foi acontecendo essa descomplicação. Mas era sempre muito tarde.
Há necessidade de intervirmos e de apoiar as empresas porque estão com dificuldade de liquidar empréstimos
Tarde demais para resistirem?
Muitos já não resistiram. E a AHRESP teve um papel determinante porque fizemos nós muitas candidaturas em nome de associados – e muitas vezes não associados, porque não deixámos de ajudar empresas que também não eram associadas, atendendo à situação que estávamos a viver. Fizemos muitas candidaturas, até as candidaturas junto do Turismo Portugal (TP), que do nosso ponto de vista foram as mais ágeis e mais céleres. As do TP e as das autarquias foram as que mais conseguiram ir ao encontro das necessidades dos nossos empresários em termos de simplicidade. Mas mesmo nessas, tivemos de os ajudar.
As medidas deviam ter um grau de complexidade adaptado ao tecido empresarial que temos. Ficaram pelo caminho muitas empresas que podiam ter tido apoio e não tiveram porque nem a AHRESP conseguiu apoiar todas.
Para 2023, quais são as perspetivas para a Hotelaria e a Restauração? Porque também já vimos que estes dois setores representados pela AHRESP são completamente diferentes. Teme alguma retração, que o menor rendimento disponível dos portugueses não chegue para o lazer?
Continua a ser um ano de muitas incertezas e desafios. O INE já nos começa a dar indicadores de alguma retração no consumo interno e tememos que, de facto, se acentue porque parece-nos que a situação das famílias se poderá agravar ainda mais. A inflação continua a não parar e, sobretudo, a alimentar; as taxas de juro continuam a subir e tudo isto tem impacto no seio familiar.
Dizer o que vai acontecer, não sabemos. Mas temos consciência que o mercado interno é muito importante para o setor e, portanto, estamos apreensivos e muito cautelosos. É por isso que a AHRESP tem dito que não podemos deixar de olhar para estes setores e tomar as medidas preventivas e não reativas.
Que medidas seriam essas?
Tem de se robustecer estas empresas com apoios à capitalização.
Há verbas do PRR para recapitalização das empresas.
E onde é que estão? Esses apoios já chegaram às empresas? Estamos a falar de um tecido empresarial muito micro que precisa que o dinheiro lhe chegue.
Eu dei alguns exemplos de apoios importantíssimos, mas estamos a falar de financiamento, de endividamento sem juros.
Ou seja, depois e pagar a dívida, é preciso dinheiro para prosseguir.
Exatamente. Que não fique a ideia de que não são medidas importantíssimas, mas não estamos a robustecer as empresas. E há outras matérias que também contribuem para que tal aconteça.
Se não trouxermos imigrantes, não vamos resolver a falta de trabalhadores
Por exemplo, a fiscalidade?
Há aqui uma questão que é absolutamente crítica, agora e para os próximos anos, e que tem de ser trabalhada em diversos ângulos: os trabalhadores. Somos um país envelhecido, portanto temos um problema demográfico.
Durante a pandemia, muitos dos nossos trabalhadores migraram para outros setores e agora não querem voltar porque descobriram que não têm de trabalhar sábados e domingos e à noite. É um mundo novo que se abriu.
E por último, temos as questões da remuneração. As empresas já perceberam que têm, necessariamente, de pagar mais. Mais, porque não têm trabalhadores e, portanto, o mercado está a funcionar; pagar mais, por força de um Acordo de Rendimentos assinado pelas três confederações em que a AHRESP é filiada [Confederação do Turismo, Confederação do Comércio e Serviços e CIP] e portanto, apoiamos esta iniciativa, que só fortalece a Concertação Social.
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