O motor da maior economia europeia – a Alemanha – está gripado. O país enfrenta uma crise industrial e, em simultâneo, uma crise política. Uma recessão pode estar aí ao virar do trimestre, com impactos ao nível da Zona Euro, e é muito provável que as exportações portuguesas se venham a ressentir.
Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal, esteve recentemente no país para uma feira do setor automóvel e conta à Renascença ter sentido “um arrefecimento”. “Há sinais que vamos percecionando. Provavelmente no primeiro trimestre do próximo ano, poder-se-á assistir a algum impacto para as nossas empresas”, diz.
Para Pedro Cunha Neves, economista e docente na Faculdade de Economia do Porto, a crise alemã advém de “uma mistura” de fatores de natureza conjuntural e estrutural, mas dá “maior relevância” aos segundos.
A economia germânica tem uma “base industrial muito forte”, o que sempre a fez uma grande consumidora de energia. Ora, até setembro de 2022, “a Alemanha usava boa parte da sua energia vinda da Rússia”, “gás russo barato”. Mas com o encerramento dos gasodutos Nord Stream e Yamal, o cenário mudou.
“Desde há dois anos a esta parte, com as sanções que foram impostas à Rússia, a Alemanha deixou de usar o gás russo. E isso teve impactos grandes em termos de aumento de custos em várias indústrias”, lembra o economista.
Pedro Cunha Neves recorda também que, nos últimos anos, houve um “aumento do protecionismo ao nível global”. “Sendo a Alemanha uma economia fortemente exportadora, logicamente acaba por se ressentir disso. Provavelmente, alguns dos seus maiores e melhores mercados tradicionais estão a restringir as suas importações, por medidas protecionistas.”
O caso do setor automóvel, um dos velhos “motores da economia alemã”, é representativo.
Com a China a prosperar na produção de veículos elétricos a preços competitivos e a União Europeia a fazer planos de banir a produção de carros a combustão interna em 2035, a conjuntura para a Alemanha não é favorável. Os produtores “terão que virar agulhas”.
BCE chamado à receção?
Uma recessão na Alemanha terá, é quase certo, impactos ao nível da Zona Euro. “Os países que exportam para a Alemanha verão uma redução na sua procura externa, com impactos negativos no PIB”, explica Pedro Cunha Neves. “Tão mais grave quão mais dependente o país for das exportações alemãs.”
O docente na Faculdade de Economia do Porto antevê mesmo possíveis efeitos no Orçamento Comunitário da União Europeia e na estratégia política adotada pelo Banco Central Europeu (BCE).
“Se a economia alemã está em recessão ou está em estagnação, e se isso tiver consequências negativas para os outros países da Zona Euro, o BCE poderá – não quer dizer que o faça – adotar uma política monetária mais expansionista”, que se traduza em reduções das taxas de juro – se a inflação estiver “minimamente controlada”.
E Portugal?
A Alemanha foi o 3.º cliente das exportações portuguesas de bens em 2023, e é possível ainda que ainda ultrapasse a França e tome o 2.º lugar este ano. Até setembro, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as exportações nacionais de bens para a Alemanha aumentaram 18,8% face ao ano passado, em termos nominais.
Estes números podem, todavia, ser enganadores. Dado muitas empresas portuguesas trabalharem no setor dos componentes para automóveis, é provável que uma recessão na Alemanha tenha, no curto prazo, impactos financeiros. Poderá ainda ser registada alguma “contração ao nível do turismo”, aponta Pedro Cunha Neves. “Como sabemos, a atividade turística pesa bastante no nosso PIB”, recorda.
Em 2023, mais de 1,6 milhões de turistas alemães visitaram Portugal, um crescimento de 13,4% face ao ano anterior. A Alemanha é o terceiro maior mercado emissor de turistas a nível mundial.
No entender do presidente da Associação Empresarial de Portugal, a situação alemã “deve preocupar bastante” os portugueses.
A Comissão Europeia, nas previsões de outono, prevê uma “fraca procura interna e externa por bens da indústria transformadora”, relativamente à Alemanha. E também “um baixo investimento em equipamento”.
“É importante nós percebamos que as projeções apontam ainda para um agravamento daquilo que é a situação atual”, diz Luís Miguel Ribeiro.
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