//Algo vai mal na banca portuguesa

Algo vai mal na banca portuguesa

Algo vai mal na banca portuguesa em termos de política de remuneração de depósitos.

As taxas de juro têm subido significativamente nos últimos seis meses, os juros do crédito à habitação e ao consumo também subiram, aumentando os custos das famílias, mas a taxa de remuneração dos depósitos praticamente não se mexeu, ao contrário do que está a acontecer nos outros países da Zona Euro. O que se está a passar e o que deve fazer o cidadão que tem poupanças?

Para se perceber o que se está a passar com as taxas de remuneração de depósitos da banca vamos aos conceitos base e números mais recentes.

A taxa de juro é o valor do dinheiro no tempo. Uma taxa de juro de 2% a 1 ano significa que se eu ceder o meu dinheiro durante um ano (adiando assim possibilidades de consumo e investimento) recebo um valor de 2 euros por cada 100 euros.

Desde logo, vemos como é anormal o regime de taxas de juro negativas que vivemos nos anos mais recentes, em que efetivamente ter dinheiro amanhã era melhor que ter dinheiro hoje, o que não fazia sentido nenhum. Termos vivido nesta situação durante vários anos só mostra quão desequilibrada estava a política monetária dos bancos centrais, criando demasiada liquidez na economia, o que despoletou inflação.

A inflação é, essencialmente, uma subida generalizada do nível de preços, a qual sinaliza uma perda generalizada do valor do dinheiro. Em suma, quando há dinheiro a mais a circular ele passa a valer menos, e o que estamos agora a assistir com a subida das taxas de juro é apenas uma normalização das condições económicas.

A taxa de juro de referência de mercado do Euro é a Euribor que, basicamente, significa a taxa a que, em média, os bancos estão dispostos a emprestar euros uns aos outros durante um certo prazo.

Mas o mercado do euro não é um mercado livre, mas sim regulado pelo Banco Central Europeu (BCE) que estabelece, a cada seis semanas, as taxas diretoras a que empresta dinheiro aos bancos (taxa de refinanciamento) e que aceita receber o dinheiro extra dos bancos (taxa de depósito).

Ora, estas taxas efetivamente estabelecem balizas para a Euribor – um banco normalmente não vai emprestar a outros dinheiro a um valor inferior à taxa a que pode depositar esse dinheiro no BCE nem pedir emprestado a um valor superior à taxa que pode ir buscar dinheiro ao BCE.

Previsivelmente, com uma taxa atual do BCE de 2% para depósitos e 2,5% para refinanciamento, e uma tendência de subida, a Euribor a três meses está nos 2,18%, a seis meses a 2,78% e a 12 meses a 3,30%, sendo estas as taxas mais usadas nos créditos à habitação, tendo subido cerca de 3% nos últimos seis meses.

Certificados de aforro. A melhor opção de poupança neste Natal?

Ora, o que está a acontecer em Portugal é que apesar da subida de quase 3% dos juros dos créditos à habitação e de taxas médias de crédito ao consumo a rondar os 8%, os novos depósito a prazo dos particulares na banca recebem em média apenas 0,31%, quando na Europa a taxa de juro já ascende em média a 1,12% (dados de novembro, divulgados esta semana).

A diferença de taxas entre Portugal e a média da Zona Euro, que tradicionalmente é de 0,15%, agora é de 0,8%. Isto pode não parecer muito, mas, se considerarmos o volume de depósitos de particulares de 187 mil milhões de euros na banca portuguesa, uma diferença de 0,8% na taxa média de remuneração são menos 1.500 milhões de euros por ano nos bolsos dos portugueses.

Isto é um sinal que o mercado bancário em Portugal não está a ser suficientemente competitivo. Qualquer banco podia subir as suas taxas até mais de 1% para atrair mais depósitos e colocar essa liquidez a 2% no BCE. Mas nenhum grande banco em Portugal o faz. Em vários outros países, como a Holanda, a remuneração média dos depósitos já está perto dos 1,5%. Ou seja, os bancos em Portugal não estão a remunerar os depósitos de forma justa em relação às condições de mercado, em particular num contexto em que as poupanças dos seus clientes estão a perder valor face a uma inflação que ronda os 10%.

Felizmente, os portugueses têm uma opção. O único produto garantido que tem um rendimento que se ajusta automaticamente à Euribor são os Certificados de Aforro (CA) do Estado, emitidos pelo IGCP e referenciados à Euribor 3 meses + 1%.

Depois de largos anos com taxas abaixo de 1%, a remuneração dos CA começou a subir nos últimos quatro meses e ascende já a 3,1% ao ano, pagos trimestralmente, e com tendência de subida até aos 3,5%.

Os portugueses começaram há três meses um processo de transferir as suas poupanças dos bancos para os CA, o que é racional face aos baixos juros dos depósitos. Só em novembro as subscrições líquidas de CA foram de 1.689 milhões de euros, comparando com um valor residual seis meses antes. Parece-me que este processo de transferência se vai acelerar. Entretanto, o IGCP está autorizado pelo Ministério da Finanças a emitir um máximo de 4.500 milhões líquidos em certificados em 2023, mas penso que já em abril vai necessitar de rever em alta essa autorização.

De certa forma, esta é uma oportunidade para Portugal ter uma parte mais substancial da sua dívida pública financiada diretamente pelos portugueses. Assim, os juros da dívida, que são um custo para o Estado, tornam-se rendimentos para os portugueses (e sobre os quais pagam imediatamente 28% de imposto ao Estado).

Por exemplo, se os portugueses transferirem 20% dos seus depósitos na banca para Certificados de Aforro (o que triplicaria o stock de certificados), isto representa por ano um ganho de rendimento de 1.000 milhões de euros para os portugueses, ou seja 0,5% do PIB. Não estamos a falar de trocos mas sim do valor significativo das poupanças dos portugueses.

Aconselho aos leitores darem voto negativo à avarenta política de remuneração de depósitos da banca e colocarem as suas poupanças em certificados de aforro para minorar a perda de valor causada pela inflação. (E, para que saibam, estou a aconselhar apenas algo que eu já fiz com as minhas poupanças).


*Filipe Santos, professor de Inovação Social e diretor da Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

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