Partilhareste artigo
A almofada financeira do Estado, um instrumento imposto pela troika (durante o programa de ajustamento que começou em 2011) para garantir liquidez e segurança às contas públicas (aos pagamentos aos credores, por assim dizer) em caso de dificuldades de mercado, deverá ter um reforço muito significativo no próximo ano, de cerca de 30% face a 2023, segundo números oficiais.
Relacionados
A meta das Finanças é subir o valor da referida almofada (no fundo, os depósitos do Estado) para 7,7 mil milhões de euros (face aos 6 mil milhões estimados para o final deste ano), naquele que será o maior aumento da rubrica desde a pandemia, indicam as séries coligidas a partir dos números da agência que gere a dívida pública portuguesa (IGCP).
Tirando esse ano de 2020, que foi de exceção, o aumento agora previsto pelas Finanças, no âmbito do Orçamento do Estado de 2024 (OE 2024), será o maior dos últimos oito anos, sendo preciso recuar a 2016 para encontrar um superior (mais 55%). A informação consta da primeira apresentação feita pelo IGCP aos investidores, refletindo já a nova proposta de OE, cuja discussão na generalidade se inicia hoje na Assembleia da República.
A aposta na estratégia dos chamados “cofres cheios”, como lhe chamou a antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, acontece devido ao aumento pronunciado da incerteza quanto ao que vai ser o ano de 2024 devido a riscos crescentes e graves do ponto de vista geopolítico (duas guerras em curso à porta da Europa, uma na Ucrânia, outra em Gaza e Israel) e à implacável subida das taxas de juro.
Subscrever newsletter
Ora, em 2016, tinha o País acabado de sair do programa de ajustamento e de resgate da troika (acabara em meados de 2014), os cofres começaram a ser preenchidos com fundos mais baratos, até para pagar outros muito mais caros, como dívidas herdadas do tempo anterior ao programa, altura em que a República se endividou brutalmente e a preços que, viu-se depois, eram incomportáveis.
Nesse ano de 2016, o primeiro completo do PS de António Costa (com Mário Centeno nas Finanças), a almofada aumentou para 10,2 mil milhões de euros.
Era o Tesouro a aproveitar a nova janela dos juros mais baixos e descendentes. Nesse ano, tudo ponderado, a taxa de juro da nova dívida emitida pelo Estado rondou 2,8%, muito abaixo dos 4,5% de 2010 ou 5,8% de 2011.
Mais tarde, em 2020, em plena pandemia, com o Banco Central Europeu (BCE) a injetar dinheiro ultra barato (quase a custo zero) na Zona Euro, e confrontado com fortes necessidades de financiar as medidas de combate à pandemia covid-19, o governo foi aos mercados e decidiu guardar parte dessa dívida por motivos de precaução e liquidez.
No final de 2020, a almofada valia uns impressionantes 17 mil milhões de euros.
Foi possível “encher o cofre” com recurso a fundos historicamente baratos. Só para se ter uma ideia, nesse ano, a República endividou-se (nova dívida apenas) a uma taxa de juro média ponderada de apenas 0,5%, o valor mais reduzido desde que existe o euro, pelo menos. Atualmente, não há pandemia e a situação orçamental do País é um pouco diferente.
É certo que o peso da dívida ainda é dos mais elevados da Europa, mas está a cair, e este ano, o governo deve entregar um excedente na ordem dos 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB), o maior da História democrática. Para o ano, o ministro das Finanças, Fernando Medina, planeia repetir a dose excedentária com um saldo de 0,2%.
Para proteger este tipo de resultados, muito ao gosto de Bruxelas, do BCE, dos grandes credores e das agências de rating, o governo quer reforçar bem a almofada de liquidez, agora num quadro de incerteza galopante.
Um alerta laranja chamado incerteza
Agora não há pandemia, mas há inflação alta e latente por causa das guerras. E juros elevados em conformidade.
No congresso anual da Ordem dos Economistas, que decorreu na semana passada, Fernando Medina salientou que as condicionantes externas usadas para suportar a proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano dependem de “fatores que não se controlam” e que “muito influenciarão 2024 e as escolhas políticas”, disse o ministro, citado pela Lusa.
Fatores como “a elevada incerteza geopolítica, adensada nas últimas semanas pelo conflito do Médio Oriente”, apontou Medina.
“A única certeza ao dia de hoje é que não sabemos se o caminho será de contenção do conflito ou, pelo contrário, o seu alastramento à região”, disse ainda o governante sobre a guerra em Gaza e Israel.
Esta tónica numa nova vaga de incerteza, que no limite pode até trazer mais inflação e um prolongamento dos juros muito elevados por mais tempo do que se pensa, também foi vocalizada na semana passada por Christine Lagarde, a presidente do BCE.
“Mantivemos taxas, mas não significa que não as voltemos a subir”
Na quinta-feira passada, as taxas de juro do BCE pararam finalmente de subir, após um aperto histórico e violento, que durou mais de um ano, estando agora nos valores mais altos desde que existe a Zona Euro.
No entanto, há uma nova e “imprevisível” ameaça que baralha este plano: a escalada da guerra na Faixa de Gaza e em Israel pode produzir mais inflação, por exemplo.
Este novo quadro pode fazer descarrilar, de novo, os preços da energia e trazer de volta a urgência em apertar ainda mais os juros ou, pelo menos, manter o grilhão como está durante mais tempo.
“Estamos a acompanhar a situação, estamos muito atentos às consequências económicas que isso poderá ter em termos de impacto direto ou indireto nos preços da energia, mas também no nível de confiança dos agentes económicos”, alertou Lagarde.
“O facto de termos mantido as taxas de juro não significa que não as voltemos a subir. Não vou dizer se estamos no pico. Depende dos dados [que o BCE vier a receber]”, atirou a banqueira central. Por isso, continuou, “é totalmente prematuro” começarmos agora a falar em cortes de juros.
Deixe um comentário