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As amortizações antecipadas dos empréstimos destinados à compra de habitação própria e permanente totalizaram 6,37 mil milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, um valor que supera em 64% – ou quatro mil milhões, em termos absolutos – os 2,29 mil milhões de euros registados em igual período do ano passado, informou o Banco de Portugal (BdP) ao Dinheiro Vivo.
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Daquele montante, que não considera a totalidade da carteira de crédito à habitação em Portugal, uma vez que exclui, por exemplo, o financiamento para aquisição de uma segunda casa, 2,6 mil milhões de euros dizem respeito a reembolsos (totais ou parciais) efetuados entre janeiro e março, o trimestre em que se registou um maior volume de abatimento de dívida ao banco.
Natália Nunes, coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco, explica que amortizar o crédito à habitação antes da data final do contrato é uma solução que permite, desde logo, reduzir a prestação a pagar ao banco. Ao fazê-lo, os consumidores não só estarão a descontar no valor do capital em dívida, como também nos juros associados ao empréstimo. Não obstante, alerta, “se a única poupança existente for a do fundo de emergência, não é aconselhado utilizá-la” para este efeito.
Para que se tenha uma ideia do impacto, um cliente que tenha celebrado em novembro de 2008 um contrato de crédito no valor de 150 mil euros, indexado à Euribor a 12 meses, com um prazo de 30 anos e um spread de 1%, paga atualmente uma mensalidade de 690,98 euros. Caso este consumidor decida amortizar antecipadamente 20 mil euros, a sua prestação passará a ser de 531,15 euros, já a partir do próximo mês, o que representa uma redução de 159,83 euros (-23%).
A simulação realizada pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor revela ainda que tal processo reflete-se noutras rubricas, nomeadamente no Montante Total Imputado ao Consumidor (MTIC), cujo cálculo é feito com base no montante total do crédito, somando todos os seus encargos, entre os quais juros, comissões, impostos e outras despesas bancárias.
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Ora, se anteriormente os juros daquele empréstimo cifravam-se em 37 912,63 euros, após o reembolso de 20 mil euros, o cliente terá a pagar 29 143,11 euros, isto é, menos 8769,52 euros. Já o custo total do crédito diminuirá de 124 377,17 euros para 95 607,65 euros, um decréscimo de 28 769,52 euros. “Acresce que, ao reduzir o capital em dívida, vai também diminuir o valor do seguro de vida que esteja associado ao crédito. Logo, o prémio do seguro poderá também ter uma redução”, destaca a responsável.
Com 90% do stock de empréstimos hipotecários a possuírem, pelo menos, uma componente variável, isto é, indexada à Euribor, segundo os dados do supervisor, várias famílias viram o seu orçamento asfixiar por conta da subida das taxas de juro, levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) desde julho do ano passado. De acordo com a Deco, mais de 20 mil famílias já procuraram os seus serviços para obter orientação e ajuda a encontrar soluções para mitigar os efeitos do aumento do custo de vida, sobretudo no crédito à habitação.
Enquanto uns “pretendem conhecer os apoios e medidas que têm sido criadas para minimizar o impacto da subida do custo de vida, e como podem ter acesso aos mesmos”, outros “estão a antecipar dificuldades no cumprimento das suas responsabilidades e pretendem orientação sobre o que podem fazer para evitar o incumprimento”. Há ainda quem procure ajuda “para renegociar as suas responsabilidades, em especial as de crédito”, faz saber Natália Nunes.
E entre os incentivos disponíveis, encontra-se o decreto-lei n.º 80-A/2022, em vigor desde o final de novembro do ano passado, que permite saldar antecipadamente o crédito à habitação, com um capital em dívida igual ou inferior a 300 mil euros, sem quaisquer impostos ou comissões, ao estabelecer a isenção da comissão de 0,5% e do imposto de selo, habitualmente cobrados neste processo.
Uma alteração ao regime de resgate de planos poupança, alargada até 2024, veio possibilitar também o levantamento do Plano Poupança Reforma (PPR) sem penalizações, até a um limite de 12 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), isto é, 5762,76 euros, para reembolso do empréstimo da casa.
Ambas as medidas destinam-se a empréstimos indexados a uma taxa variável, contraídos para compra ou construção de habitação própria e permanente.
Consumidas por taxas de juro sufocantes e incentivados por medidas destinadas a mitigar as suas consequências, as famílias passaram a encarar as suas poupanças como uma via de alívio da prestação da casa. Isto levou a que, juntamente com a aposta nos Certificados de Aforro, o stock de depósitos de particulares se reduzisse mais de 7,78 mil milhões de euros desde janeiro de 2023, totalizando no final dos nove primeiros meses 174,6 mil milhões, um montante também inferior ao do período homólogo.
Na apresentação dos últimos resultados trimestrais, os cinco maiores bancos a operar no país (BPI, Caixa Geral de Depósitos, Millennium Bcp, Novo Banco e Santander) continuaram a reportar o aumento das amortizações antecipadas e o uso dos depósitos para tal.
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