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A partir de 2035 não será permitido comercializar carros a combustão na União Europeia. Uma medida que põe um prazo de validade aos biocombustíveis, mas não para já, garante a secretária-geral da Associação de Bionergia Avançada (ABA), em entrevista ao Dinheiro Vivo. Ana Calhôa revela ainda que vê com bons olhos a recente transposição da diretiva europeia das energias renováveis, que aumentou a incorporação de biocombustíveis, e acredita que Portugal pode ter uma palavra a dizer no desenvolvimento do setor.
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Têm defendido um aumento da incorporação de biocombustíveis de 11% para 13 a 14% acompanhando a recomendação da União Europeia. Porque acha que o último Orçamento do Estado (OE) não só não aumentou estes valores como nem sequer prorrogou a anterior obrigação? Os biocombustíveis continuam a ser o parente pobre das renováveis, como o setor tem criticado?
Acreditamos que o OE não contemplou essa recomendação pois como podemos compreender estava prevista a publicação da transposição da diretiva europeia das Energias Renováveis (REDII), onde se integra a subida das metas para o próximo ano. […] Atualmente, temos uma meta mínima de 11,5% de energia renovável nos transportes, onde 0,7% corresponde a uma quota mínima de incorporação de biocombustíveis avançados. […] . É certo que outras energias renováveis têm dominado o discurso público até aqui, mas fontes como biocombustíveis verdes e avançados já estão a ganhar terreno, merecido, e vemos surgir novos projetos neste setor. É importante recordar que, na última década, os biocombustíveis têm sido a fonte renovável que mais contribui para a descarbonização dos transportes (atualmente, cerca de 98%), e acredito que irá continuar a sê-lo no futuro.
Entre 2020 e 2021 houve um decréscimo da produção de biocombustíveis na ordem dos 10% em Portugal, isto apesar de estar em vigor a obrigação da meta de 11% de biocombustíveis na gasolina e no gasóleo. Como se explica esta tendência?
De 2020 para 2021 houve um decréscimo pouco significativo da produção de biocombustíveis em Portugal, onde cerca de 2% corresponde à produção de FAME [biodiesel convencional] e os restantes à produção de HVO [diesel renovável], salvaguardando que a produção de HVO em Portugal é pouco expressiva. Mas este ligeiro decréscimo nunca colocou em causa o cumprimento das metas estabelecidas para Portugal, pois as mesmas foram cumpridas em 2021, tal como em todos os anos anteriores. Mas devo realçar que as estimativas para a produção nacional de biocombustíveis em 2022 é de um crescimento de cerca de 9% de FAME e a produção de HVO mantém-se igual em comparação com o ano anterior. Este ligeiro decréscimo acabou por ser compensado com a importação.
Portugal não tem meios suficientes por isso tem de recorrer à importação?
O nosso país tem um grande potencial para elevar o setor dos biocombustíveis. A capacidade de produção a nível nacional está bastante desenvolvida, sendo que, neste momento, exploramos cerca de 40% desse total. […] É preciso prestar maior apoio aos produtores, legislar os processos de recolha para melhorar também a eficiência e qualidade do produto. Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para informar a população e esclarecer os consumidores para estas alternativas, enquanto prestamos apoio e o poder decisor tem um papel crucial para acelerar esta transição, que considero que só será possível com a ajuda de todas as soluções verdadeiramente sustentáveis.
Essas situações explicam o aumento em quase 400% da importação de biocombustíveis?
Este aumento das importações foi essencialmente ao nível de HVO, que ainda não tem uma produção significativa em Portugal. Tendencialmente, a produção deste HVO importado é feita a partir de matérias-primas avançadas, o que significa que estamos a contribuir para a valorização dos resíduos e a utilizá-los rumo à sustentabilidade da mobilidade. Ao mesmo tempo, estas importações ajudaram para o cumprimento das metas em conjunto com a produção nacional, que é substancialmente mais elevada.
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Com o ano quase a terminar, pode antecipar qual tem sido a evolução da produção e importação de biocombustíveis?
As nossas estimativas dizem que vamos continuar a crescer na produção e importação de biocombustíveis, com um acréscimo de cerca de 10% sobre os resultados de 2021.
Portugal tem ou pode vir a ter condições para exportar biocombustíveis?
Atualmente, Portugal já exporta biocombustíveis e dada a grande capacidade de produção que ainda podemos explorar, assim como novos projetos em desenvolvimento, acreditamos que em breve podemos exportar mais produto acabado de biocombustível e outros combustíveis verdes. Neste momento, Portugal absorve praticamente tudo o que produz.
O número de produtores de biocombustíveis em Portugal tem aumentado? Qual tem sido a evolução?
Hoje contamos com 11 produtores em Portugal e existem novas fábricas anunciadas e novos projetos em desenvolvimento, de norte a sul do país. Pelo potencial que existe e a contínua aposta na bioenergia avançada, acreditamos que Portugal pode ser ainda mais competitivo no setor dos combustíveis verdes, podendo continuar a promover a bioenergia avançada.
No que toca às matérias-primas, os óleos alimentares usados continuam a representar mais de metade da produção. Tendo em conta que União Europeia quer ver reduzidos ao máximo os biocombustíveis de primeira geração, ou convencionais, os biocombustíveis através de resíduos e os sintéticos não deveriam ter um maior peso já?
Os óleos alimentares usados são um resíduo, enquadrando-se na categoria de biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, e não convencionais. Devemos continuar a apostar no desenvolvimento dos biocombustíveis a partir de resíduos, pelos vários benefícios ambientais e promoção da economia circular nacional. Foi um caminho difícil, conseguirmos chegar a estes níveis de produção, onde estimamos que no final deste ano, cerca de 84% é produção a partir de matérias-primas residuais e 16% vão corresponder a matérias-primas avançadas. O processo de transição está a acontecer e há muitos fatores a ter em conta nesta mudança. Por um lado, é preciso criar e modificar as infraestruturas para produção de biocombustíveis avançados, assim como devemos procurar otimizar o processo de recolha de matérias-primas para biocombustíveis avançados. Por outro, é necessário melhorar a disponibilização destas alternativas ao consumidor nos postos de abastecimento de forma generalizada, oferecendo mais opções e poder de escolha ao público. Ao mesmo tempo, há um trabalho de informação sobre biocombustíveis que tem de ser aprofundado e completo junto dos consumidores, contribuindo para a sua confiança nesta alternativa.
Ainda há produção de biocombustíveis a partir de óleo de palma em Portugal? Tinham apenas um operador a usar e o objetivo era que deixasse de ser utilizado em 2022. Já foi cumprido? E, já agora, quem é esse operador?
A produção a partir de oleína de palma representa apenas 1% no total das matérias-primas utilizadas para a produção de biocombustíveis. É um valor bastante residual e Portugal encontra-se a fazer o phase out de matérias-primas que utilizam óleo de palma. Acredito que muito em breve este valor passe a ser 0% e aí Portugal passa a ser livre de Palma, que é o que todos desejamos.
Recentemente foi aprovado o fim da comercialização de veículos a combustão na Europa a partir de 2035, data a partir da qual só poderão ser vendidos carros elétricos. É a crónica de uma morte anunciada? Que futuro terão os biocombustíveis?
Até esse momento, os biocombustíveis vão continuar a ter um papel preponderante durante este momento de transição energética. No cenário atual, os biocombustíveis continuam a assumir-se como uma solução imediata, acessível e eficaz para reduzir de forma significativa o consumo de combustíveis fósseis e poluentes, contribuindo para descarbonizar a mobilidade. Além disso, os biocombustíveis são também utilizados e essenciais para a descarbonização de diferentes meios de transporte, como navios e aviões, onde será desafiante transformar a fonte de energia que os move por questões de capacidade e de logística a que outras alternativas aos e-fuels obrigam. Também não podemos ignorar que esta proibição é apenas à venda de novos carros a combustão, pois sabemos que o nosso parque automóvel está bastante envelhecido e ainda vai demorar muitos anos até ser totalmente substituído. Por todas estas razões, não consideramos que esta nova medida ponha em causa a continuidade do futuro dos biocombustíveis, pois eles irão continuar a ser essenciais quer a nível ambiental, quer a nível económico, pois é fundamental fazer uma transição energética equilibrada.
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