“Todos falharam, não por falta de competência mas porque não quiseram ver”. A acusação é de Ana Gomes, no programa Grande Entrevista da RTP3, em que falou de uma “total conivência” das autoridades institucionais e reguladoras portuguesas no caso Isabel dos Santos. “Desde 2015 que tenho confrontado as autoridades, não podiam alegar desconhecimento”, garantiu a ex-deputada, sublinhando que “não houve ação nenhuma”.
Para Ana Gomes, as autoridades portuguesas foram “coniventes”, o que leva a ex-eurodeputada a exigir que uma responsabilização criminal e política. “É essencial responsabilizar alguém para que não pensem que são todos iguais”, salientou, considerando que “Portugal não pode ser vendido como um caso de sucesso se não olharmos para a origem do dinheiro”.
Numa entrevista que durou 50 minutos, a militante socialista não poupou ninguém. Banco de Portugal, CMVM, empresas de consultoria, escritórios de advogados, governantes e ex-governantes, “ninguém quis saber de onde vinha o dinheiro”, acusa. E o que se passou com a “cleptocracia angolana” e que, segundo Ana Gomes, começou muito antes de Isabel dos Santos, com o seu pai, “está agora a passar-se com a cleptocracia chinesa”.
Demissão de Teixeira dos Santos
Sobre o Eurobic, banco presidido por Teixeira dos Santos e onde Isabel dos Santos dispõe de 42% do capital, que estarão já à venda, a ex-eurodeputada lamenta que o Banco de Portugal nada tenha feito, apesar de dispor de um relatório de 2015, diz, provando ser este uma “fachada de uma rede de lavagem de dinheiro da droga”. “O Banco de Portugal se quisesse tem competências hoje para demitir o dr Teixeira dos Santos. Alguém tem que ter a responsabilidade”, frisou. E deve fazê-lo, questionou o jornalista? “Acho que sim, não haver nunca nenhuma responsável é o que justamente põe o povo a dizer que estão todos feitos. E infelizmente estão”, defende.
Para Ana Gomes, Isabel dos Santos é responsável por “roubo organizado ao povo angolano”. A ex-eurodeputada admite que as autoridades angolanas possam vir a optar pela nacionalização dos interesses da empresária e considera que Portugal tem que cooperar. “As autoridades portuguesas têm que cooperar a todos os níveis com as autoridades angolanas seriamente, incluindo se houver uma decisão de nacionalização. Para as empresas portuguesas, desde a Efacec, à NOS, à Galp, etc, é muito melhor que a participações passem para a titularidade do Estado angolano do que ficarem na titularidade tóxica destas personalidades”, defende.
E se nos anteriores escândalos denunciados pelo consórcio internacional de jornalistas, como os Panama Papers ou o Futebol Leaks, Portugal continuou sem agir, no caso do Luanda Leaks, Ana Gomes acredita que algo terá de ser feito, até porque o país “está a ser exposto ao mundo todo como uma lavandaria”.
Sobre Rui Pinto, o hacker português envolvido na denúncia dos esquemas no mundo do futebol, Ana Gomes fala num “enviesamento”, num “encarniçamento” das autoridades portuguesas contra Rui Pinto, que “não estão a investigar os criminosos que ele expos”. Crimes fiscais e outros, que em Espanha permitiram recuperar milhões de euros de fuga ao fisco, lembra.
Para Ana Gomes, a tentativa de extorsão de que Rui Pinto é acusado é “o único crime que lhe é imputado que justifica a prisão preventiva”, no entanto questiona: “Quantas pessoas acusadas de tentativa de extorsão estiveram ou estão em prisão preventiva neste país? Rui Pinto já vai quase com um ano de prisão por esse crime. Ninguém lá fora entende que Portugal, independentemente de julgar esse crime que é imputado a Rui Pinto, desconheça, desconsidere e não investigue a criminalidade organizada que ele expos através do Futebol Leaks e que está muito para além do futebol”, frisa.
Candidata presidencial? António Costa não deixaria
Francisco Assis veio esta quarta-feira defender uma candidatura de Ana Gomes à Presidência da República, mas ex-eurodeputada socialista garante que prefere continuar a combater a corrupção, o que a levou mesmo a suspender as funções diplomáticas, estando a gozar uma licença sem vencimento no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“Este combate tem que se travar cá fora. A corrupção está de tal maneira espalhada e há forças negras que cavalgam justamente a insatisfação dos cidadãos com a corrupção… Eu acho que é mais importante ter hoje a liberdade de dizer o que digo, não me quero ver constrangida por qualquer cargo político”, argumentou. E apesar de acreditar que Marcelo Rebelo de Sousa se irá recandidatar e vencer as próximas eleições presidenciais, Ana Gomes defende que o Partido Socialista tem de apresentar um candidato próprio, à esquerda.
“Eu acho que o PS tem que ter um candidato próprio. Não pode não ter candidato ou, ainda pior, ter mais do que um como aconteceu nas últimas eleições. Há muitas pessoas que o podem ser, não estou disponível para me coartar da liberdade essencial para a minha intervenção cívica”, garantiu. E perante a insistência do entrevistado num possível apelo à sua candidatura, foi perentória: “Essa é uma questão que o próprio PS terá de analisar, mas não se incomode com isso porque o primeiro-ministro, António Costa, jamais o permitirá”.
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