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O comportamento da inflação está a provocar divisões entre economistas e analistas, com uns a considerarem que uma alta dos preços pode ter vindo para ficar e outros de que será transitória à medida que desapareçam os desequilíbrios que a sustem.
Os elevados preços de matérias-primas e de alguns bens duradouros (como carros e eletrodomésticos), à medida que o mundo recupera da crise pandémica, tem colocado a inflação no radar de economistas e analistas, que de momento se dividem sobre se este fenómeno é transitório – até porque as comparações com 2020 fazem com que inflação pareça maior, já que no ano passado assistiu-se a uma queda acentuada dos preços devido à crise pandémica – ou se inicia um período em que a inflação alta vai persistir.
O Índice de Preços no Consumidor (IPC), que mede a inflação, subiu nos Estados Unidos para 5,4% em junho, um valor recorde em 13 anos e bem acima das expectativas, e no Reino Unido aumentou para 2,5%, face ao mesmo mês de 2020. Na zona euro a inflação foi mais modesta, de 1,9% em junho (abaixo dos 2% de maio), mas poderá ainda subir uma vez que a recuperação económica segue mais tardia na Europa.
A contribuir para a inflação estão vários fatores, como a procura de bens (por exemplo carros), os problemas nas cadeias de abastecimento global, assim como o regresso dos consumidores a serviços, como restaurantes, cabeleireiros ou hotéis, que não estavam preparados para o nível de procura a que se está a assistir, e à falta de trabalhadores.
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O analista sénior da ActivTrades Ricardo Evangelista considera que há argumentos válidos dos dois lados.
Os que defendem que o fenómeno é transitório consideram que a atual subida depende, sobretudo, de problemas temporários nas cadeias de distribuição globais, da disrupção da economia motivada pela crise pandémica e do aumento de consumo devido ao fim dos confinamentos e que a tendência dos preços será de acalmar. Além disso, a suportar o aumento estão, essencialmente, matérias-primas, caso das agrícolas até combinação invulgar de problemas logísticos e de meteorologia que prejudica colheitas (como trigo, açúcar, café), mas cujos preços terão tendência a normalizar.
Já os que falam num fenómeno persistente apontam fatores como o travão na globalização como a conhecemos (que contribuiu para preços baixos com a produção em países com salários e custos de produção baixos, sobretudo China, e haver agora repatriamento de cadeias de produção para países mais ricos do ocidente) e a subida dos preços da energia, sobretudo petróleo, devido a menor capacidade de produção (com a queda do preço no auge da crise pandémica muitos investimentos foram interrompidos) e maior procura e demora a regressar a alguma normalidade.
Além disso, perante o endividamento elevado dos países, uma das formas mais eficazes de reduzir a dívida é a desvalorização da moeda por meio da inflação, pelo que pode haver interesse de governos e bancos centrais em manter os atuais níveis de estímulo económico e monetário.
Também os custos laborais podem ter aqui um papel, sobretudo nos Estados Unidos, onde é mais notória a dificuldade de recrutamento e há muita população a reformar-se, pondo em causa a disponibilidade de mão de obra, logo, aumentando salários.
“Eu estaria mais inclinado a pensar que o fenómeno que não é transitório”, afirma Ricardo Evangelista, considerando provável que a inflação se mantenha acima de 2% tanto na Europa como nos Estados Unidos da América nos próximos anos.
Contudo, disse, também depende do que se considerar um período transitório. Membros do BCE e da Fed têm hoje uma definição mais lata do que economistas mais conservadores e que temem hiperinflação.
Já o diretor do Banco Carregosa Mário Fernandes (‘Chief Investment Officer’) afirma que o banco considera que este será um fenómeno transitório. Apesar de mais no curto prazo poder haver efeitos relevantes no sentido da inflação, as forças deflacionistas tenderão a permanecer a médio prazo.
Mário Fernandes recordou ainda o presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed), Jerome Powell, que disse que a inflação ser transitória não quer dizer que os preços voltem à casa de partida, mas que não continuarão a crescer na mesma proporção.
Sobre fenómenos mais globais que podem provocar inflação, Mário Fernandes destacou três para considerar que para já ainda não parecem ter força suficiente para mudar o paradigma.
Sobre a alteração na globalização considerou que poderá ser encontrado um novo equilíbrio, pois poderão ser encontradas outras geografias (na América Latina e Europa de Leste) que continuem a garantir preços baixos.
Na demografia, considerou, o envelhecimento da população tem sido deflacionista (devido à redução da população consumidora), apesar de se poder vir a assistir a uma inversão desta relação, mas mais a longo prazo.
Na parte tecnológica, a substituição de trabalhadores por máquinas continuará a permitir o aumento da produção e redução dos custos, a que se alia o menor peso negocial de trabalhadores por via de perda de poder sindical.
Nas matérias-primas, apesar de muitas parangonas feitas com aumento dos preços, há já preços a normalizar e outros que continuem altos podem não ser suficientes para inflacionar toda a economia. Já o petróleo é mais relevante pelo poder de influenciar a economia.
Segundo Mário Fernandes, é desejável uma inflação em torno de 2% e estável.
O analista da XTB Henrique Tomé também partilha da opinião que, baseado no que se conhece hoje, a inflação será transitória, ainda que ainda possa haver picos e que estejam cautelosos com o que vai acontecer.
Uma inflação alta, considerou, é muito sensível para economias endividadas (que ainda se endividaram mais para responder à covid-19) e que não têm margem para mudanças radicais. Mudanças na inflação podem ainda interferir em alguns mercados, como obrigações.
A inflação significa a desvalorização da moeda, o que tem impacto sobre a poupança, porque com a subida de preços o que hoje vale 100 de futuro não tem esse valor, o que é negativo para quem tem poupanças. É positiva para quem tem dívida porque em termos relativos fica menor.
Os efeitos de uma inflação alta na economia são diversos e preocupantes. Tira valor aos salários dos trabalhadores, prejudicando, sobretudo, os que têm menos rendimentos. Tira ainda valor às poupanças.
Os preços são reajustados quando há inflação elevada, o que torna os bens e serviços mais caros para os consumidores. Já empresas que não conseguem repercutir a inflação nos preços dos seus produtos ous erviços podem desaparecer, causando desemprego.
Para os mercados financeiros surpresas na inflação também são perturbadoras, pois põem em causa o valor dos ativos.
Contudo, este é um cenário que os bancos centrais consideram que não está em risco de acontecer.
FED e Banco Central Europeu (BCE) têm considerado que a inflação é transitória (12-24 meses) e mostram-se tolerantes para com algum nível de inflação, mas de forma controlada, pois estimula a economia.
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