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Sacudir a poeira e prosseguir caminho. Mas tem de haver consumo
Como está à vista, os próximos meses serão muito importantes para se perceber se o setor do calçado vai passar uma vaga de despedimentos e falências em série ou se, pelo contrário, sairá da crise sem grandes feridas para lamber.
Paulo Gonçalves, da APICCAPS é elucidativo. “Veremos o pós-férias, porque, a partir de setembro, o setor estaria a produzir o verão do próximo ano. Se não for recuperada a confiança, se o consumo não for incentivado, os sapatos que produzimos e comercializamos nos últimos meses de verão vão ficar nas prateleiras. Se tal acontecer, os armazenistas e retalhistas ficarão com ‘stocks’ acumulados e com menor capacidade para comprar as coleções seguintes”, explica.
Paulo Gonçalves acentua que “as empresas estão a procurar resistir”. Já no passado recente, algumas estavam a “migrar as suas produções para segmentos de maior valor acrescentado, a procurar diversificar mercados”, mas, como faz questão de sublinhar, a retoma do setor estará “sempre dependente da duração desta pandemia”.
O que mais preocupa são as micro e pequenas empresas que “estão a passar por um período muito crítico”, sendo importante que consigam sobreviver, na medida em que serão “fundamentais para que nos próximos meses seja possível relançar o setor e alavancar a atividade económica”.
Fronteiras fechadas não ajudam às novas coleções
Os impactos de dois meses com as sapatarias fechadas – cá e no estrangeiro serão sempre inevitáveis. A convicção do industrial Ilídio Ferreira é de que o calçado “que deveria estar agora nas montras, em muitos casos, só será exposto ao público no próximo ano”, sendo imprescindível “diversificar, criar novas coleções e colocar no mercado coisas inovadoras” capazes de convencer os retalhistas de que é importante ter esses produtos nas lojas.
Neste contexto, voltar permitir a livre circulação no espaço aéreo internacional seria uma ajuda importante.
“Neste momento, estamos a elaborar uma coleção, temos de ir para a rua para a vender e não o podemos fazer. Não podemos visitar os clientes, nem eles nos podem visitar a nós”, explica Ilídio Ferreira, fazendo ver que “quando se trabalha com vários tipos de pele e cores variadas, não se consegue mostrar tudo” através da internet.
O que vale por dizer que, mesmo representando uma ferramenta importante, o “online” não resolve tudo nem substitui o conforto do contacto pessoal entre vendedor e comprador.
O mesmo se passa ao nível das ações de promoção externa. “Num ano normal, temos quase 200 empresas a participar em cerca de 50 feiras em todo o mundo”, diz Paulo Gonçalves, da APICCAPS, apontando como uma boa notícia o facto de a grande feira internacional de calçado da Europa, a MICAM, em Milão, estar reagendada para finais de setembro.
“Veremos como evolui a pandemia”, salvaguarda. Paralelemente, as empresas estão a reforçar de forma muito significativa tudo o que tem a ver com o “mundo ‘online'”, com a APICCAPS, na retaguarda, a investir cerca de dois milhões de euros em ações de formação das empresas no universo digital.
Governo esteve bem. A Europa, longe disso
Na entrevista concedida à Renascença, Paulo Gonçalves reconhece como “positivas as medidas anunciadas pelo Governo”, que “no seu conjunto e, de forma complementar, acabaram por ir ao encontro das expetativas das empresas”.
Para os empresários do setor do calçado, “a verdade é que, se o Governo português andou bem, já a União Europeia e a Europa como um todo ainda não deu a resposta que seria desejável. De facto, a Europa não respondeu com o vigor que seria necessário”.
Para o futuro e, em conclusão, fica o alerta dos empresários do calçado: “É essencial recuperar a confiança, tal como é decisivo incentivar o consumo, porque doutra forma as empresas, sejam elas de menor ou maior dimensão, irão passar por períodos muito difíceis.”
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