//Antigo ministro da Economia. “Sempre houve assalto aos fundos comunitários”

Antigo ministro da Economia. “Sempre houve assalto aos fundos comunitários”

Então temos que definir setores para investir? O Estado pode fazê-lo?

Todas as atividades são boas desde que lucrativas. Como é que podemos aumentar os salários em Portugal? Para os aumentarmos, temos de mudar radicalmente a forma como as empresas funcionam. Temos de criar empresas que precisam de pessoas mais qualificadas. As empresas têm de ganhar competitividade para poderem pagar melhor. É contratando pessoas mais qualificadas que vão poder pagar melhor. Não é escolher atividades boas ou más, não é o “onde”, isto é a propósito do “como”. Temos alguma vantagem em alguns recursos endógenos, materiais de construção, a floresta, na economia do mar. Temos vantagens muito significativas no contexto europeu e mundial.

Estamos sempre a discutir o onde [fazê-lo] e o como [fazê-lo] é que é absolutamente decisivo.

Mas está otimista ou pessimista em relação aos próximos dez anos de aplicação de fundos europeus?

Só podemos estar preocupados. Estamos a enfrentar a maior crise económica e social que conhecemos.

Se mantivermos o nível de debate e de propostas que temos tido estou pessimista. Tem de haver um encontro entre política pública e estratégia e decisão provada. O Estado tem coisas insubstituíveis para fazer. Temos de ter nesta pandemia, e na saída da pandemia, serviços de saúde melhorados. Tenho insistido na necessidade de uma programação financeira plurianual para a saúde. A saúde não pode ser gerida com orçamentos anuais, tomam-se sempre más decisões.

“Estado ou privados? “É uma opção que faz pouco sentido, porque se eu tiver um desequilíbrio favorável ao setor púbico não vou ter grandes resultados e se tiver um desvio favorável à mera transferência de recursos do setor público para o setor privado não vou ter resultados significativos.”

Há outros investimentos públicos em que já é mais difícil de o fazer. Um aeroporto já não é só um aeroporto, nem uma autoestrada é só uma autoestrada, são plataformas de infraestruturas, equipamentos e de serviços. Sem serviços não têm muito valor. São projetos que articulam múltiplas empresas.

A produtividade não resulta do esforço individual, mas da inteligência coletiva e da combinação de vários fatores, desde a competências de quem trabalha até à qualidade da organização de trabalho e dos modelos de negócio, da incorporação do conhecimento.

A mais valia que temos é o entendimento por parte dos decisores políticos na Europa de que quem vai pagar tudo isto são as gerações ou que ainda não nasceram, ou que têm cinco, seis, sete anos.

Concorda então com o presidente do PSD, Rui Rio, que falou de que este dinheiro tem uma fatura, e que serão as gerações mais novas que o vão pagar…

Claro que sim, quem perdeu mais tempo para passar esta ideia foi a presidente da União Europeia, Ursula Von der Layen, no quadro da aprovação que fez no contexto europeu. Em Portugal, o presidente do PSD teve essa intervenção que eu acho que é correta. Os investimentos têm de ser feitos a olhar para a frente e não a olhar para trás. Os grandes beneficiários dos investimentos que têm de ser feitos, têm de ser as novas gerações.

Os próximos anos devem ser de aposta primordial nas empresas ou no Estado. É uma opção que se tem de tomar?

É uma opção que faz pouco sentido, porque se eu tiver um desequilíbrio favorável ao setor púbico não vou ter grandes resultados e se tiver um desvio favorável à mera transferência de recursos do setor público para o setor privado não vou ter resultados significativos.

Vivemos em economias mistas em que há o estado que regula e incentiva as economias, e em que a inovação, o conhecimento científico e a produtividade são desenvolvidas no setor privado.

Não devemos ter grandes discussões sobre esta matéria. Mas como o estado está descapitalizado e tem mais desafios do ponto de vista das alterações climáticas, do envelhecimento da população, da coesão territorial, é fácil ter uma cobertura de partida para investimento público. Temos é de garantir que estamos a fazer futuro e a investir quer no público, quer no privado, em coisas que fazem sentido, que geram retorno e que pagam a despesa inicial e geram mais riqueza. Esse é que é o grande debate: os bons projetos e as boas ideias.

A polémica sobre a forma como estes fundos vão ser aplicados tem sido intensa. Há muitas acusações da oposição de que a máquina socialista se está a preparar para os arrebatar. O episódio da não renovação do mandato do presidente do Tribunal de Contas, a eleição dos novos presidentes da CCDR e a simplificação dos contratos públicos foram visto como sinais premonitórios. Como interpreta tudo isto?

Isso é em primeiro lugar uma questão política, em sentido estrito, não é um debate nem social nem económico. Deve haver um largo consenso de que não haja aproveitamentos partidários parciais desta situação. Estes fundos não são para algum partido e algumas pessoas, ou algumas forças, conquistarem poder. Estes fundos são para dar poder à sociedade portuguesa e aos portugueses. Se não for assim, são mal aplicados.

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