//Arrefecimento mundial deixa em maus lençóis 70% das exportações

Arrefecimento mundial deixa em maus lençóis 70% das exportações

Os 90 mil milhões de euros que as empresas portuguesas faturam por ano em exportações e os quatro a cinco mil milhões em novo investimento direto estrangeiro captado pelo país podem estar em risco com a progressiva e imparável degradação do ambiente económico internacional, avisam os analistas.

Dados disponibilizados pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e pelo Banco de Portugal deixam perceber onde podem estar os maiores focos de problemas. Por exemplo, 70% das exportações totais (bens e serviços) realizadas neste ano, até julho, foram escoadas para mercados cujas economias estão em acentuado abrandamento económico.

Espanha, o maior cliente (21% das vendas portuguesas), deve crescer apenas 2% em 2019 e não os 2,4% estimados há seis meses, de acordo com as projeções do Banco de Espanha. A Alemanha, terceiro maior mercado, está quase estagnada (economia cresce 0,5%, prevê agora OCDE). Itália está paralisada (0% em 2019).

Fora da Europa, as coisas também estão complicadas. O Brasil, o 9.0 maior cliente das vendas de Portugal, ia crescer 1,4%, mas a OCDE cortou agora a previsão para quase metade (0,8%). O crescimento de Angola, o décimo maior no ranking das exportações portuguesas, quase desaparece: 0,4% em 2019, segundo o FMI. Há um ano dizia 2,5%.

No entanto, até ao momento, as referidas ameaças – escalada no clima de guerra comercial entre Estados Unidos e concorrentes como China e Europa, travagem a fundo da economia alemã, total incógnita sobre o desfecho do brexit, incidentes violentos que afetam o mercado do petróleo, crescente hostilidade em relação ao Irão, fim do ciclo mais explosivo do turismo – parecem não estar a materializar-se de forma negativa e irreversível na economia portuguesa.

Por exemplo, a agência de rating Standard & Poor’s decidiu manter a nota da dívida de Portugal no mesmo patamar de investimento, mas subiu a perspetiva de estável para positiva, mesmo neste contexto externo adverso. A agência elogiou a redução da dívida, o orçamento “equilibrado”, o facto de Portugal estar a conseguir crescer mais do que a média europeia.

No entanto, os analistas da S&P que seguem a economia portuguesa deixam um aviso à navegação: “O enfraquecimento do comércio e do crescimento global deverá pesar sobre algumas partes da economia portuguesa, não apenas na indústria.” Portugal é um polo industrial muito importante da Alemanha, país que já sofre diretamente o embate dos embargos e dos agravamentos tarifários decididos pelos EUA.

Marion Amiot, economista principal da S&P, acredita que “a fraqueza económica da zona euro deve estender-se até 2020”. “Não vemos recuperação na procura externa. O crescimento do comércio global está a oscilar à volta de zero, as tensões comerciais persistem e o crescimento do PIB chinês deve abrandar para menos de 6% ao ano.”

A especialista acrescenta que “o principal pilar de crescimento da zona euro continua a ser o consumo”, agora que o desemprego está baixo e o emprego vai crescendo. E também devido “ao crescimento dinâmico dos salários”.

No entanto, diz Marion Amiot, as economias europeias “estão a começar a sentir lentamente os efeitos no abrandamento na produção industrial relacionados com o comércio”.

Nesse aspeto, “as pressões sobre a capacidade produtiva e sobre as expectativas de emprego estão a cair, apontando assim para uma desaceleração do investimento”.

Na linha da frente deste embate está a Alemanha. “Continua a ser a economia mais afetada pelo colapso do comércio mundial devido à dependência excessiva das exportações para o crescimento”, alerta a analista da agência de rating.

Fonte: Banco de Portugal e AICEP

Fonte: Banco de Portugal e AICEP

Do lado da Moody’s, o tom é parecido. Isto tenderá a piorar antes de melhorar. “As nossas previsões de crescimento já incorporavam a expectativa de deterioração do crescimento global e alguma escalada das tensões comerciais.” Mas agora “também refletem uma fraqueza cíclica mais profunda do que o esperado nas economias individuais”.

“Reduzimos as nossas previsões de crescimento para países como China, Austrália, Japão, Coreia, Índia, México, Brasil, Arábia Saudita, África do Sul, Rússia, Alemanha e Itália.” Aqui pontuam, uma vez mais, muitos dos grandes parceiros comerciais de Portugal.

Madhavi Bokil, analista de crédito principal da Moody’s, avisa que “as tensões comerciais podem aumentar ainda mais”.

“As tensões podem aumentar se os EUA impuserem tarifas de 25% sobre todas as importações da China, além de impor tarifas sobre automóveis e peças importados. Qualquer um destes movimentos pode desencadear uma reação desordenada nos mercados financeiros globais e ter um impacto negativo no crescimento. A disputa comercial entre os EUA e a China também aumentou o suficiente para incluir já tensões cambiais, que podem migrar para os preços dos ativos.”

Além disso, há novas fraturas a aparecer, alerta. “O surto na disputa comercial entre o Japão e a Coreia aumenta os riscos regionais.”

Sarah Carlson, também analista da Moody’s, acrescentou que a desaceleração da economia portuguesa pode acontecer na sequência de “um ambiente externo bem mais fraco”. Há “riscos para o alcance de metas orçamentais e outras, tendo em conta as nossas expectativas de desaceleração”, embora, para já, o país esteja a aguentar-se relativamente bem.

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