As grandes empresas industriais estão a investir muito dinheiro em iniciativas digitais. De facto, executivos recentemente entrevistados, em 1350 dessas empresas globalmente dispersas, reportaram investimentos em reinvenção digital no total de mais de 100 mil milhões de dólares entre 2016 e 2018.
O problema é que os resultados esperados muitas vezes não se materializam. Muitos dos líderes que entrevistámos (empresas representando 17 países e 13 setores) registaram fraco retorno do seu investimento digital. A principal razão: esforços mal sucedidos ao expandir as inovações digitais para além do projeto piloto.
Peguemos no exemplo de uma marca de vestuário desportivo que apostou fortemente na personalização. A empresa gastou muito em robótica, aprendizagem de máquinas e impressão 3D numa fábrica nova. Queria dar aos clientes a opção de encomendar calçado desportivo personalizado e de o receber com rapidez. A administração esperava um sucesso que alimentaria a transformação nas suas outras fábricas. Mas as operações e as novas tecnologias nunca se conciliaram, e a produção rápida provou-se ilusória. Após três anos, a empresa fechou portas.
O que é que impede as empresas de expandirem com sucesso os projetos iniciais? E o que é que as empresas que obtêm mais retorno do investimento digital estão a fazer melhor do que as outras? Para responder a estas perguntas, pedimos aos executivos do nosso estudo que nos detalhassem os seus retornos em investimento digital. Depois analisámos a competência com que as empresas da nossa amostra tinham expandido projetos a partir do estádio de validação do conceito. Quando mapeámos esses dois parâmetros críticos — retornos superiores à média e expansão mais bem-sucedida —, concluímos que ambos se verificavam em 22% da nossa amostra.
Aprofundámos então esse grupo para perceber o que faziam de modo diferente. Concentrámo-nos no que os inquiridos em geral tinham identificado como os seus principais desafios e em como as empresas no nosso grupo líder tinham lidado com eles.
Dessa análise emergiram dois desafios críticos — e os seus remédios.
Desafio #1: Desacordo não explícito acerca dos objetivos entre os gestores de topo
Se os gestores de topo não estiverem na mesma página, torna-se difícil para os que lhes reportam diretamente concordar em relação ao que é prioritário e à forma de medir o progresso. O remédio: Definir e articular, não só a oportunidade, mas também o problema que esta resolve, e como a empresa vai construir a organização em torno da solução desejada antes de investir.
Há alguns anos, a Sorgenia, uma empresa italiana produtora de eletricidade e de gás natural, lançou um projeto de transformação com um objetivo muito claro: aumentar a sua base de clientes de 300 mil para 1 milhão em apenas 5 anos, sobretudo construindo e melhorando canais digitais. (Grande revelação: a Sorgenia é cliente da Accenture; essa relação permitiu-nos analisar melhor o seu trabalho, ajudando-nos a partilhá-lo aqui). A empresa não tem equipa de televendas. Os seus líderes acreditam que o futuro das vendas é digital e que, com as ferramentas corretas, podem simplificar a experiência do cliente e atrair no processo muitos clientes novos. Mudar a IT da empresa para a cloud foi a principal alavanca organizacional. Esta solução permite à empresa gerir continuamente a adição de números significativos de clientes.
Essa mudança, porém, envolveu todas as partes do negócio central da Sorgenia, incluindo a aquisição e gestão de clientes, a análise e gestão de grandes dados através de um novo «data hub», e a criação de uma plataforma para melhorar a comunicação, colaboração e produtividade dos trabalhadores. Sem uma clara compreensão do objetivo — e dos meios para atingir o fim — teria sido difícil assegurar que todos os elementos do negócio estavam na mesma página.
O resultado: a Sorgenia está no bom caminho para realizar o seu objetivo, e a viagem está bem sustentada. Muitas das operações chave da empresa podem ser desempenhadas 15 a 20 por cento mais depressa, e o pessoal foi libertado para se concentrar no trabalho de mais valor.
Desafio #2: Uma diferença entre as capacidades digitais que sustentam o projeto piloto e as capacidades disponíveis para sustentar a sua expansão.
Quando o problema não é resolvido, as empresas podem enfrentar a escolha entre aceitar longos atrasos no aumento da produção ou tentativas da gestão em relação a uma mudança rápida e desorganizada, para cumprirem o que prometeram. O remédio: Procurar fora o colmatar das lacunas ou alimentar internamente os projetos iniciais, aumentando as capacidades digitais em toda a organização desde o início.
A Faurecia, o fornecedor de equipamentos automóveis global com sede em França (também cliente da Accenture), usou as aquisições para colmatar as lacunas de capacidade digital. Em 2018, a empresa adquiriu a Parrot Automotive para acelerar o desenvolvimento daquilo a que chama o Cockpit do Futuro, uma das funções mais avançadas em termos de segurança, conforto, som e temperatura.
A Faurecia também estabeleceu uma rede de estudiosos em instituições de investigação académica e startups de clusters de inovação em Silicon Valley, Toronto, Telavive, Xangai e Paris. A empresa está a usar estas relações para acelerar a prototipização e industrialização de tecnologias emergentes relacionadas com saúde e bem-estar, cibersegurança e zero emissões.
Porém, muitos dos líderes do nosso estudo ultrapassaram completamente este desafio construindo «fábricas de inovação» internas dentro da organização mais vasta, para desenvolver e incrementar projetos piloto.
Ao contrário dos «skunkworks», os pequenos laboratórios experimentais independentes do principal grupo de Investigação e Desenvolvimento que são responsáveis por inovar mais depressa e mais barato, estas fábricas de inovação colocam força organizacional por trás da reinvenção digital. Não se limitam à I&D ou ao design de produto. Em vez disso, trabalham ao longo de todo o processo, começando pela incubação de novas ideias, passando pela conceção de soluções potenciais e depois na deslocalização e expansão. Estão também altamente integradas na organização; a equipa da fábrica é parte do mesmo laboratório, trabalha nas mesmas instalações fabris e inclui pessoas de todas as funções e não apenas da I&D.
Podem contratar novos talentos, mas também integram e desenvolvem talento existente à medida que avançam. E mantêm o novo grupo ligado e responsável pelos lucros e prejuízos da empresa. Desta forma, podem prever o efeito da expansão de um conceito na organização mais vasta antes de este processo começar efetivamente; a organização mais vasta está ali sempre. É como um novo negócio lentamente a brotar e a crescer dentro da organização existente.
A Schneider Electric, especialista global em gestão de energia, tal como a Faurecia com sede em França, criou a sua própria fábrica de serviços digitais (DSF). Trabalhando em todos os negócios da empresa, os engenheiros da DSF geram e incubam novas ideias para oferta de serviços digitais, como serviços de manutenção preventiva ou supervisão de equipamentos.
Só um exemplo: é crítico ser capaz de supervisionar eficazmente o calor e a humidade do equipamento de distribuição elétrica — pensemos em linhas de transmissão e disjuntores. A equipa da DSF desenvolveu uma solução que usaria uma tecnologia wireless de sensor térmico (para calcular o calor e a humidade), juntamente com um protocolo wireless para a comunicação. Tempo estimado de conclusão: três anos. Mas, com a fábrica de serviços digitais em ação, a Schneider Electric desenvolveu e industrializou a oferta em apenas oito meses.
Os passos que descrevemos aqui são peças do puzzle da reinvenção digital. Também podem ajudar a garantir o financiamento necessário para investimento futuro. (99 por cento dos executivos do nosso estudo afirmaram que obter aprovação da administração para esse investimento era um desafio.) Quando as empresas antecipam os desafios que aqui apresentámos, estão mais bem posicionadas para atrair investimento. E terão muito mais probabilidades de serem bem-sucedidos nas suas inovações.
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