Cristina Siza Vieira manifesta um otimismo moderado em relação ao ano turístico de 2023. A guerra ainda não acabou e há pressões inflacionistas, que cortam o rendimento aos portugueses e assustam os alemães. Em entrevista à Renascença, a vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) revela que, apesar do aumento dos preços de bens e serviços no setor, o saldo vai ser positivo, embora mais para umas empresas do que para outras.
O grande drama continua a ser a falta de mão-de-obra e, ao contrário do esperado, não estão a chegar imigrantes dos países da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Uma grande preocupação, às portas da Páscoa e das férias de verão, sublinha.
O ano de 2022 foi muito bom, com uma grande recuperação depois de dois anos de pandemia. Já temos resultados em relação à receita turística: 22 mil milhões de euros e um novo recorde. Cristina Siza Vieira, já há uma noção do contributo da hotelaria para este resultado?
São sobretudo ótimas notícias para o país porque, quando falarmos de receita turística a crescer, falamos de um país que está mais robusto do ponto de vista da sua economia e daquilo de que ela depende e muito, que é o turismo. Significa que o turismo voltou em força.
Também na hotelaria, os indicadores são muito positivos. Tivemos um crescimento das receitas também, porque o RevPAR [receita por quarto disponível] subiu. Não temos ainda os resultados nas empresas. Sabemos que uma parte importante se deve à inflação, que em 2022 fechou a 7,8%. Portanto, as empresas viram -se forçadas a aumentar todos os seus produtos, bens e serviços na justa medida em que tiveram de incorporar estes custos da inflação. Os salários também subiram, a logística, as comidas e bebidas, os custos de manutenção, a energia. Portanto, naturalmente, há uma parte muito importante desta subida de preços que se deve a estes custos.
Mas será que vai haver um saldo positivo?
Estou em crer que sim, mas não é igual em todas as empresas nem em todo o país. Em janeiro, o governador do Banco Portugal, numa apresentação que fez no Algarve dizia que a situação financeira do setor é mais frágil e a produtividade mais baixa quando comparada com o total da economia. Isto porque o tecido económico é maioritariamente composto por pequenas, médias e até microempresas.
É evidente que aqui está tudo agregado e o turismo é um bolo muito grande. Devíamos desagregar restauração e dentro da restauração, a meu ver, ainda a restauração coletiva que não tem nada a ver com a restauração turística. E ainda o subsetor hotelaria, porque de facto o tecido económico é diferente.
É importante referir que o INE [Instituto Nacional de Estatística] nestes resultados também dá nota que em dezembro, pelo menos 32% das unidades hoteleiras estiveram encerradas. Há que descascar um bocadinho melhor os números.
E justifica-se que tantas unidades hoteleiras estivessem fechadas? É expressão da sazonalidade?
É essa a questão. Porque é que estiveram 32% encerradas em dezembro? Atenção, que eu não sei o total do ano. Há uma parte que até pode ser férias do pessoal; há outra que ainda não recuperou da Covid e saiu do mercado. Porque é que saíram, foram adquiridas por outrem? Há realmente um mercado muito dinâmico e uma procura muito grande por unidades hoteleiras. E se vão reentrar no mercado, onde é que estão? Que tipologia? É preciso perceber melhor.
Por outro lado, há muitas assimetrias regionais. Nem todo o país teve o mesmo crescimento, o próprio INE o diz. Por exemplo, a Região Centro não teve estes resultados espantosos e as dormidas de não residentes ainda ficaram 13,1% aquém das dormidas de 2019.
O Centro precisa dos mercados de longa distância
Isso tem a ver com a grande dependência que o Centro tem de Fátima e com o facto dos peregrinos de mercados longínquos ainda não terem regressado?
Precisamente. De facto, na região Centro, que tem 100 municípios, um deles – Ourém, mas que é Fátima – representa em termos de turismo internacional 20-25%. E como dizia, a dependência é muito grande. O mercado do turismo religioso, sofreu o impacto mais forte de todos, a par com o turismo de negócios. E depois – como todo o Portugal, é muitíssimo dependente do transporte aéreo. Claramente a Região Centro/Fátima não recuperou. Valeu muito o turismo interno.
Por outro lado, registam-se os maiores aumentos no Porto e Norte, Lisboa e Madeira.
A Madeira tem um crescimento espetacular nas dormidas e os Açores também tiveram um resultado muito interessante. Nós sabemos que durante a pandemia foi o mercado interno (residentes que não são apenas portugueses) que aguentou muita da nossa hotelaria. E curiosamente, em 2022, as dormidas de residentes subiram 8,6% relativamente a 2019. O que é muito interessante. Portanto, continuamos a ter uma capacidade de atração do mercado de residentes.
Então, o que falta para a região Centro recuperar?
Falta, efetivamente, recuperar os voos dos mercados de longa distância. Por exemplo, o mercado polaco tem estado a recuperar bastante bem e, como sempre, o nosso principal mercado é o europeu. E aqui a questão da conectividade aérea é fundamental. De facto, nós temos de agilizar, simplificar e tornar a experiência melhor, quer para quem nos visita, quer para quem quer promover novas rotas.
Efetivamente, é um bocadinho uma questão de tempo, na região Centro e no mercado religioso. É evidente que este ano temos um aumento de energia monumental com a Jornada Mundial da Juventude. Fátima fala por si, obviamente, está nos destinos top de turismo religioso em todo o mundo. Ainda assim, é sempre necessário promovê-la não apenas como destino religioso, mas como destino de cultura, de património, de natureza, etc. A diversificação é uma experiência que pode ser mais completa. A proximidade de Lisboa e de outras zonas do país, com muito património arquitetónico mas também gastronómico. Porque de facto, a Cultura está ligada à Religião e neste caso, Fátima tem muito para vender.
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