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Os aumentos salariais nominais da negociação coletiva, registados em abril, de 6,4%, não conseguiram conter a erosão provocada pela inflação. Assim, e descontando o efeito da subida dos preços, a atualização média anual das remunerações sofreu uma perda real de 1,4%, face a uma variação inflacionista de 7,9%, calculada a 14,2 meses a partir do mês passado. Um cenário que se agravou depois de a evolução dos ordenados ter estagnado nos 0,4% em março, segundo os últimos relatórios publicados pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT).
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Os dados relativos a abril dizem respeito às convenções coletivas cujas alterações salariais se aplicaram, em média, durante 14,2 meses, abrangendo um universo de 95 930 trabalhadores por conta de outrem, o que representa 23% do total de 415,5 mil funcionários que, no mês passado, estavam cobertos por acordos coletivos, segundo o estudo da DGERT sobre “Instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e variação média das remunerações convencionais de abril”.
Empregos das áreas da informação e comunicação e do setor da educação foram os mais penalizados, registando perdas remuneratórias de 6,3% e 3,2%, respetivamente.
Tendo em conta a evolução dos vencimentos das convenções coletivas por setor e a respetiva variação inflacionista, verifica-se que a área das atividades de informação e comunicação foi a mais penalizada, com uma quebra salarial real de 6,3%, isto é, já descontando o impacto do aumento dos preços de 8,1%. Nesta área de negócio, foram afetados 6280 trabalhadores, que representam 6,5% dos 95 930 que, em abril, viram os seus acordos coletivos procederem a alterações remuneratórias.
O setor da educação foi o que registou a segunda maior perda real dos ordenados, com uma redução de 3,2% para apenas 176 funcionários face a uma inflação setorial de 7,6%. Seguem-se depois as áreas das indústrias transformadoras que, perante uma evolução dos preços de 8,3%, registou uma redução média real dos vencimentos de 1,8%, com impacto para 46 981 trabalhadores, o que corresponde a quase metade (48,9%) da força laboral com atualizações salariais, em abril, nos seus instrumentos de regulamentação coletiva. No setor dos transportes e armazenagem, 5370 trabalhadores, 5,6% do total, sentiram os salários reais encolher 1,7% diante de uma inflação setorial de 7,7%.
Alojamento, restauração e similares, com uma quebra nos vencimentos de 0,7%, tratamento, distribuição de água, saneamento e gestão de resíduos, com um recuo salarial de 0,2%, e outras atividades de serviços, com uma diminuição das remunerações em 0,1%, completam a lista dos setores em que se verificou uma valorização dos ordenados abaixo da inflação, o que originou perdas reais.
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Só as atividades de saúde humana e apoio social, com 644 trabalhadores abrangidos por mexidas nos vencimentos, e o setor que agrega o comércio por grosso e a retalho e a reparação de veículos automóveis e motociclos, com impacto em 21 056 funcionários, conseguiram uma variação positiva real dos salários, ainda que muito ténue, de 0,7% e 0,6%, respetivamente. Ou seja, nestes casos, a evolução das remunerações praticamente estagnou, de acordo com o mesmo relatório da DGERT.
Analisando a evolução salarial ao longo de 2022, o retrato é mais animador, uma vez que se registou um aumento real de 3,9%, já descontando o impacto da inflação, e nominal de 5,5% comparativamente com o ano anterior.
Acordos com teletrabalho disparam em 2022
A lei que regula o teletrabalho, e que entrou em vigor no ano passado, já teve efeitos na negociação coletiva. Assim, em 2022, o número de acordos que regulam o regime do trabalho remoto disparou para 27 face aos seis verificados no ano anterior. Isto é, houve um aumento de 350% de convenções coletivas que passaram a prever aquele regime de trabalho, segundo o relatório anual sobre a evolução da negociação coletiva em 2022, elaborado pelo Centro de Relações Laborais do Ministério do Trabalho e apresentado ontem. Mas apenas dez convenções estabelecem que “os custos associados aquisição/uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários ao funcionamento do posto de trabalho em teletrabalho, bem como pagamento de acréscimo de custos de energia, subsídio de refeição devem ser suportados pelo empregador”, de acordo com o mesmo estudo.
A preocupação com a regulação do teletrabalho está sobretudo plasmada “no setor da atividade financeira, seguros, transportes e comércio”, revelou Cláudia Madaleno, coordenação científica do Centro de Relações Laborais e coautora do estudo, juntamente com Paula Agapito, coordenadora executiva daquele organismo do Ministério do Trabalho.
O número de instrumentos de regulamentação coletiva, que dão mais benesses salariais e laborais aos trabalhadores face ao Código do Trabalho, aumentou significativamente no ano passado, tendo a taxa de cobertura superado os níveis pré-pandemia (2019), segundo o mesmo relatório.
Em 2022, 855 998 mil trabalhadores por conta de outrem foram abrangidos por acordos coletivos, um crescimento de 219 757 ou de 34,5% face aos 636 241 funcionários potencialmente cobertos em 2021. O valor já suplanta os níveis anteriores ao período da pandemia da covid-19, quando cerca de 800 mil usufruíam de acordos coletivos.
Olhando para a evolução desde 2010, constata-se que, nesse primeiro ano da análise estatística, cerca de 1,4 milhões de trabalhadores estavam cobertos por estes instrumentos, um número significativamente superior ao registado em 2022. Ou seja, apesar a evolução positiva, Portugal ainda está longe do patamar registado no período pré-troika.
Os instrumentos de regulamentação coletiva subiram de 394 para 505, “o terceiro melhor ano da série” que se inicia em 2010, antes de a troika chegar a Portugal, destacou Paula Agapito, do Centro de Relações Laborais, durante a apresentação do estudo. Trata-se de “um aumento de 28% e mostra que foi possível retomar os níveis de 2019 seja em instrumentos de negociação coletiva seja em relação aos trabalhadores potencialmente abrangidos”, sublinhou a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho.
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