Já imaginou uma autoestrada para bicicletas onde pode fazer 20 quilómetros de casa até à cidade onde trabalha, em menos de uma hora? A cidade de Utrecht, na Holanda, já passou da utopia para o asfalto e a primeira autoestrada do género está em marcha. “As obras ainda não acabaram, mas quem por lá passar já pode ver obras de arte urbana ao longo do trajeto”, afiança David Langerak, o representante do município de Utrecht na União Europeua – Eurocities. Porque, em última análise, “o conceito em torno das cidades do futuro tem muito que ver com tornar a experiência de mobilidade saudável e sustentável, mas também agradável”, disse David Langerak nesta última semana em mais uma entrevista Portugal Mobi Summit.
Esse é também o mote inspirador das “ruas circulares” ou – como Langerak prefere dizer – “ruas urbanas saudáveis”, em que a cidade holandesa está a dar cartas. O responsável exemplificou com o caso-modelo de uma rua próxima da maior estação de comboios do país, que foi completamente transformada, passando de uma espécie de via rápida congestionada para aquela que é agora conhecida como a rua mais sustentável dos Países Baixos.
Como se fez essa transição? “Apostámos nos transportes limpos, com ampla prioridade para as bicicletas”, só com duas faixas para carros, que podem parquear no fim da rua, explica o convidado do Portugal Mobi Summit.
Nas novas ciclovias, o município optou por um pavimento cor de tijolo, substituto do cimento (porque é mais durável), e por sinais de trânsito em bambu. E nasceram mais árvores, o dobro das que havia, de seis espécies diferentes para serem resilientes a pragas, e até o solo é reutilizado para melhor armazenar a água das chuvas.
Com muita vegetação e intervenções artísticas, a rua – onde se situam também torres de escritórios e um centro de conferências – está a tornar-se num polo de atração e de lazer, inspirando outras iniciativas de sustentabilidade. Por exemplo, ali nasceu também um prédio 95% autossuficiente do ponto de vista energético, todo coberto por plantas. E é assim que se geram os novos ecossistemas urbanos, quase que por contágio.
A cidade de Utrecht assumiu, de resto, o objetivo de ser uma cidade circular, ou seja, com opções cada vez mais sustentáveis quer ao nível da redução de emissões quer ao nível da reutilização dos materiais e sua durabilidade, bem como na criação de espaços verdes. “Até 2050 queremos ser uma cidade circular e criar o melhor ambiente empresarial para a circularidade”, assumiu David Langerak.
O responsável admitiu que, a nível político, nem sempre é fácil e rápido colocar ideias disruptivas em prática, mas referiu que a chave está em juntar ecologistas, arquitetos, empresários, políticos, construtores e pô-los a todos a trabalhar para responder a estas questões: “Estes projetos conduzem a uma vida urbana mais saudável, sustentável, feliz e inclusiva?”
Mais bicicletas do que carros
As autoestradas cicláveis e as chamadas circular streets são dois exemplos de tendências que vieram para ficar, independentemente de como a atual pandemia evoluir, acredita Langerak. E se em alguns países, como Portugal, ainda se admite um regresso ao uso do carro em cenário pandémico, em Utrecht as bicicletas estão a assumir um protagonismo cada vez maior, que veio para ficar.
Se é verdade que a Holanda é, desde há longa data, o país das bicicletas por excelência, os números mais recentes do município de Utrecht, com 350 mil habitantes, não deixam de impressionar.
A quase totalidade das famílias (96%) tem bicicleta, o que contrasta com as que possuem carro, que não vão além dos 64%. E 134 mil residentes usam-na diariamente como meio de transporte. O município disponibiliza, por seu lado, 21 mil lugares de estacionamento de bicicletas, ao pé da estação de comboios.
Também a mobilidade partilhada é uma tendência em crescimento na cidade, a evoluir 30% ao ano, e contando-se já quatro mil veículos a operar nessa modalidade, aponta Langerak. Já as scooters elétricas não são vistas como uma prioridade para o município nem parecem ter grande adesão popular.
“Vemos a bicicleta como a solução mais interessante de micromobilidade”, remata, assumindo claramente a singularidade holandesa. E apresenta argumentos para lá das óbvias questões de saúde: “É mais rápido ir de bicicleta e comboio de Utrecht a Amesterdão do que de carro.”
Devolver o espaço às pessoas
A cidade tem feito uma aposta na devolução do espaço às pessoas, retirando, por exemplo, uma autoestrada com seis faixas do centro da cidade. Em seu lugar está agora o canal – onde se pode fazer canoagem – e uma rua partilhada para carros e bicicletas.
São cada vez mais, de resto, as ruas onde as bicicletas têm prioridade, sendo que nestas há limitações de velocidade de 30 ou de 50 km/h para os automóveis. Este foi o modo encontrado para dar segurança a este meio de transporte. “As pessoas assim não têm medo de levar os filhos à escola de bicicleta, podem demorar mais tempo, mas é a bem da segurança.”
E aos estudos que indicam que em França os utilizadores das bicicletas são maioritariamente homens, ao passo que no Japão se passa o inverso, o holandês David Langerak não poderia reagir de outra maneira, até com alguma incredulidade: “O uso da bicicleta não tem nada que ver com o sexo! Simplesmente é rápido, fácil e também seguro”, rematou na entrevista conduzida por Paulo Tavares e Charles Landry, cocuradores do Portugal Mobi Summit.
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