Cara ou coroa? Duas faces da mesma moeda. Há 20 anos, antes da criação do euro, o automóvel era rei e senhor das estradas. O ambiente, as emissões e os carros elétricos eram conversa para fundamentalistas e, em 20 anos, muito mudou, mas a carga fiscal sobre os veículos continua a ser caso de estudo na Europa e, em Portugal, a marca líder é a mesma. “Orgulhamo-nos de ser líderes desde que o euro existe. E mesmo antes do euro”, avança Ricardo Oliveira, diretor de comunicação da Renault, no nosso país.
A véspera da criação da moeda única foi um marco importante. Em Portugal, “1998 é o ano da Expo e Portugal era um país otimista”, lembra. “Em 1998, um automóvel que cumprisse estritamente as normas antipoluição (em 98 vigorava a norma Euro 2) tinha emissões poluentes quase 20 vezes superiores às de um automóvel atual. O airbag ainda era, em muitos casos, um equipamento opcional, o ABS estava reservado aos topos de gama e o ESP era algo de que se começava a falar. O sistema multimédia era o rádio com leitor de cassetes que se guardava debaixo do banco do condutor para evitar roubo. O sistema de navegação era mesmo o mapa das estradas, os automóveis elétricos eram ficção científica e mais de 90% dos carros eram a gasolina.
Em 1998, “o mercado de automóveis ligeiros registou a venda de 368 156 unidades (267 170 veículos de passageiros e 100 986 comerciais ligeiros). Em 2018, o mercado total foi de 267 596 unidades. Ou seja, tanto quanto apenas os automóveis de passageiros…20 anos antes”, acrescenta o mesmo responsável. No caso da marca líder, nesse mesmo ano, as vendas chegaram às de 1998: 45 351 unidades (31 385 de passageiros e 13 966 comerciais ligeiros), registando uma quota de mercado global de 12,3%.
Duas décadas depois? “Vendemos 39 616 automóveis ligeiros para uma quota de 14,8%. Melhorámos muito”, assegura Ricardo Oliveira. Em 1998, tinha apenas a marca Renault. Hoje, o grupo acrescentou a Dacia e a Alpine e regista uma quota total de 17,4%. E há coisas que não mudam mesmo: “Em 1998, o best-seller da Renault era o Clio. Em 2018, o modelo mais vendido no mercado nacional foi… o Clio”, refere.
Fazer as contas
O euro obrigou a mudanças na atividade da marca. “Dividir tudo por 200,482 não foi tarefa fácil. Mas, questões económicas à parte, tornou outras coisas mais fáceis e tudo é comparável e integrável. Um documento feito em escudos (ou liras, ou marcos, ou pesetas) tinha de ser convertido para francos. Com um valor hoje e potencialmente outro amanhã. Para uma empresa, o euro foi um lógico benefício”, sublinha Ricardo Oliveira.
A carga fiscal sobre o automóvel manteve-se em alta. Mas o imposto mudou de nome. E de forma. “Em 1998, Portugal tinha com o imposto automóvel (IA) – incidente a 100% sobre a cilindrada dos motores – uma das fiscalidades sobre o automóvel mais pesadas da Europa Ocidental. Em 2018, Portugal tem como o imposto sobre veículos (ISV) – com a componente emissões de CO2 mais a cilindrada) – uma das fiscalidades sobre o automóvel mais pesadas da Europa Ocidental.” O responsável explica que “introduzir a componente ambiental no imposto (e Portugal foi pioneiro na adoção desse critério) foi algo que sempre nos pareceu uma medida lógica. Manter a cilindrada dos motores como um componente do imposto sempre pareceu menos lógico”, diz. A “nova” fiscalidade trouxe benefícios para a marca, porque “em 1998 Portugal era um país submotorizado face à média europeia e apenas porque um motor maior pagava imposto e certos tipos de automóveis eram quase invendáveis”.
Na altura, os denominados jipes e monovolumes sofriam a aplicação a 100% do imposto automóvel e isso fez desaparecer o mercado, tal era o peso do imposto. “Hoje, esse peso fiscal tem muito menos impacto, também por via do enorme desenvolvimento tecnológico dos motores nestes 20 anos.” Mas a realidade é que o atual imposto sobre veículos é pesado, mas provoca muito menos distorções no mercado”, afirma.
Batalha fiscal
Crítica do regime fiscal sobre o automóvel há mais de 20 anos, a Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) defende que, neste capítulo, pouco mudou. “Quando Portugal aderiu ao euro, o mercado automóvel em Portugal já se encontrava liberalizado. Ou seja, recuando a 1986, ano da entrada na então Comunidade Económica Europeia (CEE), houve um acordo que obrigava Portugal a liberalizar as importações de automóveis provenientes deste espaço comunitário e países preferenciais, a partir de 1 de janeiro de 1988. Até então, existiam contingentes à importação e, consequentemente, listas de espera de vários meses”, lembra Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP. Depois dessa data, as vendas aumentaram. “Mas ainda havia um constrangimento às vendas de automóveis e que consistia na legislação sobre venda a crédito, que limitava as vendas ao período de 12 meses. A partir de 2000, a situação alterou-se e quando entrámos no euro, no ano de 2002, o mercado estava em crescimento”, diz.
O mercado automóvel sempre teve um “enorme peso” na economia nacional, tanto em termos de receitas fiscais como de emprego. Atualmente, o setor do comércio e reparação automóvel tem um volume de negócios de 20,3 mil milhões de euros, dá emprego a cem mil pessoas e representa 28 mil empresas.
Para Hélder Pedro, as lutas do passado continuam a ser as mesmas de hoje. “O IA foi criado, em 1988, aquando da liberalização do mercado. Desde logo se revelou um imposto cego, que não tinha em conta as especificidades dos veículos e que era bastante progressivo, penalizando os veículos mais seguros”, acusa.
Com a criação do ISV “pretendia-se transferir gradualmente a carga fiscal do momento da compra para a circulação”. Mas não parou por aqui: “Foi criado o imposto único de circulação (IUC), com uma carga fiscal para os veículos novos muito superior à do anterior imposto municipal de veículos (o antigo selo do carro). Contudo, a redução da carga fiscal, no momento da matrícula, foi irrisória, pelo que o setor continuou a ter uma pesada carga fiscal, sobretudo porque o IVA continuou a incidir sobre o ISV. Ou seja, o peso da carga fiscal não terminou e entre 1998-99 e 2019 não existem praticamente diferenças a este nível”, sublinha Hélder Pedro, que encara o futuro como uma batalha. “As lutas do setor continuam e a componente fiscal é a principal. Os vários governos continuam a ver uma inesgotável fonte de receitas no automóvel, como se viu neste ano com a tentativa de agravamento da tributação autónoma em 40 milhões de euros. Vinte anos depois, a economia paralela, ou informal, continua a ser um flagelo. Ainda recentemente a OCDE se referiu à enorme fuga ao IVA que ainda se verifica no nosso país. Apesar da nossa entrada no euro, estes problemas não se alteraram”, lamenta.
Combustíveis. Entrada suave
Os preços dos combustíveis eram em 1999 bem diferentes dos que hoje podem encontrar-se nos postos de abastecimento. Recorrendo aos dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) para o período de 24/12/98 a 21/07/1999, o litro de gasolina de 95 octanas tinha um custo de 161 escudos (cerca de 0,80€), enquanto a de 98 tinha um custo de 168 escudos (0,837€). Para o mesmo período, o litro de gasóleo rodoviário era de 110 escudos (0,548€). A 1 de janeiro de 2002, valores pouco diferentes (valores de referência até 28/02/2002), com o litro de gasolina 95 a custar 0,858€, subindo para os 0,898€ da 98. O gasóleo cifrava-se nos 0,65€. Hoje, a gasolina 95 custa 1.479€ e o gasóleo 1,299€.
Portagens. Impacto nas pontes
O valor das taxas de portagens para as duas principais pontes de Lisboa traduzia custos também mais acessíveis do que sucede hoje, com o euro a ter um impacto à sua entrada. Na Ponte 25 de Abril, o valor de 0,75€ (150 escudos) que estava em vigor aumentou 25 cêntimos, para um euro certo (ou seja, cerca de 200 escudos), a partir de janeiro de 2002, justificado “por facilidade de trocos”, como se apontou então. Na Ponte Vasco da Gama, inaugurada em 1998, o custo da portagem era de 1,60 euros (320 escudos), mas a entrada em circulação do euro fez o valor aumentar para os 1,75. Hoje, a portagem na 25 de Abril tem um valor de 1,85€ e na Vasco da Gama 2,85€.
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