Viver em zonas desfavorecidas – já se sabia – contribui para que a probabilidade de morrer mais cedo suba. Mas esse risco aumenta significativamente, se a esse fator se juntar um nível de escolaridade baixo.
Esta é a principal conclusão de um estudo internacional liderado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), e publicado na revista científica The Lancet Public Health, que veio demonstrar de modo robusto que viver em locais desfavorecidos aumenta o risco de morte, sobretudo entre as pessoas que têm piores condições socioeconómicas.
“Neste estudo, verificamos que os indivíduos que viviam em zonas mais pobres tinham uma maior probabilidade de morte, mas especificamente vimos que este efeito negativo do viver em zonas desfavorecidas foi maior em indivíduos com baixa escolaridade”, define Ana Isabel Ribeiro.
Os investigadores que participaram neste estudo usaram informação de uma amostra bastante ampla: mais de 160 mil pessoas, com idades entre os 18 e os 91 anos, seguidas ao longo de quase 20 anos, no âmbito de seis coortes (estudos longitudinais).
De Portugal, analisou-se informação dos participantes no Porto, seguida por investigadores do ISPUP. O trabalho analisou ainda dados de indivíduos na Suíça, em França, na Itália, na Austrália e em Inglaterra.
A mesma investigadora portuguesa explica que, se até aqui já era consensualmente aceite que morar em locais mais pobres, tipicamente com serviços públicos desajustados, pior qualidade de construção, maiores níveis de poluição e menos espaços de lazer, como áreas verdes, podia ampliar o risco de morte, o que ainda faltava averiguar “era se este efeito se fazia sentir de forma igual em todos os residentes, qualquer que fosse o seu estatuto socioeconómico individual”.
E isso de facto não se verifica. A escolaridade mais baixa, aumenta o risco de morrer mais cedo para quem vive num bairro pobre.
Este estudo contabilizou esse risco: “Para uma pessoa que tem o ensino primário, ou seja, o ensino básico, o risco associado a viver num lugar pobre, significou que teria uma taxa de mortalidade cerca de 31% acima daquela verificada em indivíduos que viviam em espaços mais favorecidos”.
“Nas pessoas com qualificações intermédias, com nível secundário, esta diferença foi na ordem dos 12% e entre aquelas que tinham níveis de académicos superiores a esta a diferença foi da ordem dos 16%”, complementa Ana Isabel Ribeiro.
Ou seja, o risco de mortalidade precoce, entre as zonas ricas e as zonas pobres foi muito mais pronunciado entre indivíduos com baixas qualificações.
“Percebemos, claramente, que o efeito negativo de viver em sítios desfavorecidos foi mais pronunciado nos participantes com um estatuto socioeconómico mais baixo, o que contribui para aumentar as desigualdades em saúde”, menciona a investigadora do ISPUP.
“Este risco acrescido de viver em locais mais pobres manteve-se, mesmo tendo em conta outras covariáveis que poderiam explicar a existência de um risco de morte aumentado, como o sexo, a idade, o tabagismo, a ingestão de álcool, ou a situação marital”, aponta.
Falta de escolaridade, maior iliteracia em saúde
Ana Isabel Ribeiro diz que a escolaridade, ou a falta dela, tem reflexo direto “na literacia em saúde”, e sobre a capacidade de tomar decisões que promovam a saúde e o bem-estar.
Nos locais em que o estudo decorreu, Portugal, Austrália e Inglaterra foram os sítios em que a diferença na mortalidade entre lugares mais favorecidos e desfavorecidos foi mais evidente.
Para os autores do estudo, uma das hipóteses mais plausíveis terá que ver com o elevado nível de segregação socio-espacial do local de residência das pessoas das coortes portuguesa e australiana.
“Nestes países, as pessoas mais pobres tendem a viver perto umas das outras e as mais ricas junto de outras que também têm iguais níveis de riqueza, ou seja, há uma grande separação das pessoas no território em função das suas características socioecónomicas. Tal poderá contribuir para que as zonas mais pobres se tornem ainda mais carentes de infraestruturas e, portanto, os efeitos negativos de lá residir podem ser mais acentuados”, aponta Ana Isabel.
“Outra possibilidade também tem a ver com um regime de Estado providência em cada um destes países. Temos aqui países, em que o Estado está mais envolvido no apoio social à população, por exemplo a França tem um regime tipo mais bismarckiano, em que há esta intervenção do Estado. Já num país como o Reino Unido há um regime mais liberal, em que não há apoios tão fortes à população. Isso também pode de certa forma explicar as diferenças que encontrava entre os países”, pondera a investigadora.
Apesar de este ser um estudo observacional, e não de intervenção, a investigadora Ana Isabel Ribeiro diz que para ajudar a resolver estas desigualdades, os governos locais têm naturalmente que agir melhorando a acessibilidade equipamentos de lazer e contribuir para um ambiente menos poluído ou a redução da insegurança.
“Há que diminuir as desigualdades na saúde, através de políticas mais igualitárias de apoio social à população mais desfavorecida, de forma que mesmo que elas tenham baixo nível escolaridade consigam colmatar estas falhas tendo estes apoios a nível mais nacional”, remata a investigadora.
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