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Economistas contactados pela Lusa consideram que a situação dos grandes bancos europeus não justifica os receios que existem, desde logo sobre o português BCP, mas que é necessário evitar a instabilidade num setor tão sensível que vive da credibilidade.
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“Muito do que está a acontecer, da instabilidade, resulta do receio, não é por haver uma situação entre outros grandes bancos que possa justificar isto”, afirmou à Lusa Nogueira Leite, depois de os problemas no Credit Suisse terem levado a receber um empréstimo até 50 mil milhões de francos suíços (50,7 mil milhões de euros) do banco central da Suíça.
Ainda assim, lembrou, que nos temas bancários há fenómenos de psicologia coletiva que podem ser muito prejudicais para o setor, que vive da reputação.
O analista da corretora XTB Henrique Tomé diz que o que se passa é que as “instituições financeiras têm problemas ao nível da credibilidade, questiona-se muito a liquidez dos bancos e a saúde financeira”, mas considera que, mesmo com os bancos norte-americanos que faliram (o maior, o Silicon Valley Bank) e os graves problemas no suíço Credit Suisse, “não se pode comparar o que aconteceu em 2008 com o que está a acontecer agora”.
Sobre o BCP, cujas ações têm sido penalizadas em bolsa, considerou que o banco tem vindo a melhorar a sua situação nos últimos anos, tem reduzido a dívida e aumentado provisões para fazer face a riscos (sobretudo de crédito em incumprimento), pelo que não está a ser afetado pelos seus “problemas em concreto,” mas “mais pelo ‘stress’ no setor”.
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António Nogueira Leite não quis falar de casos concretos, mas em relação à exposição dos bancos portugueses ao Credit Suisse disse que, do que se sabe, “ou não estão expostos ou estão pouco expostos”, pelo que, mesmo que houvesse uma derrocada, a exposição direta é residual.
Contudo, no caso de uma quebra sem controlo, os efeitos indiretos poderiam ser muito graves. O problema, disse, é que “há muita gente a tentar ganhar dinheiro destruindo as posições construídas” e essa especulação tem efeitos imprevistos.
“Há 11 ou 12 anos vimos as empresas portuguesas na altura da crise a serem trazidas para cotações baixíssimas por operações de mercado de capitais que não refletiam a perda de valor dessas empresas”, lembrou.
Outra fonte do setor financeiro contactada pela Lusa, que preferiu não ser identificada, considera que o que se passou nos Estados Unidos não tem de influenciar diretamente a banca europeia, considerando que foi uma situação particular e que está limitada, mas já o Credit Suisse representa “um grande perigo pelo impacto sistémico”, pelo que o banco central suíço está a dar muito apoio para evitar maiores males.
“A exposição direta em Portugal é residual, mas teria um efeito de arrastamento”, disse.
Sobre o BCP, a opinião é que o banco tem negócio e um trabalho consistente de melhoria do balanço, apesar dos problemas que tem com a operação na Polónia.
Para o professor de Economia do ISEG Ricardo Cabral, é fundamental “não incitar o pânico nos mercados” mas também não desvalorizar. Considera que a “situação é séria” e que “há responsáveis no Eurogrupo cujas reações sinalizam que estão a subavaliar a seriedade do problema”.
Para o académico, os problemas atuais vêm demonstrar as graves falhas do enquadramento regulatório construído nos últimos anos (incluindo com centralização de supervisão, testes de ‘stress’, etc.) e que tem merecido o consenso económico e político.
A atual solução para bancos com problemas, como uma corrida a depósitos, que passa por os resolver, leva a que as pessoas rapidamente corram para os bancos quando ouvem falar de problemas, disse. Assim, considera, a própria regulação incentiva a fragilidade quando, pelas regras, põe depósitos em perigo.
Numa bancarrota, pelas regras atuais, têm perdas os acionistas, obrigacionistas e depositantes com mais de 100 mil euros (os depósitos estão protegidos até 100 mil euros).
“Este grupo que tem consenso dominante acreditou que o problema da banca era o sistema de apoios públicos, que era preciso disciplinar a banca, minimizar o risco moral, e o regulador intervir”, afirmou, recordando que isso foi adotado nos casos de bancos portugueses, italianos, gregos, cipriotas e até espanhóis.
Questionado se os milhares de lesados bancários criados nos últimos anos vão levar os clientes bancários a mais facilmente correrem para os bancos, Ricardo Cabral considerou que, “na dúvida, [as pessoas acham que] é melhor tirar logo dinheiro porque as próprias autoridades criaram os incentivos a que pessoas tenham medo sobre suas poupanças”.
“É mais uma crise de regulação do que uma crise de especulação, que também é”, afirmou.
Também do lado da política monetária, afirmou, esta está “completamente focada no combate à inflação e esse combate tem consequências noutros campos, nomeadamente na área bancária”, acrescentando esperar que as autoridades tomem as medidas adequadas.
Sobre a queda do Silicon Valley Bank e a decisão do Governo dos Estados Unidos de proteger todos os depósitos (nos EUA os depósitos estão protegidos até 250 mil dólares, cerca de 233 mil euros ao câmbio atual), Ricardo Cabral admitiu que serve para evitar eventuais outras quedas, mas considera que “favorece quem tem maiores rendimentos, é regressiva, favorece os maiores patrimónios à custa da classe média e dos mais pobres, que nem depósitos têm”.
A falência do Silicon Valley Bank foi a segunda maior falência bancária da história dos Estados Unidos, depois do colapso da Washington Mutual em 2008. O Credit Suisse é o segundo maior banco da Suíça e no ano passado sofreu levantamentos de liquidez no valor de 123,2 mil milhões de francos suíços (126 mil milhões de euros).
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