//Banco Central Europeu insatisfeito com “confusão no enquadramento legislativo”

Banco Central Europeu insatisfeito com “confusão no enquadramento legislativo”

O presidente do Conselho de Supervisão do Banco Central Europeu (BCE), Andrea Enria, afirmou esta terça-feira que não está “muito contente” com a “confusão” legislativa na supervisão bancária europeia, quando questionado sobre a posição de Isabel dos Santos em Portugal.

“Não estou muito contente, para ser honesto. Não estou muito contente, não sobre a nossa prestação ou a do Banco de Portugal. Não estou muito contente sobre a relativa – e não há melhor termo que me ocorra – confusão no enquadramento legislativo”, disse Andrea Enria numa conferência de imprensa realizada em Frankfurt, na Alemanha, cidade sede do BCE.

Respondendo a uma pergunta sobre as relações que Isabel dos Santos ainda mantém com os bancos portugueses diretamente supervisionados pelo Mecanismo Único de Supervisão (o EuroBic não é), a que preside, e se não tencionava obrigar os bancos a cortá-las, Andrea Enria frisou que não podia fazer comentários específicos sobre casos em concreto.

No entanto, o responsável fez questão de salientar alguns pontos “relevantes na área” em questão, e admitiu que “é muito difícil” para o BCE “fazer avaliações ‘fit-and-proper’ [de idoneidade dos gestores] de uma maneira adequada”.

O responsável pela supervisão do BCE disse que “as avaliações ‘fit-and-proper’ não são avaliações estáticas pontuais”, e que quando há informação nova “deve-se estar numa posição de reavaliar o estado de certos acionistas ou gestores e reconsiderar”.

“Se se tiver um assunto específico num banco que é, por exemplo, sujeito a lavagem de dinheiro ou algo do género, podemos rever que membros da administração foram responsáveis por essas funções. Estiveram bem? Fizeram um bom trabalho? Se não, podemos agir”, vincou Andrea Enria.

O responsável afirmou que esta “é uma das áreas que está menos harmonizada pela União [bancária]”, o que leva à aplicação de “uma série muito diferente de provisões locais, de implementação de regras europeias, em cada membro da União Bancária”.

“Isto significa que podemos muito bem acabar com avaliações que em alguns casos não são positivas, mas não podemos intervir porque a legislação local não nos dá as ferramentas”, continuou o responsável.

“Não estou nada agradado com isso, para ser honesto”, reiterou o responsável do BCE.

O economista italiano exemplificou, afirmando que em alguns países “há a possibilidade de fazer avaliações ‘ex-ante’ [anteriores à entrada em funções ou na gestão de bancos]”, e que noutros países “só se pode fazer avaliações ‘ex-post’ [posteriores]”.

“Claro que isso é algo de que não gostamos, gostaríamos de ter uma forma comum de fazer as avaliações em todo o quadro, e de ter isso feito ‘ex-ante’, para que providenciemos um campo [comum] de quem entra na estrutura de propriedade dos bancos e na gestão dos bancos”, continuou Enria.

Os bancos sob supervisão europeia direta em Portugal são a Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Millennium BCP, o Novo Banco e o BPI.

Na sexta-feira, a Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla inglesa) informou estar a acompanhar os desenvolvimentos relativos às operações financeiras da empresária Isabel dos Santos, tendo já contactado “as entidades competentes relevantes” sobre o caso que abrange países europeus.

“Temos conhecimento desta situação, que acompanhamos há algum tempo”, afirma a instituição europeia de supervisão numa curta resposta escrita enviada à agência Lusa.

O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) revelou mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.

De acordo com a investigação do consórcio, do qual fazem parte o Expresso e a SIC, Isabel dos Santos terá montado um esquema de ocultação que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para uma empresa sediada no Dubai e que tinha como única acionista declarada Paula Oliveira.

A investigação revela ainda que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no EuroBic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera angolana. O EuroBic já anunciou que a empresária vai abandonar a estrutura acionista e cortou relações comerciais com Isabel dos Santos.

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