O aviso chega do economista Alberto Castro: que o Banco de Fomento aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros não sirva para fazer “politiquice”.
Em entrevista à Renascença, aquele que foi o primeiro presidente da Instituição Financeira de Desenvolvimento (a primeira tentativa de se criar um Banco de Fomento em Portugal, criada pelo Governo de Passos Coelho) apela a que “não se criem demasiadas expectativas sobre a capacidade desta instituição no imediato” e fala do que correu mal no anterior projeto.
No imediato, defende o economista, é essencial que se clarifiquem as funções desta estrutura. Agora e depois, é preciso que não se limite a escolha da administração a critérios políticos.
Esta quinta-feira, o ministro da Economia, Siza Vieira, comprometeu-se com a entrada em vigor do diploma hoje aprovado num prazo de 40 dias.
A banca é concorrente deste Banco de Fomento?
Da forma como tipicamente os Bancos de Fomento são construídos, e este não é exceção, visam suprir aquilo a que se costumam chamar falhas de mercado – projetos que envolvem risco apreciável: inovação, projetos de longa duração, projetos que não têm uma rentabilidade económica imediata, que têm externalidades. A lógica é muito mais de complementaridade do que de concorrência, portanto, este banco opera em segmentos onde a banca comercial não tem resposta.
Ainda assim, o Banco de Fomento dará crédito a empresas sem que estas precisem de passar pela banca comercial?
Crédito a empresas que, provavelmente, sabem que aqueles projetos não são típicos da banca comercial. Muitos dos projetos de inovação, digamos, mais radicais, têm, por exemplo, uma dificuldade de apropriação privada dos proveitos, concorrem para vários agentes económicos e, por exemplo, à banca não é possível atribuir um valor muito claro ao projeto numa perspetiva estritamente comercial. São projetos de financiamento de infraestrutura e de outro tipo de investimentos que não têm uma resposta cabal na componente comercial.
Este banco é complementar e, às vezes, até de apoio à banca comercial, porque vai continuar a ter algumas linhas que são importantes para a banca comercial.
“A ideia que se criou de que há uma componente de retalho pode ter criado alguns equívocos e criado expectativas que podem prejudicar o próprio Banco de Fomento”
“A ideia que se criou de que há uma componente de retalho pode ter criado alguns equívocos e criado expectativas que podem prejudicar o próprio Banco de Fomento”
Foi criada uma ideia errada do que são as funções do Banco de Fomento?
Acho que aquela ideia que se criou de que há uma componente de retalho pode ter criado alguns equívocos e criado expectativas que depois podem prejudicar o próprio Banco de Fomento. Não são esses os propósitos fundamentais de um Banco de Fomento, para isso, se quisermos, o Estado já tinha a Caixa Geral de Depósitos (CGD), não precisava de estar a criar o Banco de Fomento para nada! Se quer concorrer com a banca comercial tem a CGD, que não pode ser um banco comercial como outro qualquer, senão não vale a pena ser público.
No final do mandato no IFD reconheceu que ficaram aquém dos objetivos. O que é que falhou na altura?
É relativamente complicado. O banco foi criado num determinado contexto e houve algumas condicionalidades impostas pela Comissão Europeia, nomeadamente pela Direcção-Geral da Concorrência, porque havia as ajudas de Estado num contexto em que o país ainda estava num processo de défice excessivo e por aí fora.
Num primeiro momento, o que parecia era que a IFD estava condicionada a fazer financiamentos estritamente suportados em fundos estruturais. Por exemplo, os concursos para os ‘business angels’, para os capitais de risco, mesmo alguns para as sociedades de garantia mútua, etc.
Havia depois a ambição de que se pudessem fazer outros financiamentos, que não envolvessem contração de dívida nem a mobilização do capital da instituição, mas havia dúvidas sobre se isso era possível ou não. Foram-se dando alguns passos nesse sentido, mas nem sempre a conjuntura política foi favorável, portanto, ficámos certamente aquém.
“A IFD foi sujeita a toda uma série de condições, impostas pelo Tribunal de Contas […]. Isso distraiu-nos, consumiu-nos tempo”
“A IFD foi sujeita a toda uma série de condições, impostas pelo Tribunal de Contas […]. Isso distraiu-nos, consumiu-nos tempo”
Faltou poder de decisão?
Houve todo um conjunto de condicionalidades internas. Foi sujeita a toda uma série de condições, impostas pelo Tribunal de Contas, consequentemente, por burocracias que eram também de algum modo impostas pelo Ministério das Finanças. Isso distraiu-nos, consumiu-nos tempo, numa estrutura muito pequena, e de algum modo impediu-nos de avançar-mos mais, isto admitindo que havia vontade política para que nós avançássemos mais.
Depois há uma mudança de governo pelo meio, os primeiros seis meses são sempre perdidos. Foi um primeiro mandato atribulado, com poucas coisas clarificadas, e quando as coisas estavam a ficar mais ou menos clarificadas acabou (o mandato), com abandonos na comissão executiva, uns atrás dos outros. Chegámos a um ponto que só tínhamos um executivo.
O facto de responderem a diferentes tutelas também dificultou o trabalho?
Sim e não. Em termos estratégicos, tivémos sempre articulação com o Ministério da Economia. O Ministério das Finanças e o Ministério do Desenvolvimento Regional intervieram nalguns casos, as Finanças mais porque era “o dono do tesouro”, impondo as condicionalidades. Esse era mais um problema dentro do acionista (Estado) do que connosco, mas às vezes caíam-nos em cima, as consequências de haver essa tripla tutela.
E o facto de existirem diferentes organismos a trabalharem no mesmo sentido?
Desde o início que estava previsto, no mínimo dos mínimos, a fusão com a PME Investimento. Não ocorreu por circunstâncias várias. O que está a acontecer agora já estava pensado no projecto inicial.
“Não ponham o Banco de Fomento a fazer recado e a concorrer com a banca, porque isso acho que é um equívoco”
“Não ponham o Banco de Fomento a fazer recado e a concorrer com a banca, porque isso acho que é um equívoco”
O que é que é preciso garantir para que este projeto agora tenha sucesso?
Por um lado, é sermos muito claros sobre o que se pode esperar desta instituição. Esta instituição tem um papel, tem um espaço importante, nomeadamente quando se pensa numa recuperação que não seja mais do mesmo, que não faça do passado futuro, que não altere nada quando há projectos desafiantes, com risco, de longo prazo. Mas não o ponham a fazer recado e a concorrer com a banca porque isso acho que é um equívoco.
É ainda preciso garantir uma governance de qualidade, e isso significa não só pessoas e equipa, mas também modelo, transparência, qualidade da informação, validação das atividades de gestão.
Considerações indispensáveis para que a instituição possa singrar e possa ter um acionista que estabeleça objectivos, metas, propósitos, mas depois que tenha uma equipa de gestão capaz de executar e que seja suficientemente forte para poder ser independente, para evitar que a instituição possa ser um mero instrumento de políticas mais ou menos had hoc.
Que será um instrumento de política de longo prazo, isso é evidente, que depois possa ser utilizada à vontade do acionista, isso deve ser evitado, sob pena depois de a instituição se tornar apenas um instrumento de políticas, de politiquice, diria.
A governação desta instituição deverá ser presidida por alguém externo?
Era interessante que, ao nível dos não executivos, tivesse pessoas com um passado, para que o Banco de Fomento não fosse um fator fundamental para o seu futuro.
No que diz respeito aos executivos, devem ser pessoas também com um curriculo à prova de bala, tecnicamente competentes, independentemente de estarem próximos de uma força política. Mas acho bem que não sejam meramente critérios políticos a determinar quem vai para a administração executiva do Banco de Fomento, sob pena depois de sujeitarmos a instituição às mudanças que ocorrem sempre que há mudança de governo.
A instituição tem de ser posta em primeiro lugar, acima de interesses mais imediatos, e isso implica pensar em dotar a instituição de pessoas, competências, capacidades, que lhe garantam a continuidade.
“Acho bem que não sejam meramente critérios políticos a determinar quem vai para a administração executiva do Banco de Fomento, sob pena depois de sujeitarmos a instituição às mudanças que ocorrem sempre que há mudança de governo”
“Acho bem que não sejam meramente critérios políticos a determinar quem vai para a administração executiva do Banco de Fomento, sob pena depois de sujeitarmos a instituição às mudanças que ocorrem sempre que há mudança de governo”
O Banco de Fomento ainda vai a tempo de responder à atual crise provocada pela pandemia?
Acho que muitas medidas que eram fundamentais para responder já estarão no terreno. A resposta que esta instituição dá à crise pandémica é uma resposta em termos dos projetos futuros, portanto, não é conjuntura, nem é para isso que um Banco de Fomento seria decisivo. Podia ter sido importante em termos de apoio, nomeadamente às empresas, com alguns instrumentos que um governo terá dificuldade em implementar, nomeadamente se só tiver como agentes a banca comercial.
Este banco acho que pode ser fundamental é em projetos para o desenvolvimento futuro, sejam na área da inovação, da sustentabilidade, do desenvolvimento regional.
Podemos contar com o Banco de Fomento lá para 2021?
Não há razão nenhuma para que não haja aqui uma coincidência de vontade que leve a que o projeto possa estar a arrancar durante o último trimestre, o mais tardar princípio de 2021. Mas, repito, estará a arrancar, não vão querer uma coisa logo em velocidade de cruzeiro.
Não se criem demasiadas expectativas sobre a capacidade que esta instituição tem no imediato! De imediato vai ter que ir fazendo o seu percurso e tenho a certeza que será percorrido tanto mais rapidamente quanto mais vontade política houver e depois melhor seja a equipa que seja possível mobilizar.
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