Os grandes bancos em Portugal são unânimes: o processo em curso na Autoridade da Concorrência (AdC) por acusação de cartel vai acabar por ser arquivado. Um espelho da confiança dos bancos é o facto de alguns nem sequer terem constituído uma provisão para fazer face a uma eventual coima milionária que possa ser decidida pela AdC.
A Caixa Geral de Depósitos (CGD), o Montepio e o Santander Totta estão entre os bancos que não constituíram qualquer provisão. Millennium bcp, BPI e Novo Banco não fornecem informações e nos respetivos relatórios e contas de 2017 não está especificada qualquer provisão também.
Para os bancos, no cenário considerado improvável de haver uma condenação pela AdC, ainda haverá lugar a recursos na justiça e é possível que o caso prescreva.
“A CGD é do entendimento que neste processo não se encontram reunidos quer os pressupostos de facto, quer de Direito, que conduzam à condenação da Caixa Geral de Depósitos por qualquer prática restritiva no mercado, razão pelo que defendemos que o processo deve ser arquivado”, afirmou fonte oficial do banco público ao Dinheiro Vivo. “Em coerência com este entendimento, não foi constituída qualquer provisão”.
Fonte oficial do Montepio indicou que “não foi constituída no ano de 2017 provisão pela Caixa Económica Montepio Geral relativamente ao processo em curso perante a AdC que envolve 15 instituições bancárias presentes em Portugal, incluindo a CEMG“. Explicou que, “após análise e ponderação, designadamente do estado do processo e da probabilidade de ser adotada decisão final pela AdC, não se considerou justificada a constituição de provisão”.
O BCP faz referência ao caso, no seu relatório e contas de 2017, mas não dá detalhes acerca de uma eventual provisão. Sobre o mesmo tema, fonte oficial do Novo Banco indicou ao Dinheiro Vivo que a instituição não tem “essa informação detalhada”. O Santander e o BPI escusaram-se a dar informações.
Coimas recorde
A Concorrência está a concluir a fase de instrução, havendo ainda alguns recursos judiciais pendentes em tribunal que terão de ser previamente decididos. Caso a AdC conclua, no final da instrução do processo de contraordenação, pela verificação de infrações, pode condenar os infratores em coima que pode atingir os 10% do volume de negócios realizado no ano anterior, aplicar sanções acessórias e, se se justificar, impor as medidas de conduta ou estruturais indispensáveis à cessação da prática ou dos seus efeitos. No caso dos maiores bancos, o valor em causa podem superar os 700 milhões de euros.
Ao todo, são 15 os bancos acusados preliminarmente pela AdC por formação de cartel. O caso remonta a 2012, ano em que foi instaurado pelo conselho da AdC um processo de contraordenação por práticas restritivas da concorrência.
Banco de Portugal ouvido
A investigação surgiu por “suspeita de prática concertada, na forma de intercâmbio de informações comerciais sensíveis, no que respeita à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas. Esta prática terá durado cerca de 11 anos e incidido sobre informações não públicas, designadamente, intenções de alteração de spreads”, segundo a AdC. Foram efetuadas buscas a, pelo menos, 10 bancos, em março de 2013. Foi apreendida documentação para verificar indícios de troca de informação comercial sensível no mercado nacional.
A AdC decretou segredo de justiça no processo de contraordenação. No total, 15 instituições financeiras foram notificadas da decisão preliminar da AdC (nota de ilicitude) em junho de 2015, sendo acusadas de participar num intercâmbio de informações entre si relativas a preçários já aprovados e a operações de crédito à habitação e ao consumo já concedidas ou aprovadas. Ao que o Dinheiro Vivo apurou, o Banco de Portugal foi ouvido pela AdC logo no início, “há muitos anos” e não tem indicação de que vá ser consultado de novo.
Os bancos poderão recorrer da decisão final da AdC no prazo de 30 dias após serem notificados.
Só se consegue definir uma data para a prescrição do processo conhecendo-o em detalhe. A lei prevê que o prazo de prescrição aplicável é de cinco anos. O procedimento pode ser suspenso por um prazo máximo de três anos. Segundo Sílvia Bessa Venda, advogada associada da Abreu Advogados, o prazo começa a contar desde o dia em que “o ilícito se tiver consumado”, o que só a AdC pode determinar. Inês Sequeira Mendes, sócia da Abreu, explicou que, no máximo, a prescrição ocorre no prazo de 10 anos e meio.
Fonte oficial da Concorrência garantiu ao Dinheiro Vivo que, “no que depende exclusivamente da atuação da AdC, o risco de prescrição não se coloca”.
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