//Bancos estão mais atentos, mas nunca houve tão poucos fiadores de crédito

Bancos estão mais atentos, mas nunca houve tão poucos fiadores de crédito

As conversas entre João G. e o banco para a concessão de um empréstimo à habitação duraram mais de dois meses, mas durante todo o processo o jovem gestor nunca ouviu falar na palavra ‘fiador’. “Houve uma grande preocupação em relação ao período de crédito, que eu queria esticar por 40 anos, e só consegui 35, e pelo cálculo das taxas de esforço do meu agregado familiar, mas nunca me pediram um fiador”, conta ao Dinheiro Vivo. Nos outros dois bancos que contactou para fazer simulações, “também nunca se falou nisso”.

Não é de estranhar, lembra Natália Nunes, coordenadora do gabinete do sobreendividado da DECO. “Os bancos estão a alterar as garantias que são solicitadas. Estão mais exigentes na questão dos rácios de avaliação do imóvel, muito no sentido das recomendações do Banco de Portugal, apoiam-se muito nos rendimentos do agregado e nos seguros de vida, e já nem estão a pedir fiadores em muitas circunstâncias”.

Os números confirmam a tendência. No final do primeiro trimestre, existiam em Portugal, 1,3 milhões de fiadores, o menor número de sempre, mostra o Banco de Portugal. Nessa altura, 748 mil pessoas eram fiadoras em créditos à habitação. Não é possível perceber quantos fiadores dizem respeito a créditos novos ou antigos.
Natália Nunes assume que se trata de uma alteração de preferências, mas não só.
“Hoje há uma enorme dificuldade em encontrar alguém que queira ser fiador e isso também leva a que a banca se foque noutras condições que dependam mais da pessoa que contrata o crédito”.

E mesmo sem tantos fiadores a servir de rede para quem pede um empréstimo ao banco, “o crédito que hoje se concede é mais responsável”, assume Rui Bairrada, CEO do Dr. Finanças: “Hoje ninguém compra casa sem dar 10% de capitais próprios, os próprios clientes têm de preencher vários requisitos de solvabilidade”, lembra.

Com os bancos mais atentos a quem emprestam dinheiro, a existência de um fiador tenderá a reduzir-se ainda mais. “Se depender de mim ninguém aceita ser fiador de crédito”, sublinha Rui Bairrada, reconhecendo que “é possível retirar-se uma fiança, ainda que haja muito desconhecimento em relação a esta possibilidade. Como? A mudança de crédito de banco é a forma mais fácil”, admite o especialista em literacia financeira. O Dr. Finanças aconselha, desta forma, que quem tenha um fiador por ter contratado crédito numa situação laboral de contrato a prazo, por exemplo, se esforce por retirar a fiança assim que passe a ser trabalhador efetivo, libertando alguém do peso de poder ver-se a braços com o incumprimento de outrem.

E isto pode trazer vantagens nas prestações a pagar. “Porquê? Se o risco for maior, a taxa a pagar é maior, se a situação laboral estabilizar, o risco reduz-se e a taxa também”, lembra Rui Bairrada, que faz o apelo: “O meu conselho é que quem seja fiador tente deixar de ser”.

Natália Nunes dá outra dica: “primeiro o consumidor precisa de conhecer as características do seu empréstimo. As pessoas não conhecem os créditos que contrataram e nós tentamos informar e aconselhar, ver se está ou não ajustado. Muita gente acha que o contrato que tem com o banco é para a vida, mas o contrato de crédito pode ser mudado de banco”, alerta a responsável.

Mesmo em período de crescimento económico e de taxas Euribor historicamente baixas, Natália Nunes assume, por sua vez, que é preciso fazer bem as contas. “As famílias tiveram dificuldades que ainda não foram totalmente ultrapassadas e sabemos que o crédito que tem maior impacto no rendimento disponível é o crédito à habitação”.

Durante a crise, ser-se fiador levou várias famílias a pedir insolvência. Hoje os problemas são outros: quebra de rendimentos na passagem à reforma, diminuição dos rendimentos por penhora e precariedade laboral são as situações que hoje mais afectam as famílias portuguesas.

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