O Banco Central Europeu (BCE) fez várias críticas à proposta de lei do Governo para a supervisão financeira, referindo incompatibilidades com o sistema europeu de bancos centrais, aumento de pressão política e pouca clareza na proposta.
No parecer, a que a Lusa teve acesso, e noticiado pelo Observador e Expresso, o presidente do BCE, Mario Draghi, escreve que “a disposição relativa à designação do governador, de entre um dos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) durante o seu mandato não é compatível com o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC)”.
Esta incompatibilidade é sustentada pelo BCE na medida em que, caso um governador seja nomeado quando já integre o Conselho de Administração do BdP, “é designado para as funções de governador apenas pelo período remanescente da duração inicial do seu mandato”.
De acordo com o BCE, “a proposta de lei tem de ser alterada para garantir que a duração do mandato do governador não pode ser inferior a cinco anos, incluindo nos casos em que o governador seja designado de entre os membros do Conselho de Administração do BdP”.
Já relativamente a conceitos que podem levar à exoneração do governador, o BCE entende que “são autónomos do direito da União [Europeia], cuja aplicação e interpretação não dependem de um contexto nacional, independentemente de tais conceitos também estarem incorporados na Lei Orgânica do BdP”.
Para o BCE, há um conflito entre os dois contextos no caso em que “a designação de um governador depende de confirmação por um governo recém-designado”, já que “a falta dessa confirmação produziria efeitos equivalentes à exoneração do governador com um fundamento diferente dos previstos” nos estatutos do SEBC.
“Nesses casos, o desiderato de salvaguardar a liberdade do governador face a influência política deixaria de ser alcançado”, pode ler-se no parecer assinado por Mario Draghi.
A incompatibilidade adensa-se “na medida em que [a proposta de lei] prevê que o mandato do governador pode cessar em caso de fusão ou cisão do BdP”, algo que no entender do BCE só pode acontecer “se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou se tiver cometido falta grave”.
Para o BCE, a possibilidade de não só o Governo mas também a Assembleia da República poderem propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato do governador “pode criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades”, embora não seja incompatível com o SEBC.
Em termos de interferência política, o BCE entende também que o BdP, com a nova proposta de lei, “ficaria sujeito a outros tipos de auditorias e inspeções de serviços do Estado”, como a Inspeção-Geral de Finanças (IGF), em áreas não relativas ao SEBC, além das auditorias do Tribunal de Contas.
O organismo sediado em Frankfurt entende que nos termos da proposta de lei de supervisão financeira do Governo “a execução explícita da participação no desempenho das atribuições cometidas pelo SEBC por parte do BdP das auditorias e inspeções que os serviços do Estado e o Tribunal de Contas podem realizar implica que todas as outras atividades do BdP podem ser incluídas no âmbito de tais inspeções e auditorias”.
O BCE relembra que “tais organismos têm de respeitar um certo número de salvaguardas destinadas a preservar a independência” dos bancos centrais nacionais, e que inspeções por parte de entidades como a IGF “não seriam compatíveis com as salvaguardas supramencionadas destinadas a preservar a independência do BdP”.
O BCE alerta ainda para a divulgação “de pareceres e relatórios” de órgãos internos do BdP, “tendo também em conta considerações de estabilidade financeira resultantes do impacto dessa publicação no mercado”.
O BCE indica também que o financiamento da Autoridade da Concorrência por parte do BdP “seria incompatível com a proibição de financiamento monetário” previsto nas regras europeias.
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