Os supervisores financeiros portugueses já tinham feito o alerta de que as sociedades de gestão e investimento imobiliário (SIGI, conhecidas pelos investidores como REIT) iriam chegar a Portugal numa fase de risco no mercado. Os preços não param de subir e estes instrumentos financeiros criam o risco de “sobreaquecimento”, segundo um parecer do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF).
O governo aprovou a legislação para a criação das SIGI em Conselho de Ministros, sem consultar o Parlamento. Agora, o Bloco de Esquerda pede a apreciação parlamentar desse decreto-lei, que entrou em vigor no início do mês. Dependendo do apoio que possa ter de outros partidos, esta iniciativa pode resultar num travão ou em alteração à legislação dos REIT portugueses. Estes instrumentos são fundos negociados em bolsa que levantam fundos para investir em imobiliário. Em troca, recompensam os investidores com dividendos. Em Espanha têm traído grandes investidores internacionais.
No entanto, os deputados do BE consideram que, contrariamente ao garantido pelo ministro Pedro Siza Vieira, “não são criadas quaisquer obrigações às SIGI, nem sequer são dados incentivos no sentido de disponibilizar habitação a preços acessíveis, seja no momento do arrendamento, seja no momento da venda”.
Em setembro, o ministro Adjunto e da Economia disse que “queremos com esta medida dar um passo adicional, criando sociedades de investimento que só possam investir em imóveis para arrendamento. Existem vários veículos, como fundos e sociedades, que investem em imóveis para comprar e revender. Mas o que precisamos é de trazer investimento para o arrendamento de longa duração. Esperamos com isto dar um contributo para o aumento da habitação a preços acessíveis nas cidades”.
Mas não “existe uma palavra a este respeito no regime aprovado”, segundo o Bloco. E critica ainda a introdução na expressão de “outras formas de exploração económica”, que “abre a porta a que as SIGI sejam maioritariamente usadas para outros fins que não o arrendamento de longa duração, nomeadamente para o alojamento local”.
O Bloco teme que estes instrumentos, e o investimento de entidades estrangeiras, dificultem “o acesso à habitação a preços suportáveis”.
Supervisores Financeiros deixaram avisos sobre impacto nos preços
Apesar de poderem dinamizar o mercado de capitais português e de serem pedidos há muito tempo pelo setor imobiliário, os supervisores financeiros deixaram alertas à criação das SIGI. Num parecer entregue ao governo em agosto de 2018, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros avisou que “a introdução das SIGI em Portugal, ao fomentar a procura de imóveis, poderá acarretar o risco de contribuir para o aumento excessivo dos preços no mercado imobiliário e, consequentemente, para uma correção/redução abrupta desses mesmos preços no futuro”.
Essa entidade, que inclui o Banco de Portugal, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e a Autoridade de Supervisão de Seguros (ASF), pedia, num documento a que o Dinheiro Vivo teve acesso, prudência e “uma abordagem preventiva”. Referia que em outros países da União Europeia “têm vindo a ser apontados riscos associados a um potencial sobreaquecimento do mercado imobiliário”.
O CNSF alertou ainda que “se os investimentos de não residentes estiverem associados, de forma significativa, a um movimento de search for yield [procura de rendimento num contexto de juros baixos], existe o risco potencial de que uma alteração das condições dos mercados financeiros internacionais possa levar a que esse investimento se reverta de forma algo abrupta”.
Desde 2014 que se discute a criação de uma legislação para os REIT portugueses. Mas o regime chega numa fase em que o CNSF considera que “um dos motivos usualmente associado à introdução dos REIT, que se traduz na necessidade de dinamização do mercado imobiliário, terá menor pertinência na atual conjuntura em Portugal”. O Banco de Portugal tem reiterado nos últimos meses a mensagem de que há “sinais de sobrevalorização” no preço dos imóveis residenciais.
Ainda assim, apesar dos riscos, os supervisores financeiros referem que a introdução dos REIT “poderá trazer vantagens, disponibilizando um instrumento de investimento transparente e adaptado às necessidades dos agentes económicos e suscetível de dinamizar o mercado de capitais”. Mas pedem que sejam tidos em consideração os “possíveis riscos para a estabilidade financeira”.
Nos pareceres dos supervisores financeiros, o Banco de Portugal apresentou mais objeções e propôs limites mais duros para o endividamento das SIGI. Já a CMVM defendeu que o modelo a ser implementado em Portugal fosse competitivo face a outros países do euro para permitir a utilização destes instrumentos no mercado português.
Governo espera que SIGI aumentem oferta de imóveis
Apesar dos riscos enunciados pelos supervisores financeiros, o ministério liderado por Pedro Siza Vieira acredita que as SIGI venham ajudar a resolver o problema de falta de oferta para arrendamento. “É expectável que as SIGI possam contribuir para dinamizar o mercado de arrendamento, num contexto de falta de oferta de imóveis, uma situação que só poderá revertida se mais agentes estiverem disponíveis para colocar produtos no mercado”, refere fonte oficial do Ministério da Economia ao Dinheiro Vivo.
O ministério liderado por Siza Vieira explica que “as SIGI podem mobilizar a poupança privada, uma vez que qualquer cidadão pode adquirir ações neste tipo societário e, indiretamente, sobre os imóveis por estas detidos, que irão reforçar a oferta de imóveis que têm necessariamente de ser ocupados por terceiros”. E defende que estes fundos podem ser “instrumento de resposta às inúmeras intenções de investimento recebidas em todo o país, num momento em que não existem espaços suficientes para atividades económicas”.
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