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A Comissão Europeia manifestou dúvidas sobre as poupanças esperadas pelo governo com a revisão da despesa para este ano. Uma desconfiança que remonta a 2016, quando começou a surgir um quadro no relatório do Orçamento do Estado (OE) a prever economias nas contas através de políticas para a melhoria da eficiência da despesa pública.
No relatório da 12.ª missão de avaliação pós-programa, divulgada nesta semana, os técnicos são claros sobre esta opção do atual executivo e dos anteriores governos. “A revisão da despesa pública destinada a melhorar a eficiência dos gastos nalgumas áreas – que está em curso desde 2016 – progrediu lentamente e gerou até agora apenas poupanças orçamentais modestas”, lê-se no relatório.
De acordo com os cálculos do Dinheiro Vivo, se as previsões apontadas nos diversos orçamentos desde 2017 e até este ano se tivessem concretizado, o Estado já teria conseguido poupanças de pelo menos 943,4 milhões de euros. E se acrescentarmos a previsão para o próximo ano, então o valor salta para mais de mil milhões de euros.
O setor que mais contribuiria para este resultado seria a saúde, representando mais de metade dos ganhos previstos ao longo dos últimos cinco anos – com exceção para 2019, quando contribuiu com pouco mais de um terço.
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Mas os técnicos de Bruxelas têm muitas dúvidas sobre a eficácia deste exercício anunciado pelo governo, sublinhando que a previsão para este ano é ainda mais curta. “De acordo com o Orçamento do Estado para 2020, esperava-se que a revisão gerasse poupanças orçamentais mais limitadas de 190 milhões de euros (0,1% do PIB), em comparação com 236 milhões de euros em 2019”. O valor apontado pela CE para 2020 está nove milhões de euros acima do referido no relatório do governo (181,2 milhões de euros).
E Lisboa comprometeu-se a manter esta linha para o OE de 2021, tal como o Dinheiro Vivo já noticiou, esperando ganhos de 135,3 milhões de euros. Um valor ainda mais modesto do que para este ano. “Durante a missão, as autoridades expressaram a intenção de aprofundar a revisão em 2021, com foco, entre outras áreas, na saúde, educação e compras públicas”, refere o relatório de Bruxelas.
O Dinheiro Vivo questionou o Ministério das Finanças sobre se esta “intenção de aprofundar a revisão” significava que os valores inscritos no relatório do OE2021 poderiam ser outros, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
Pressão dos salários
No relatório da 12.ª missão, apresentado por videoconferência entre os dias 7 e 14 de setembro, a Comissão Europeia (e o Banco Central Europeu) lembra as várias pressões que existem sobre a despesa pública, como o aumento da massa salarial da função pública e das pensões através das sucessivas atualizações extraordinárias, a que se juntam os impactos da pandemia.
“O descongelamento gradual dos salários no setor público e as medidas de mitigação para as carreiras especiais, aliadas ao crescimento contínuo do número de funcionários públicos (2,2% no segundo trimestre de 2020) continuaram a impulsionar a despesa salarial, que aumentou 4,1% até agosto de 2020 (em termos homólogos)”, assinala a CE.
A estes juntam-se os “sucessivos aumentos para as pensões mais baixas – acima da referência à indexação regular – e o alargamento dos critérios para a reforma antecipada”, além do envelhecimento da população que se traduziu num aumento da despesa em “cerca de 3,3% no ano até agosto de 2020” (numa ótica de caixa).
São pressões que segundo a CE “foram agravadas por um aumento de 20,5% dos pagamentos do subsídio de desemprego, devido à pandemia até agosto” deste ano. E que o tal exercício de revisão não compensa. “Os ganhos de eficiência planeados correm o risco de não compensar as supracitadas pressões sobre a despesa pública corrente”, concluem os técnicos.
Sem dados
O Dinheiro Vivo tem insistido nos últimos anos junto do Ministério das Finanças e dos ministérios com maior peso nas revisões da despesa para que divulguem os resultados dos exercícios e se foram ou não alcançados, mas até hoje continua sem resposta.
Também a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) se tem queixado, nos vários relatórios de apreciação dos sucessivos orçamentos, da falta de informação e na análise do OE2021 volta à carga.
“Seria uma melhoria na prestação de contas que o relatório do Ministério das Finanças (MF) do próximo ano pudesse demonstrar a concretização destes ganhos de eficiência ou justificar porque é que não foram obtidos”, refere a UTAO, lembrando que esta sugestão já tinha sido feita antes, “mas constata-se que não foi acolhida pelo MF”, concluem os técnicos que prestam apoio aos deputados.
Em 2016, o então ministro Mário Centeno, criou um grupo de trabalho para fazer esta revisão. Sabe-se que uma das sugestões – esta implementada – foi a centralização das compras públicas pela Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), através do sistema nacional de compras públicas, mas desconhecem-se mais iniciativas.
Já em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) apontava a falta de informação para o escrutínio desta revisão de despesa.
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