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O governo inclui no Orçamento do Estado deste ano (OE2021) uma despesa com execução de garantias pessoais do Estado prestadas no âmbito dos apoios covid-19 equivalente a 0,1% do PIB (produto interno bruto), cerca de 200 milhões de euros, mas um estudo da Comissão Europeia (CE), ontem divulgado considera que esse valor parece estar bastante subestimado.
De acordo com informações recentes recolhidas por Bruxelas, a execução desses avales (por falta de capacidade de pagamento de créditos por parte de empresas e das famílias, por exemplo) já irá em mais de 1,1 mil milhões de euros. É cinco vezes mais. Este valor, citado pela CE, foi calculado recentemente pelo Tribunal de Contas.
Nos documentos relativos ao ciclo de avaliações do semestre europeu, ontem publicados, a Comissão teme que esta discrepância entre a previsão mais benigna do Ministério das Finanças e a realidade seja um primeiro sinal evidente dos problemas financeiros que o Estado irá enfrentar mais à frente, nos próximos anos, a partir do momento em que cessam de forma definitiva todos os instrumentos de moratórias.
Quanto maior for a diferença, maior será o buraco orçamental, que terá de ser compensado com mais poupanças e cortes ou mais receita ou mais dívida, se o governo mantiver os objetivos do OE2021.
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O momento da verdade na dívida privada (e no que é e não é novo malparado) acontece a partir de setembro deste ano, consideram os economistas que acompanham Portugal a partir de Bruxelas.
Como referido, a CE está preocupada com uma eventual vaga de falências e com o colapso nas dívidas privadas que devem acontecer, com maior probabilidade, depois do verão.
No quadro de apoios estatais contra os efeitos da pandemia, o Estado português pode conceder até um máximo de 13 mil milhões de euros (cerca de 6,4% do PIB) em linhas de crédito, “a maior delas sob o chapéu de esquemas de empréstimos garantidos para investimento e capitalização”, diz a CE.
“No final de setembro do ano passado, 32% dos empréstimos das empresas não financeiros (cerca de 24,4 mil milhões de euros) estavam abrangidos pelas moratórias, uma proporção significativamente mais elevada do que a média europeia [que rondava os 9%”, observa a equipa da CE.
Adicionalmente, o Estado está bastante exposto porque “entre março e setembro de 2020 cerca de 40% dos novos empréstimos concedidos às empresas estavam associados ou protegidos por garantias públicas”, diz Bruxelas. No caso das pequenas e médias empresas, esse rácio de proteção (aval público) representava 44% do novo crédito concedido.
Estas são as famosas “medidas de liquidez” que foram lançadas em 2020 para ajudar as empresas a enfrentar a paralisação dos seus negócios por causa dos confinamentos impostos pelo governo contra a pandemia.
No entanto, embora “estas verbas não tenham um impacto orçamental imediato, elas constituem passivos contingentes”. Se as empresas não conseguirem honrar os seus compromissos junto dos bancos comerciais, o Estado vai ter de assumir essas responsabilidades, despesas que podem agravar o défice ou a dívida pública.
Depois do verão, falências?
“O endividamento das empresas não financeiras aumentou em 2020, interrompendo a tendência de queda observada desde 2013”, começa por observar a CE.
“O rácio de endividamento das sociedades não financeiras aumentou sete pontos percentuais entre dezembro de 2019 e setembro de 2020, atingindo 92,4% do PIB. Ambos, o aumento da dívida total e a queda do PIB nominal contribuíram para esta mudança, mas o aumento da dívida empresarial deu um contributo maior devido à pausa nos reembolsos dos empréstimos.”
Neste quadro, Bruxelas avisa que “o alto endividamento empresarial é uma vulnerabilidade que pode resultar em pressões sobre a solvência”.
Observa que “o aumento da liquidez e dos prazos de vencimento dos empréstimos garantidos pelo Estado, as baixas taxas de juro e a extensão das moratórias de crédito têm mitigado, até ao momento, o incumprimento e as insolvências”, mas começa a ser claro que “apesar dos esforços feitos para evitar uma onda de insolvências, prevê-se que a falência de empresas aumente em 2021”.
Em cima disto, existe “a questão dos processos judiciais demorados (tanto nos casos de falências ou de recuperação de empresas), muitas vezes dominados por processos com duração superior a cinco anos, o problema da falta de juízes especializados, a acumulação de processos” são problemas que devem ser tratados com urgência.
“As autoridades portuguesas instituíram em meados de 2020 o PEVE (Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas)”, que deve durar até final de 2021, os prazos do PER (Processo Especial de Revitalização) foram dilatados, mas para a CE isto não é suficiente para evitar a destabilização da economia portuguesa na ressaca da pandemia.
E também não ajuda a isolar as contas públicas de novos riscos, como “a acumulação de passivos contingentes públicos – em cima dos níveis que já existiam e não são negligenciáveis – gerados por algumas empresas públicas e do setor privado, nomeadamente através da mobilização de garantias públicas concedidas durante a crise da covid-19”, reitera a Comissão.
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