O antigo diretor de grandes empresas da Caixa Geral de Depósitos, José Cabral dos Santos, mencionou uma carta em que José Berardo pede um crédito ao antigo presidente do banco público, Carlos Santos Ferreira, para a compra de ações do BCP. O empresário tinha dito, na sua audição na comissão de inquérito à gestão do banco público, que os bancos tinham ido ter com ele para dar crédito e mencionou o nome de Cabral dos Santos como “interlocutor” nos créditos concedidos pela CGD.
O ex-responsável pela direção de empresas do banco público contradisse, esta segunda-feira no Parlamento, essa afirmação. “Berardo respondeu o meu nome mas encontrei no arquivo da CGD numa carta de 10 de novembro de 2006 da Fundação Berardo, assinada por José Berardo, e dirigida a Carlos Santos Ferreira. O assunto: concessão de uma linha de crédito” de 350 milhões de euros para comprar ações do BCP.
Cabral dos Santos receberia essa carta em dezembro de 2006, reencaminhada por Maldonado Gonelha, antigo administrador do banco público. A direção de gestão de risco (DGR) daria um parecer condicionado à operação. Para esse financiamento, a DGR pedia um rácio de cobertura de 120%, um aval de Berardo e uma ownership clause (cláusula de propriedade). A Fundação Berardo rejeitou essas condições. Mas o financiamento acabaria por ser concedido com um rácio de cobertura de apenas 105% e sem aval pessoal.
Em troca, disse Cabral dos Santos, a CGD condicionou a concessão desse financiamento para a compra de ações à apresentação de contas da Fundação Berardo. Era um “meio-termo entre a Fundação Berardo e o parecer da DGR”. A linha de crédito seria aberta em julho de 2007.
Cabral dos Santos garante não ter discutido Berardo com Filipe Pinhal
Além do empréstimo à Fundação Berardo, o banco público concedeu ainda 50 milhões à Metalgest, outra empresa detida pelo empresário, sem aval e com rácio de cobertura de apenas 100%. Cabral dos Santos afirma que não defendeu uma cobertura tão baixa, mas admite que ficou tranquilizado pela informação sobre a situação financeira da Metalgest no final de 2005.
Na sua ida ao Parlamento, Berardo tinha indicado que depois de o BCP lhe ter dito, em 2006, que tinha limitações para lhe dar mais crédito para a compra de ações do próprio banco, foi-lhe sugerido que fosse à CGD. Essa indicação, segundo o empresário, foi dada por Filipe Pinhal, administrador na altura do banco privado. Cabral dos Santos nega que tenha falado com Pinhal. “Falei só num evento social. Profissionalmente nunca falei com Filipe Pinhal”, garantiu.
O antigo diretor de grandes empresas explicou que a origem do financiamento à Metalgest surge depois de esta entidade ter comprado uma empresa de telecomunicações que era já cliente da CGD. “Na sequência deste relacionamento e para aumentar a relação comercial foi feita um primeira proposta de cinco milhões, com rácio de cobertura de 110% e aval de Berardo”, disse Cabral dos Santos. A Metalgest rejeitou. Mas mais tarde, numa reunião entre quadros da empresa e da CGD, foi negociada uma linha de crédito maior e em condições que a empresa de Berardo dizia ser “idênticas às que tinham no mercado, sem aval e com rácio de 100%”.
A Fundação Berardo e a Metalgest são das entidades que mais prejuízos causaram à Caixa. Segundo uma versão preliminar da auditoria da EY aos atos de gestão entre 2000 e 2015, a Fundação Berardo e a Metalgest deviam, no final de 2015, um total de 320 milhões à CGD. Na sua maioria, esse dinheiro foi utilizado para comprar ações do BCP. Desse montante, o banco público tinha assumido, no final de 2015, perdas superiores a 152 milhões. Os empréstimos foram contraídos durante a presidência de Carlos Santos Ferreira, que sairia depois da CGD para o BCP.
Berardo é ainda um dos grandes devedores do BCP e do Novo Banco, com empréstimos próximos de 960 milhões de euros. Esses bancos deram ordem para executar bens do antigo acionista do BCP, como a Coleção Berardo, que o empresário garante de que não vai abdicar.“Nunca ia dar a coleção que faz parte da minha vida. Os bancos têm títulos [da associação que gere] a coleção não a coleção”, disse quando foi ouvido no Parlamento.
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