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Arranca, neste domingo, em Milão, mais uma edição da Micam, a maior feira de calçado no mundo, com mais de mil expositores oriundos de 30 países. Portugal volta a marcar presença com uma comitiva modesta, de 36 marcas, longe das quase 100 com que se apresentava antes da pandemia. Na Mipel, a mostra de artigos de pele e marroquinaria, há apenas uma portuguesa. Na Lineapelle, a feira de componentes, de 19 a 21 de setembro, são mais 37 os expositores nacionais. Três certames vitais para um setor que exporta mais de 95% da produção e que permitirão tomar o pulso ao que será 2024.
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Já é sabido que 2023 fica marcado por um primeiro semestre em que as exportações foram as mais altas de sempre – ultrapassando em 1% os valores de 2022, o ano recorde do setor, que fechou a crescer 10% em volume e mais de 20% em valor, superando a marca histórica dos dois mil milhões de euros. Mas os sinais de abrandamento foram-se avolumando e, no final de julho, as vendas ao exterior estavam já a cair 9% em quantidade e 1% em valor.
Assim, nos primeiros sete meses, a indústria portuguesa exportou 43 milhões de pares de sapatos no valor de 1171 milhões de euros. Mas o preço médio por par exportado estava a crescer quase 10%, para 27,30 euros. E embora as encomendas comecem a escassear, pelo menos face à catadupa de trabalho com que as fábricas se depararam durante 2022, é possível que o preço médio continue a subir, até porque, na segunda metade do ano, a indústria estará a entregar o calçado de inverno, que apresentou nas feiras de março, e que é mais caro do que o de verão.
Mais inflação, menos consumo
E é precisamente a época de inverno que mais está a preocupar, com a inflação e a quebra do poder de compra dos consumidores a ditarem retração no consumo por parte dos principais clientes. As exportações para a Alemanha estão a cair 2,5%, nos primeiros sete meses do ano, o que corresponde a quase menos 7 milhões de euros vendidos para este que é o principal mercado de destino do calçado português. No total, seguiram para a Alemanha sapatos no valor de 254 milhões de euros.
Curiosamente, o mercado francês que foi, durante anos, o principal comprador do calçado made in Portugal, até a Alemanha tomar essa posição durante a pandemia, está a crescer em contraciclo: foram exportados para França sapatos no valor de quase 239 milhões de euros, mais 5,2% do que no período homólogo, o que corresponde a um aumento de quase 12 milhões de euros.
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Em contrapartida, os Países Baixos estão a cair 1,6%, para 180,2 milhões de euros, Espanha contrai 3,4%, ficando-se pelos 81,8 milhões, e os Estados Unidos estão, também, em terreno negativo, com uma perda homóloga de 3,3% para 64 milhões de euros no total. Significa isto que, no conjunto dos três países, a indústria nacional perdeu, este ano, mais de oito milhões de euros comparativamente a igual período de 2022.
Destaque, ainda, para o comportamento do mercado britânico, para o qual seguiram, desde o início do ano, sapatos no valor de quase 69 milhões de euros, em linha com a performance do ano passado.
Em Milão, as empresas irão agora apresentar a coleção de verão do próximo ano, procurando reunir as encomendas necessárias para assegurar trabalho nas fábricas para os últimos meses do ano e, em especial, o início de 2024. “Esta Micam é muito importante para nós, dado o momento de indefinição que se vive. É verdade que estamos num ano negativo, do ponto de vista macroeconómico, mas há janelas de oportunidade para 2024, com as previsões a apontarem para uma recuperação económica dos nossos principais clientes”, diz Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS, a associação setorial. E, por isso, a feira será “determinante” para ajudar a perceber a dinâmica dos mercados internacionais.
Encomendas no topo das preocupações
O mais recente inquérito de conjuntura ao setor, realizado no fim do segundo trimestre, mostra que os sinais de abrandamento da atividade estão aí. “A maioria das empresas continua a considerar que o estado dos negócios é suficiente ou bom, mas a carteira de encomendas e a produção diminuíram, e a tendência de subida dos preços que se observou nos últimos dois anos parece ter-se esgotado”, pode ler-se no documento, que mostra ainda que “a insuficiência de encomendas de clientes estrangeiros voltou à liderança das dificuldades enfrentadas pelas empresas do setor, depois de dois anos em que esse lugar coube ao abastecimento de matérias-primas”. A escassez de mão-de-obra qualificada, que tanto preocupava as empresas no ano passado, passou para segundo plano.
Curiosamente, e apesar deste cenário de abrandamento da atividade, “a larga maioria das empresas não alterou o número de pessoas ao seu serviço e as referências a dificuldades financeiras não aumentaram”, sublinha a APICCAPS, dando conta que “a percentagem de empresas que dizem não ter nenhuma dificuldade teve até um ligeiro aumento”.
Para o terceiro trimestre, os industriais apontam para “a manutenção destas tendências, com um ligeiro agravamento da insuficiência de encomendas de clientes estrangeiros”.
Fortunato Frederico, fundador da Kyaia, admite expectativa quanto à feira, sublinhando que se vivem dias “muito difíceis”. “Há falta de encomendas, o mercado está em recessão, todos sabemos dos problemas, em especial na Europa, mas há que resistir”, diz o empresário, que se assume preocupado. “Já passámos por muitos momentos complicados, desde que existimos, em 1984, mas admito que este possa ser o pior de todos. Vivemos uma tempestade perfeita, mas a experiência acumulada também ajuda.”
Na Micam, pela primeira vez
Apesar das preocupações, e da comitiva diminuta, ainda há espaço para estreantes na Micam. É o caso da Fábrica de Calçado Penha, de Guimarães, que, aos 56 anos, decide procurar novos clientes e novos mercados a partir de Milão. Com 116 trabalhadores e uma faturação de 4,6 milhões de euros, a Penha exporta 99% do que produz para França, Suécia, Alemanha, mas também para os EUA, Singapura e Austrália. E, contra as expectativas, 2023 está a correr muito bem e “acima dos melhores anos”. Consolidado o mercado francês, Armindo Novais diz que a chegada da terceira geração da família à empresa foi vista como o timing certo para apostar em novos mercados. A instabilidade da conjuntura e o inflacionamento dos preços dos materiais “é um desafio”, reconhece.
A jornalista viajou para Milão a convite da APICCAPS
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