O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, recebeu da Caixa, em julho do ano passado, a auditoria aos atos de gestão no banco público. Mais de meio ano depois, e após a divulgação de notícias sobre a sua presença em reuniões que aprovaram créditos ruinosos para o banco público, o supervisor informou que pediu escusa sobre as decisões decorrentes das conclusões da auditoria especial feita pela EY.
“Tendo em conta que o seu mandato na CGD está incluído no período que foi objeto de análise na auditoria da EY à CGD (2000-2015), o governador comunicou ao Conselho de Administração do Banco de Portugal a sua intenção de não participar nas decisões do Banco de Portugal decorrentes das conclusões desta auditoria”, informou ontem a instituição.
O esclarecimento surge depois de um artigo da Sábado ter citado atas de reuniões do conselho de crédito da Caixa. Os documentos revelaram que Carlos Costa esteve presente e não se opôs à concessão de empréstimos a Joe Berardo, a Manuel Fino e a Vale do Lobo, que se revelariam ruinosos.
Apesar do pedido de escusa, o comunicado indica que “durante todo o período em que exerceu funções de administrador na CGD, o governador não teve responsabilidades nas áreas de crédito, risco, acompanhamento de clientes ou de controlo e auditoria interna”.
No entanto, houve antigos administradores do banco que não passaram no crivo da avaliação da idoneidade devido às conclusões constantes na auditoria especial da EY. Essa terá sido a razão para que Norberto Rosa e Pedro Cardoso não tenham recebido o aval do supervisor para integrarem as equipas de gestão de BCP e Bison Bank, respetivamente.
Carlos Costa pediu ainda à gestão da Caixa, em julho do ano passado, para reavaliar a idoneidade de atuais administradores que fizeram parte de equipas de gestão no período analisado pela EY. Mas, segundo o Jornal Económico, Carlos Costa escapa a esse mesmo exame, o que estará a causar desconforto no BdP.
Segundo o ministro das Finanças, a CGD pediu ao Banco de Portugal para coordenar o processo da auditoria especial. Mas isso foi rejeitado porque o supervisor considerava que seria exorbitar as suas competências. Isto apesar de na legislação o BdP ter poder para avançar com essas auditorias. A instituição não quis comentar se a passagem de Carlos Costa pela CGD foi o motivo para essa re-cusa.
O BdP também não explica os motivos pelos quais o governador não foi submetido ao processo de reavaliação de idoneidade. Mas o governador diz estar disponível para prestar esclarecimentos no Parlamento.
Bloco quer exoneração
Não é a primeira vez que Carlos Costa está sob pressão. Em 2016, Mário Centeno acusou-o de “falha grave” na transmissão de informação sobre o caso do Banif. Esse é dos poucos argumentos que podem ser utilizados para exonerar o governador do BdP. Mas, apesar da acusação, Centeno não iniciou o processo de exoneração.
Agora, após o pedido de escusa, o Bloco de Esquerda vai avançar com um projeto de resolução para que o governo tome as diligências necessárias para exonerar o governador. “A gota de água é que chegámos ao ponto em que o governador pede escusa”, diz Mariana Mortágua, deputada do Bloco, ao Dinheiro Vivo. Acrescenta que “a avaliação de idoneidade está a ser feita para outras pessoas. Só falta um que é Carlos Costa”. A deputada diz que “não vemos motivos para que o governo abdique do poder que tem”.
Mas esse processo corre o risco de esbarrar no BCE. O BdP obedece aos estatutos do sistema europeu de bancos centrais. Estes definem que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. Tanto o governador como BCE têm depois dois meses para interpor recurso.
Em casos passados, o banco central liderado por Draghi tem contestado as decisões tomadas por governos para demitir banqueiros centrais. Em Chipre, o antigo governador Panicos Demetriades sofreu fortes críticas do governo por causa da crise bancária. O BCE avisou Nicósia contra as pressões políticas no banco central. Ainda assim, Demetriades acabaria por se demitir. O BCE avançou para a justiça europeia para contestar a decisão das autoridades letãs, no âmbito de uma investigação num caso de corrupção, de impedir a saída do país do líder do banco central do país, Ilmars Rimsevics.
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