As famílias mais ricas vão ser mais penalizadas em perda de rendimento dos que as mais pobres, conclui um estudo do Banco de Portugal (BdP), incluído no boletim económico de maio, divulgado esta quarta-feira.
A instituição de Carlos Costa foi ver qual pode ser o “impacto médio no rendimento disponível e no rendimento líquido do trabalho decorrente da pandemia, no curto prazo”, isto é, assumindo que a doença não se agrava, nem que existe uma segunda vaga, que leve a estender o regime de lay-off e conduza a ainda mais despedimentos e desemprego e a mais encerramento de empresas.
No novo boletim, o BdP diz que, “em média, o rendimento mensal das famílias residentes em Portugal tem uma redução de 5,3%, decorrente de uma redução de 8,2% no rendimento do trabalho”.
“Para calcular o rendimento de uma determinada família no contexto da pandemia calculou-se o rendimento do trabalho de cada um dos seus membros após o início da pandemia que, posteriormente, se somou aos restantes rendimentos do agregado, que se assumiu não serem afetados pela pandemia”, diz o estudo.
Adicionalmente, o BdP assumiu que existem “pouco mais de um milhão de trabalhadores em lay-off”. Para além destes, há os que perderam o emprego ou ficaram com salários em atraso. Aqui a redução de rendimento pode ser ainda mais brutal. Para os trabalhadores não são abrangidos pelas medidas do lay-off “assumiu-se não receberem qualquer remuneração quando a empresa deixa de ter atividade devido à pandemia. Consoante a situação laboral dos indivíduos, esta hipótese pode ser interpretada como perda de emprego, ausência de rendimento do trabalho por conta própria ou a existência de salários em atraso“.
Mas o impacto difere. Os mais pobres de todos, os que não têm rendimentos do trabalho, por exemplo, e os mais velhos (pensionistas) praticamente não sentem o embate financeiro pois não têm rendimentos do trabalho ou salários. Nem podia ser de outra forma.
“O efeito da pandemia varia por grupos de famílias, uma vez que estes diferem no número de indivíduos com rendimento do trabalho, assim como na situação laboral e nos setores de atividade dos indivíduos que trabalham.”
Como referido, “a pandemia não tem qualquer impacto no rendimento para uma percentagem considerável de famílias. É principalmente o caso das famílias que não têm rendimentos do trabalho e daquelas em que todos membros trabalham em setores não afetados pela pandemia, que representam cerca de 50% do total de famílias”, contabiliza o estudo.
Depois o Banco explica que “o impacto da pandemia no rendimento disponível das famílias é crescente” à medida que se depende mais do rendimento salarial”. E idem em relação ao nível de escolaridade.
“No grupo de 20% de famílias com rendimento mais baixo o rendimento disponível médio reduz-se 2,4%, o que compara com uma redução de 7,8% no grupo de 10% de famílias com rendimento mais elevado“.
Como referido, “o impacto mais reduzido da pandemia nas famílias com rendimento mais baixo decorre do menor peso do rendimento do trabalho nestas famílias, nas quais têm uma maior importância as pensões de reforma e outras transferências públicas [subsídios, por exemplo]”.
Em contrapartida, “a maior redução no rendimento médio do trabalho ocorre contudo nas famílias de rendimento mais elevado, o que reflete em parte o facto de o rendimento do lay-off e do apoio aos trabalhadores independentes estar limitado a um valor máximo”.
Trabalhadores jovens e pessoas com 35 a 44 anos são os que mais sofrem
“Por escalão etário, como seria de esperar, a redução de rendimento disponível é bastante mais significativa nas famílias em que o indivíduo de referência está em idade ativa do que nas restantes.” Os pensionistas são considerados inativos.
“Nos escalões etários a partir dos 65 anos, o rendimento da maioria das famílias não tem qualquer alteração devido à pandemia”, diz o estudo do Banco. Em contrapartida, os “mais jovens” e as pessoas com 35 a 44 anos são as que mais sofrem perda de rendimentos.
“De entre os indivíduos em idade ativa, as duas classes etárias mais jovens, e em especial o grupo dos 35 aos 44 anos, são as que têm uma maior exposição à pandemia e, portanto, maiores reduções quer do rendimento disponível, quer do rendimento do trabalho”, lê-se no estudo.
Por classes de riqueza líquida, “a redução em ambos os tipos de rendimento é maior na classe dos mais ricos do que na “classe de riqueza mais reduzida”.
Pobres aguentam um mês de despesas, ricos aguentam um ano
O BdP também analisou o que acontece à capacidade de as pessoas honrarem as suas despesas normais mensais. São os gastos de “consumo de bens não duradouros e serviços e encargos com dívida e rendas”.
“As famílias no quintil mais baixo de rendimento [20% das mais pobres] conseguem pagar pouco mais de um mês de despesas recorrendo a riqueza disponível no curto prazo enquanto no quintil [20% das mais ricas] mais elevado as famílias dispõem de recursos suficientes para financiar mais de um ano de despesas na ausência de rendimento.”
“A capacidade das famílias pagarem as despesas com base no rendimento é igualmente muito heterogénea. Antes da pandemia, o valor médio do rendimento deduzido de despesas é de 610 euros no conjunto das famílias”, ou seja, era o que em média sobrava no final do mês depois de todas as contas saldadas.
“Este valor varia consideravelmente com o rendimento das famílias, situando-se em média num valor negativo de 86 euros no grupo de 20% de famílias com rendimento mais baixo, e em 2788 euros no grupo de 10% de famílias com rendimento mais elevado.”
Dito de outra forma, nas camadas mais pobres, gastam tudo e ainda ficam a dever ou têm de pedir emprestado 86 euros em média. Aos mais ricos, sobra-lhes 2788 euros no fim do mês.
No entanto, o BdP fez o mesmo exercício mas com as moratórias das prestações devidas aos bancos e das rendas, que é são o encargo mais pesado para os mais pobres.
Mesmo com moratórias, rendimentos finais caem
Mesmo com moratórias, o rendimento final já depois de tudo pago cai, em média, 8% (toda a população estudada).
“No conjunto das famílias, o valor médio do rendimento deduzido de despesas com bens não duradouros, serviços correntes, prestações de empréstimos e rendas da habitação permanente, reduz-se em cerca de 8% face ao seu valor antes da pandemia, após se considerarem as medidas de apoio ao rendimento assim como a moratória sobre o crédito para compra de habitação permanente e o regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda.”
O Banco refere ainda que “em todas as classes de rendimento e escalões etários, a moratória sobre as prestações tem um impacto mais significativo do que a moratória sobre as rendas. Em geral, as moratórias têm um impacto particularmente favorável nas famílias de menor rendimento e nas famílias mais jovens”.
Seja como for, é só alívio passageiro. Quando a pandemia acalmar, as rendas e as prestações do banco vão ter de ser todas pagas na mesma. E aí os mais pobres, os que ficaram desempregados, estarão numa situação complicada, talvez pior, até.
(atualizado 15h50)
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