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O discurso político defende uma aposta cada vez maior nos comboios, mas a realidade insiste em contrariar as palavras. O mais recente calendário para as obras ferroviárias indica novos atrasos em investimentos classificados como prioritários para “projetar Portugal na Europa”. Além dos problemas com o plano de investimento Ferrovia 2020, somam-se os atrasos nas empreitadas que deveriam estar concluídas do Programa Nacional de Investimentos 2030 (PNI2030), segundo informação aos operadores divulgada pela Infraestruturas de Portugal (IP).
Os atrasos são transversais a todo o país. Há décadas que se aguarda que um comboio elétrico possa partir da estação de Cascais e chegue à estação do Oriente, passando por Sete-Rios, Entrecampos e Roma-Areeiro. No PNI2030, a ligação entre a Linha de Cascais e a Linha de Cintura seria construída em 2023 e 2027. Agora, será preciso esperar quase uma década: a IP estima que os trabalhos para enterrar a estação de Alcântara-Terra decorram entre 2028 e 2031.
Antes disso, na primeira metade de 2025, a linha cascalense passará a ter o sistema de eletrificação igual ao da restante rede ferroviária nacional (de 25 000 volts, em vez dos atuais 1500). A migração da corrente, no entanto, apenas irá ocorrer em 2027, quando a CP tiver 25 das 34 novas automotoras elétricas para esta linha – as primeiras 25 unidades serão bi-tensão e só chegarão em meados desse ano. Até ao final de 2026, a IP compromete-se em acabar com três atravessamentos à superfície desta linha.
Na alta velocidade, a IP compromete-se em construir a nova linha entre Porto e Soure até ao final de 2030, não referindo datas para o percurso entre Soure e Carregado, que também deveria ficar pronto até ao final da década. Em princípio, o concurso público para a construção dos primeiros 71 quilómetros da nova linha (sub-troço Porto-Oiã) será lançado dia 15 de janeiro. Também até ao final de 2030, a gestora de infraestruturas prevê a conclusão da nova linha entre Braga e Valença, que depois será continuada até Vigo.
Para o início do ano anterior, prevê-se a conclusão da quadruplicação do percurso Contumil-Ermesinde, desencravando a área suburbana do Porto por 120 milhões de euros.
No distrito de Lisboa, a IP compromete-se em até 2030, com cinco anos de atraso, quadruplicar os troços entre Roma-Areeiro e Braço de Prata, e Alverca-Castanheira do Ribatejo-Azambuja.
Não muito longe, a Linha de Vendas Novas será modernizada até ao início de 2029. Na Linha do Alentejo, o troço Poceirão-Bombel será duplicado até ao final de 2028. Mais abaixo, Beja terá de esperar ao final de 2029 para poder receber os primeiros comboios elétricos a partir de Casa Branca, quatro anos mais tarde do que previa o PNI2030.
No Centro do país, o Ramal de Alfarelos deveria permitir o cruzamento de comboios sem paragem a partir do final de 2025. No entanto, a construção do desvio ativo de dois quilómetros, com a duplicação da via entre Verride e Marujal, apenas estará pronto em meados de 2026. Também no Centro, a modernização da Linha do Vouga deverá ficar pronta no final de 2025. Esta obra permitirá que volte a haver serviço de passageiros entre Oliveira de Azeméis e Sernada do Vouga, após mais de uma década de ausência. Entre Espinho e Aveiro, a IP tem substituído antigas travessas de madeira por outras também de madeira.
Ainda no Norte, há duas obras do Ferrovia 2020 que acumulam atrasos de oito anos até ao segundo trimestre de 2027: a eletrificação da Linha do Douro entre Marco de Canaveses e Régua e a renovação da Linha do Norte entre Ovar e Espinho. A conclusão das duas empreitadas estava marcada para o último e penúltimo trimestres de 2019, respetivamente.
No Ferrovia 2020, a eletrificação da Linha do Algarve apenas estará totalmente concluída no final de 2025, mais de quatro anos após a data inicialmente calendarizada. A partir de 2026, os comboios Intercidades poderão seguir diretamente da estação do Oriente para Lagos e para Vila Real de Santo António, após o reforço das pontes entre Tavira e o concelho próximo da fronteira.
Para 2031 está prevista a eletrificação dos troços Régua-Pocinho (Linha do Douro) e Caldas da Rainha-Louriçal (Linha do Oeste), seis anos depois da previsão. Até lá, os dois percursos serão contemplados com alguns dos novos comboios híbridos para o serviço regional, que a CP vai receber da fabricante suíça Stadler a partir de outubro de 2025.
Pagar mais para usar linhas
Apesar das obras (e dos atrasos) dos últimos anos na rede ferroviária, a IP prepara-se para aumentar de novo a taxa pela utilização da linha de comboio. Para 2025, a empresa pública prevê um agravamento de cerca de 6% da tarifa de utilização de infraestrutura. A taxa é paga por cada comboio em circulação das empresas ferroviárias em Portugal: CP e Fertagus (do lado dos passageiros); Medway e Captrain/Takargo (do lado das mercadorias).
O aumento de 2025 sucede à subida de 20% prevista para 2024, mesmo com várias limitações na rede, como a Linha da Beira Alta: o principal canal de exportações sobre carris de Portugal estará encerrado até meados do próximo ano. Não muito longe desta linha, a A25 é uma das seis autoestradas que no próximo ano terá mais uma redução, de 30%, no preço das portagens para particulares e mercadorias. Mais uma vez, o discurso político da descarbonização dos transportes está desalinhado com a realidade.
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