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Falta um ano para a Expo Dubai e o comissário Celso Guedes de Carvalho está em contagem decrescente para o grande evento, que contará com 192 países, incluindo presença portuguesa. A exposição faz-se de várias iniciativas com ADN português, do povo à cultura, sem esquecer os negócios.
Quantos Ministérios estão envolvidos em todo este projeto?
É importante dar nota daquilo que foi o trabalho destes dois anos. O modelo de operacionalização em termos de coordenação desta participação está assente no Ministério dos Negócios Estrangeiros, coordenado do ponto de vista operacionalizado pela Aicep. E depois criámos dois grupos de trabalho, um deles interministerial, com sete ministérios – reunimos já sete vezes e cada pasta tem um pivot para trazer para a agenda aquilo que são as políticas públicas e as iniciativas de cada área governamental.
Podia dar alguns exemplos?
Negócios Estrangeiros, Cultura, Ambiente, Planeamento, Infraestruturas, Ciência e Ensino Superior – as áreas que mais relevam para esta participação. Estes ministérios trazem aquilo que é a atualidade das políticas públicas e facilitam que alguns temas estejam na agenda, porque somos nós – a minha equipa e a AICEP – que acompanhamos o progresso da Expo Dubai, do ponto de vista de programação e oportunidades e entregamos essa informação aos ministérios para, em cima dessas oportunidades, serem construídas iniciativas. Depois, temos um Conselho Consultivo constituído por personalidades da sociedade civil que trazem a sua experiência e redes de conexão, também para trazer desafios e alguma atualidade, envolvendo a sociedade civil neste grande desafio de representar Portugal nesta expedição.
Que marca quer Portugal deixar nesta exposição mundial?
Foi precisamente a primeira decisão que tivemos de tomar: o posicionamento e a narrativa, a forma como queremos apresentar-nos ao mundo. Cada país ter um theme statment. Nós começamos numa viagem com duas vertentes: uma é que nós fomos mais relevantes no mundo – inevitavelmente, os Descobrimentos; outra, a evolução e a perceção que o mundo tem hoje de Portugal e as nossas vantagens competitivas em relação a outros países. Estas exposições não deixam de ser uma competição, pelo menos em termos de atração de visitantes. E por isso definimos o tema: Portugal, um mundo num país. Um país inclusivo, que conectou o mundo e que agora está a ser descoberto pelo mundo, por esta forma única, genuína, como acolhemos. Obviamente, esta é uma visão muito humanista da nossa participação e é apenas uma parte da história que queremos contar.
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Já que falamos da montra que é a Expo Dubai, o que é expectável em termos de atração de negócio, de novos investidores, desta região do mundo muitas vezes pouco conhecida pelos portugueses?
O principal ganho é a atenção que tiverem sobre Portugal no final da exposição – e por isso o fluxo de turistas daquela região… turistas, investidores, estudantes. Esta atratividade de Portugal é relativamente a turistas e estudantes mas também a investimento direto estrangeiro. Queremos ser um dos players relevantes. Falo também de exportação das empresas portuguesas para aquela região. Os Emirados são o nosso maior parceiro comercial na região e são a 17.ª economia do mundo, segunda mais competitiva e diversificada na região. É “o” player com quem queremos ativar esta relação na Expo.
Na área do investimento direto estrangeiro estão identificados setores em que isso poderá acontecer com maior rapidez?
Definimos desde o início formação e gestão e um bocadinho o foco no marketing. Definimos o país-alvo que queremos atrair em termos de visitantes para o pavilhão e também áreas estratégicas. E essas são sete. A primeira é o aeroespacial. Portugal tem um projeto muito relevante que resulta da reconversão da Base das Lajes, uma plataforma de lançamento de mísseis satélite, que vai entrar em concurso internacional e todos os players internacionais estão interessados – e os Emirados estão atentos. Mas também as renováveis, a área da economia azul e as tradicionais: turismo, história, cultura e ciência.
A Expo Dubai é uma smart city em construção. Há aqui também algum intercâmbio?
Sim, a Expo tem uma plataforma de e-procurement em que temos estado a divulgar e muito esse trabalho da Aicep no ponto de vista de oportunidades de negócio para empresas portuguesas podem aproveitar. E depois alavancado e muito naquilo que será a programação cultural, artística, de diplomacia económica, de fóruns internacionais em que essas oportunidades se colocam. Estamos a dar os primeiros passos e essencialmente em três vertentes. Um, Portugal está no top 10 dos países que vão determinar a construção do seu pavilhão e isto é um sinal que damos à organização de que fizemos o nosso trabalho de casa, de cumprir com os prazos. Dois, a programação é muito ancorada na nossa ligação e legado luso-árabe e nas referências culturais comuns – e isto cria uma plataforma de diálogo muito interessante. E três, estas sete áreas dos conteúdos positivos que referi. Ainda agora, a 1 de outubro, começou a programação digital, virtual, em espelho daquilo que será quando abrir a Expo. E começou aquilo que será a semana do aeroespacial…
Portugal já está a participar neste momento digital, não é?
Correto. Foi muito interessante que a Expo divulgou os pavilhões que nos seus conteúdos positivos tinham referências ao aeroespacial e Portugal foi um dos 12.
A pandemia, que também chegou ao Dubai, atrasou o andamento das obras do pavilhão?
A pandemia é um fenómeno único na História, acho que é o problema mais global que alguma vez tivemos e simultaneamente com a maior alocação de recursos em termos globais. E por isso, quando afetou os trabalhos da participação portuguesa, afetou os de todos os países, sobretudo ao nível de materiais que começaram a escassear.
Mas chegámos a um ponto preocupante relativamente às obras?
Não, porque tínhamos três grandes vantagens. A Aicep tem toda a cadeia de valor muito bem identificada, relativamente aos processos e todos os procedimentos para controlar os desvios, por isso, do ponto de vista da fiscalização e de acompanhamento da obra tínhamos identificado esses processos. Depois, tínhamos dois excelentes parceiros: a Casais, que foi a identidade selecionada no concurso para a concessão e construção do pavilhão, tem muita experiência. E o próprio gabinete de arquitetura Saraiva & Associados, selecionado pela Casais que, com uma abordagem muito pragmática, foi de grande utilidade neste processo.
Garante que o pavilhão vai estar prontíssimo a tempo e horas?
Seguramente. Tenciono ainda ir receber a obra no final deste ano.
Sei que o pavilhão teve cortes de investimento face ao previsto. Porquê e o que mudou?
Quando se começou a perspetivar o adiamento da Expo, considerei que era minha obrigação transmitir ao governo duas notas: a minha disponibilidade para, havendo o adiamento por mais um ano, me manter nesta missão; e que não haveria qualquer pedido adicional em termos de orçamento.
Os portugueses estão muito habituados a derrapagens… Neste caso são cortes. De que ordem?
Dada a situação que o país atravessa e se perspetivava já em março, quando tomámos a decisão, acho que é razoável termos de fazer adaptações para, dentro do orçamento, conseguirmos ter a mesma ambição para esta participação.
Qual era o valor inicial?
21 milhões de euros.
E agora, quanto está previsto?
Temos uma perspetiva de redução de 8%. Tivemos de fazer opções… Por exemplo, em termos de programação havia uma iniciativa em abril na Universidade Árabe nos Emirados, o Discover Portugal, em que íamos apresentar o país durante uma semana. Foi descontinuada. Tínhamos iniciativas de residências artísticas em que traríamos emiratis para conhecer Portugal e depois contar essa história e essa interpretação lá e foi descontinuada. E depois fizemos uma revisitação por força de uma perspetiva de que haverá menor tolerância ao toque, houve ajustamentos.
Havia uma aposta grande num restaurante português. A pandemia impactou neste conceito?
É o tema que está mais premente, em termos de discussão. Ontem mesmo convoquei cinco pessoas para uma reunião na próxima semana, entre as quais alguns chefs, para me ajudarem. E a discussão é: as regras impostas pela organização em relação a um restaurante são definidas ao detalhe, sem grande margem para criatividade e improviso; ainda não sabemos bem qual é a concorrência, mas há à volta de 200 restaurantes referenciados na Expo; a gastronomia portuguesa é eclética e mediterrânica e está referenciada em termos internacionais como nunca esteve, por isso temos uma responsabilidade acrescida de estar à altura…
Está a ser equacionado ainda?
Está a ser reequacionado, necessariamente com uma operação que terá de ser muito mais clean. Mas há formas criativas. No outro dia surgiu a ideia de darmos palco às conservas portuguesas, o design aliado às conservas é fabuloso, em termos de logísticos é muito muito interessante e até já houve uma iniciativa muito interessante com chefs a interpretarem conservas…
As conservas podem ter palco na Expo Dubai?
Sim, acho que sim.
A Expo Dubai foi adiada 1 ano. O Dia de Portugal já foi fixado?
Reafirmámos a nossa vontade de manter o 14 de janeiro (de 2022) e a organização aceitou. É precisamente a meio da Expo – vai de 1 de outubro a 31 de março de 2022.
São 182 dias de programação em seis meses. Quais são os outros pontos alto para Portugal?
Curiosamente com este adiamento Portugal acabou também por ser destacado pela organização, porque o tema é “Conneting minds, creating the future” e, desde o início que a Expo exortou os países a fazerem programação colaborativa, para se juntarem à volta destes temas – mybusiness, aeroespacial, etc. Fizemos várias reuniões – eu e os meus homólogos – para definir até a liderança de temas e perceber quem estaria interessado em fazer programação colaborativa, mas avançámos muito pouco. E agora em agosto, quando a Expo voltou a reunir-se, sob a forma digital, Portugal foi destacado como referência. E foi muito gratificante, porque resulta de termos, ao mesmo tempo, trabalhado a componente pavilhão, os conteúdos positivos, mas também programação. Houve países que se focaram excessivamente no pavilhão e descartaram a programação.
Qual é o destaque dado ao país?
Essencialmente, duas ações: o Festival da Língua Portuguesa, que é logo no início (de 14 a 16 de outubro) e junta os nove membros da CPLP e foi considerado uma referência de programação colaborativa; e no final da Expo, a Semana da Água, que foi muito disputada (o cartão do meu homólogo da Noruega diz Norway Ocean…) mas nós conseguimos com uma co-curadoria com a Expo – tive até uma reunião com o meu homólogo da ONU para programarmos em conjunto a Semana da Água, em março. É a última de nove semanas temáticas e Portugal foi referenciado pela persistência e pelo foco. Estas são as nossas apostas. A língua portuguesa e uma grande aposta no legado luso-árabe e depois a água.
No projeto da CPLP há alguma relação especial com Angola? Há uma relação mais estreita ou é igual com todos os membros?
Há vários andamentos. O processo do Festival da Língua Portuguesa foi despoletado a dois níveis. Um do ponto de vista técnico, junto da programação, e um do ponto de vista institucional, com os meus homólogos. É um modelo que me parece muito simples. Todos os países da CPLP estão presentes na Expo, se cada um levar as suas manifestações culturais e artísticas conseguimos, cada um com o seu orçamento, mostrar ao mundo e pôr a língua portuguesa no palco. E nos contactos que fiz junto dos homólogos houve diversos ritmos. Primeiro, Angola estava previsto presidir à CPLP em julho, e por isso é expectável uma redobrada atenção a estes temas da programação colaborativa, quando a CPLP comemora 25 anos (em 2021); segundo, a comissária-geral de Angola faz isto há 30 anos, tem muita experiência e percebe a importância destas iniciativas; e terceiro, o embaixador de Angola em Portugal, também tem muita boa vontade e está em alguns palcos comuns. Depois, há também Cabo Verde, que tem a presidência. E o Brasil. Com este três, temos falado muito e estamos fortemente envolvidos. Com os outros nem tanto, mas é um processo.
Outro ponto importante é o Dia Mundial da Circum-Navegação que foi 20 de outubro, e houve até uma iniciativa conjunta entre a estrutura de missão para as comemorações do V aniversário da circum-navegação. De que forma é que este centenário e todas as comemorações se poderão cruzar com os destinos da Expo Dubai?
Cruzam-se muito bem, é um casamento perfeito. Economia azul, do ponto de vista de business, é um dos sete temas e em tudo aquilo que é programação de pensamento, mas também de business nós já estamos. Magalhães, é das figuras portuguesas mais consensuais, que conectou o mundo – é muito curioso que o tema da expo seja “Conneting minds, creating the future” e o primeiro a conectar foi precisamente Magalhães. E depois toda a problemática da sustentabilidade e da governança dos oceanos, a desplastificação. E é um bocadinho nesta triangulação que queremos dar palco. E depois na semana da água. Temos – acho que já se pode revelar – uma grande manifestação coletiva a que queremos dar palco, em março de 2022, que é precisamente quando está a terminar a Expo e quando existe algum espírito de despedida: queremos oferecer à Expo e ao mundo um grande espetáculo a que, provisoriamente, chamamos “500 voices of the ocean”, que junta 500 vozes, um coro a celebrar a humanidade e o que será a própria Expo. Eu acho que a Expo vai ser um renascimento.
Falemos de empreendedorismo: conseguiremos levar este ADN de uma startup nation ao Dubai?
Não. Inevitavelmente temos… o tema que me ocorre logo é contratação pública.
Dificuldade de contratação pública…
Sim, não é fácil nos modelos que temos. Não estou a criticar. Temos de viver com o enquadramento que temos, mas coloca aqui algumas necessidades de adaptação. Só agora temos estabilizado o quadro referencial da Expo e vamos começar a trabalhar mais essas componentes de envolver alguns atores, nomeadamente a comunidade empreendedora. Ainda há dias, Portugal recebeu um prémio, a rede de incubadoras do aeroespacial, liderada pelo IPEM, como projeto de referência em empreendedorismo europeu. Por isso diria que, identificando áreas estratégicas de Portugal com as de empreendedorismo que poderemos destacar, faremos este cruzamento.
Como compara Portugal com esta região em termos de empreendedorismo?
Não fiz essa análise, mas há algo muito curioso nos Emirados que é a multiculturalidade. São 9,7 milhões de habitantes e só 10% é que são locais. É um exagero, mas é o que me ocorre: é uma Babel criativa com um potencial muito interessante. E a Expo vai criar aqui uma disrupção que não aconteceria a um ritmo tão rápido. Comparar com Portugal acho que é difícil.
E da pandemia que lições ficam?
Eu diria que era interessante termos, ao nível do governo, uma entidade que pudesse ter um foco na promoção externa de Portugal, enquanto marca. Ou seja, não exclusivamente business, ou não exclusivamente a língua…
Não podemos viver só do turismo, é isso?
Seguramente que não. Estamos num processo de construção da nova realidade. A reindustrialização da Europa é um caminho inevitável, em termos de encurtar redes de distribuição. A dimensão que terá esta reindustrialização está por saber, por isso acho que temos de ter alguma calma… mas a diversificação da economia será uma realidade. Não esta excessiva dependência do turismo. Acho que foi uma boa lição. Temos de fechar o ano, temos de ter Orçamento.
Os números da pandemia estão a crescer. Face a esta falta de confiança dos investidores e dos consumidores no país que comportamento espera da economia nos próximos meses?
Os primeiros cenários traçavam uma recuperação em V e acho que já todos percebemos que isso não vai acontecer. Isso traz um novo desafio, porque em termos de projeção de cenários macroeconómicos é muito mais difícil. Um W parece-me muito mais interessante. A questão é, qual a duração destes ciclos. Mas vamos ter de gerir muito mais num cenário de imprevisibilidade e isso coloca às organizações desafios de gestão, de alocação de recursos, de planificação da produção muito distintos dos que havia. Terá de haver uma gestão muito mais partilhada, mais relevância dada a parcerias para partilhar o risco e as oportunidades. E nesta perspetiva, o mundo será muito mais global: estamos todos no mesmo barco e, por isso, muito mais necessitados de resolver os problemas em conjunto. É uma boa lição que tiramos desta pandemia.
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