Partilhareste artigo
A quebra de encomendas na indústria têxtil e do vestuário é já visível nos resultados das exportações, que caíram 3% em valor e 12% em quantidade no mês de fevereiro. Mas não só. Os dados das importações também mostram uma quebra de 8% em valor e de 17% em quantidade, com especial destaque para as matérias têxteis. O setor fala numa situação “preocupante” e que é comprovada pelos dados do mais recente inquérito à atividade, com 57% das empresas a assumirem quebras de produção até 30%, no primeiro trimestre, e a perspetivarem que a realidade se manterá igual até junho. Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), diz que o setor vai precisar de “políticas públicas”, como moratórias e o regresso do lay-off simplificado, para ajudar “à travessia do deserto”.
Relacionados
O inquérito, realizado no início de abril, mostrou que mais de metade das empresas registou uma redução do volume de negócios no primeiro trimestre, até 10% para 26% dos inquiridos, e 10 a 30% para 21% das empresas. Mas há ainda 7,6% que dizem ter registado uma quebra de faturação superior a 30%. Para 20% dos inquiridos, os negócios mantiveram-se estáveis e há 17% de empresas com aumentos de vendas até 10%, face ao período homólogo do ano passado.
Já a quebra da produção afetou 66% das empresas, ou seja, quase sete em cada dez inquiridas, sendo que 27% tiveram uma redução da produção até 10%. Com menos 10 a 30% de produção há 30% de empresas e 9% apontam mesmo uma quebra superior a 30%. A fatia dos que registaram aumentos de produção até 10% é também de 9% e 21% dos inquiridos não tiveram nem aumento nem perda de encomendas entre janeiro e março.
Pessimismo impera
As perspetivas para o segundo trimestre do ano não são muito melhores, grosso modo. A redução prevista da produção até 30% abrange 53% das empresas, e 20% dizem prever produzir o mesmo do que há um ano. Em contrapartida, as que contam quebras superiores a 30% sobem para 10,6% das respostas, e as que esperam aumentar a sua produção em 10 a 30% são 12% dos inquiridos, mais três pontos percentuais do que no primeiro trimestre.
Questionados sobre as principais dificuldades, 70% apontam a falta ou redução de encomendas e 51,5% a redução das margens de lucro. Mesmo assim, as dificuldades na contratação de trabalhadores surge no top 3, com 29,% das respostas, e as dificuldades de tesouraria e os preços elevados da energia ocupam a quarta posição, ambas apontadas por 24% dos inquiridos.
Subscrever newsletter
Para Mário Jorge Machado, esta é uma situação meramente conjuntural, e provocada pela invasão da Ucrânia e por todas as consequências que daí advieram, nomeadamente em termos de inflação, subida das taxas de juro e perda de poder de compra dos consumidores, mas que exige medidas imediatas, sob pena de se deitar tudo a perder.
Sustentabilidade ajuda
O responsável garante que as valências que fizeram com que a indústria têxtil e do vestuário (ITV) estivesse a crescer acima dos 20% no primeiro semestre de 2022, graças a uma grande aposta nas temáticas da sustentabilidade, se mantêm mais do que atuais. Até porque, com o chamado passaporte digital, no âmbito a alteração legislativa que a Comissão Europeia tem em preparação, e com a mudança de mentalidade dos consumidores, que querem saber onde, como e com que meios foram produzidos os produtos que compram, em termos ambientais e sociais, “produzir na Europa vai ser cada vez mais uma vantagem competitiva para as marcas”, acredita.
Mas 2023 vai ser “um ano difícil” e é preciso agir já, defende. “As empresas que têm investimentos em curso e que se estão a confrontar com uma forte diminuição da sua atividade vão precisar de ajuda numa aposta de mais médio e longo prazo. Não se pode atirar fora o menino com a água do banho, com esta situação meramente conjuntural”, argumenta.
Evitar falências
Convicto que, face ao aumento das taxas de juro, haverá industriais que não terão condições de continuar a cumprir com os seus compromissos, a ATP pede que possa haver moratórias ou “algum tipo de apoio do Banco de Fomento, que possa servir de garantia junto da banca tradicional para que esta mantenha o apoio às empresas”. Se isso, alerta, poderá haver falências e despedimentos, “o que seria trágico” quando, estruturalmente, a situação da indústria “é muito positiva”, já que, pelos investimentos que têm vindo a fazer, as fábricas portuguesas são “das mais bem preparadas, a nível mundial, para tirar partido da procura crescente de artigos produzidos de forma sustentável e responsável”.
A ATP, que vai pedir uma reunião de emergência ao Ministério da Economia para dar a conhecer a situação, alerta que o lay-off tradicional “tem mecanismos de aprovação que podem levar muitas semanas”, o que é um problema para um setor que pode estar semanas sem encomendas. “É uma indústria com uma flexibilidade completamente diferente das demais, que tem que ter regras diferentes também, porque a última coisa que as empresas querem é perder os seus trabalhadores”, garante.
A têxtil tem cerca de seis mil empresas, que dão trabalho a mais de 125 mil trabalhadores.
Deixe um comentário