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O combate à pandemia pelos municípios, com apoios sociais e a empresas, deve refletir-se negativamente nas contas municipais depois de anos de superavit, devido à quebra das receitas e sobretudo ao aumento extraordinário das despesas, alertaram diversas entidades.
Maria José Fernandes, responsável pelo Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, destacou, em declarações à Lusa, “o trabalho notável” que continua a ser feito pelas autarquias no apoio social e no incentivo económico às empresas locais, “num período em que a economia do Estado está muito aquém daquilo que era expectável”, devido à pandemia de covid-19.
“Naturalmente que isto vai ter reflexo nas contas deste ano. Portanto, 2020 e 2021 serão naturalmente anos – acho eu, não tenho os dados ainda – completamente diferentes do que foram os anos anteriores, também pela quebra da receita, mas muito pelo aumento da despesa”, disse, salientando que “é imenso o efeito” da pandemia nas contas de cada concelho do país.
Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 2 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência de 15 dias, que previa o confinamento obrigatório e restrições à circulação na via pública em Portugal continental.
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Maria José Fernandes salientou que “não há nenhum setor que não tenha sido afetado”, destacando a quebra do turismo, que alavancava o emprego, e outras áreas para as quais não há solução, como os espetáculos, bem como as feiras, a restauração e o comércio.
Para a investigadora, os mais de 15 mil milhões da chamada “bazuca” e o “conjunto de investimentos muito significativos” do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), atualmente em discussão, se forem bem geridos, vão “naturalmente pôr todo o país numa posição diferente”, melhorar a vida das pessoas e permitir que se retome a economia.
Porém, isso é “no futuro”: até lá, “as pessoas têm de viver” e “há situações verdadeiramente dramáticas”, considerou.
“O que mais preocupa as pessoas é o presente – como é que nós colocamos a viver diariamente sem terem emprego e com as empresas a fechar. Eu, pessoalmente, acho que é importante termos esta capacidade de perceber o imediato, que medidas temos de fazer para aguentar as pessoas que neste momento não têm condições”, disse.
“Isto tem um impacto enorme nas pessoas e vai-se refletir nas contas dos municípios”, reiterou.
Também a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) alertou que o superavit que as autarquias têm atingido desde 2013 pode, em 2020/2021, dar lugar a desequilíbrios orçamentais nos municípios que se esforçaram “para criar soluções para a vida socioeconómica das pessoas e das empresas”.
A ANMP tem defendido que, para apoiar os municípios neste contexto, “vai ser necessário considerar soluções no âmbito dos fundos europeus alocados a Portugal”.
Esta solução já foi admitida pelo Governo, que prevê ressarcir “pelo menos uma parte” das despesas realizadas pelos municípios no âmbito da pandemia através do Orçamento do Estado e de fundos comunitários específicos para a covid-19, segundo a ministra que tutela as autarquias, Alexandra Leitão.
A ministra destacou “alguma dificuldade” na quantificação das despesas que as autarquias tiveram com a covid-19, mas um relatório do Tribunal de Contas (TdC) refere que, até ao final de setembro de 2020, foram pagos pelos municípios pelo menos 166,1 milhões de euros em iniciativas relacionadas com o combate à pandemia.
No seu relatório, o TdC salientou que as autarquias “adotaram uma multiplicidade de ações de que foram beneficiárias as famílias, as empresas e as instituições, face aos efeitos económicos, sociais e financeiros da covid-19” e que, até ao fim de setembro, alguns municípios já tinham gastado com a pandemia “uma percentagem relevante da despesa total do ano anterior, o que poderá afetar o seu equilíbrio financeiro e sustentabilidade”.
A administração local do continente celebrou, até setembro, mais de 5.500 contratos relacionados com a covid-19, no valor de 83,2 milhões de euros, 80% deles por ajuste direto simplificado, acrescentou o TdC.
A quase totalidade destes contratos respeita à aquisição de bens e serviços, como materiais e equipamentos médicos, equipamentos de segurança e de proteção individual, computadores e material informático, produtos alimentares e materiais de limpeza, desinfeção e higienização.
Para que as autarquias possam responder aos efeitos do confinamento e da pandemia no tecido económico-social local, nomeadamente “continuar a atribuir isenções no âmbito do seu regime financeiro” e “prestar apoios a pessoas em situação de vulnerabilidade”, o parlamento aprovou um regime legislativo excecional e temporário que simplificou a contratação pública e o regime de autorização da despesa até ao fim de 2021.
Segundo o Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis (OAFR), uma iniciativa da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, até 15 de fevereiro as autarquias tomaram mais de 2.114 medidas para responder à débil situação social de muitas famílias.
Entre as medidas elencadas numa plataforma que a OAFR criou para o efeito estão a entrega de cheques sociais e de farmácia, a redução do valor das creches, a dispensa ou redução substancial de pagamento de serviços municipais (incluindo água e taxas municipais), a aquisição e entrega (pelos municípios) de bens alimentares de primeira necessidade, reforço das equipas de ação social junto das famílias, apoio a idosos e bolsas de voluntariado para acompanhamento de casos de risco.
Desde a primeira hora, os municípios assumiram ainda a instalação de hospitais de campanha, de centros de testagem e, mais recentemente, de apoio à vacinação, o apoio do reforço de testagem a lares e outras instituições, a confeção e entrega de refeições em “take-away” a alunos, o acompanhamento de pessoas em isolamento profilático e a isenção do pagamento de taxas de estacionamento, entre outras iniciativas.
Além de programas específicos e de linhas de ajuda ao comércio e empresas, no apoio ao tecido económico destacam-se também isenções da Derrama, isenção de várias taxas como a das esplanadas e o pagamento aos restaurantes de refeições para distribuir pelas famílias mais carenciadas.
A tradição transformou-se: com o apoio das respetivas autarquias, a Feira do Queijo da Serra da Estrela, por exemplo, realizou-se de forma digital e é também pela internet que Montalegre vende os seus enchidos ou que se realizou a Feira do Fumeiro de Vinhais.
Num ano que terminou sem festa, alguns municípios abdicaram das luzes de Natal para transformarem as verbas destinadas aos enfeites em “vouchers” para as famílias gastarem no comércio local.
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