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Andando quer por Lisboa quer pelo Porto, um dos sinais mais claros de que o verão de 2021 não é idêntico ao de 2019 é a falta de pessoas. Tipicamente, os portugueses tiram férias entre a última quinzena de julho e agosto, fugindo dos grandes centros urbanos, sendo “substituídos” – antes da pandemia – por turistas. Mas se, por um lado, o turismo está ainda longe do que era antes da chegada da covid-19, por outro, as próprias cidades perderam movimento ao longo do ano devido a uma nova realidade decretada pela pandemia: o teletrabalho. Sem o sair de casa todos os dias para o trabalho, com uma pausa para o almoço no restaurante das redondezas e uma rápida passagem pelas montras das lojas, que pode levar a uma compra por impulso -, o comércio de rua já viveu dias melhores, em especial, em algumas partes de Lisboa e do Porto. Há zonas que resistem melhor à espera do regresso dos turistas e mas também novas tendências de negócio.
“Algum comércio sobrevive, outro não e talvez uma das maiores dificuldades seja a diminuição do turismo na capital. Em Lisboa e Vale do Tejo existem serviços mais penalizados, tal como na cidade, onde se verificam zonas que necessitam mais da nossa ajuda e é na zona histórica da cidade que vemos essa situação mais gravosa, porque dependia maioritariamente dos turistas para a sua sobrevivência”, conta ao Dinheiro Vivo Lourdes Fonseca, presidente da União de Associações de Comércio e Serviços de Lisboa (UACS).
O número de turistas, em especial estrangeiros, decresceu muito a partir de meados de março do ano passado devido à pandemia. Ao longo destes 18 meses, por várias vezes, as viagens entre vários Estados-membros da União Europeia foram limitadas. A somar a isso, os receios de contrair a doença levaram muitos a não viajar. O turismo interno tem sido o grande empurrão da atividade, mas não é suficiente para compensar a queda dos não residentes.
Além disso, no início da pandemia, o teletrabalhou tornou-se uma realidade obrigatória para milhares de pessoas. Com o passar dos meses, muitos regressaram aos seus postos de trabalho, mas outros não. Os dados do Instituto Nacional de Estatística, e como noticiou recentemente o Dinheiro Vivo, mostram que, em 2020, o potencial de teletrabalho abrangia 33,6% dos empregos, mas apenas foi utilizado por 15,6%, ou seja, praticamente metade. Mas, depois de meses em trabalho remoto, muitas empresas perceberam que já não fazia sentido que as suas equipas estivessem todos os dias nos escritórios, tendo já optado por modelos híbridos.
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“A pandemia fez diminuir o turismo, mas reduziu e muito a mobilidade dentro das cidades. O próprio teletrabalho potencia uma mudança do comércio; muitas vezes, quando passámos à frente de uma loja a caminho do trabalho, fazemos uma compra. E no comércio, nas cidades, diria que isso tem sido pior que a diminuição do turismo, ou seja, a redução da mobilidade e algum receio de procurar alguns sítios mais movimentados, como são as zonas de comércio, potencia uma diminuição efetiva do comércio. Não é só o turismo. Também. Mas, muito além disso, é a mobilidade”, aponta Joel Azevedo, presidente da Associação dos Comerciantes do Porto.
O poder de negociação, refere a consultora imobiliária JLL, tem travado muitos fechos de portas, mas não todos. “O encerramento de lojas em pandemia não foi significativo, principalmente nas zonas prime [mais caras] dos centros urbanos, onde as marcas negociaram os contratos e rendas com os proprietários (em média, as rendas têm sofrido pressões na ordem dos 5%-10%). Sentimos que os lojistas têm consciência de que os turistas vão voltar, por isso, não fecharam as lojas”, admite Mariana Rosa, head of leasing markets advisory da JLL Portugal.
A responsável não esconde que esta realidade é sobretudo vivida pelas “marcas internacionais, com maior capacidade para aguardar que o turismo regresse em força”. Por outro lado, “as zonas mais afetadas pelos encerramentos dos estabelecimentos comerciais têm sido precisamente as zonas turísticas, como a Baixa ou o Chiado, bem como as artérias corporativas, que têm sofrido devido ao teletrabalho, mas que já sentimos a recuperar”.
Setores mais afetados
A UACS tem estimativas, com base no apoio prestado desde o início da pandemia aos associados, que sugerem que mais de 70% das micro e pequenas, médias empresas da área de Lisboa – explica Lourdes Fonseca – “estão ou foram afetadas pelos impactos negativos da pandemia. Existem algumas que, infelizmente, já não vão voltar a abrir portas, mesmo que a percentagem seja menor”.
Depois de muitas semanas encerrados, ou a poder apenas vender ao postigo ou para entrega em casa, a restauração, diz a JLL, “foi e continua a ser a atividade mais afetada” pelos encerramentos nos dois grandes centros urbanos. As limitações de horários e de ocupação e atualmente a obrigação de apresentação de certificado para refeições no interior “têm retardado a recuperação deste setor”. Outra atividade também afetada foi a moda e vestuário, mas “muitas marcas conseguiram desenvolver canais de venda online com alguma celeridade, pelo que as perdas não foram tão acentuadas, exceto nas zonas turísticas”.
Por outro lado, e reflexo de os cidadãos passarem mais tempo em casa, há áreas de atividade que ganharam uma nova vida. “Setores de conveniência, como os supermercados, serviços e decoração, foram as atividades que melhoraram a sua performance durante a pandemia. Notámos também o aumento da procura por clínicas de estética e de tratamento, uma vez que surgiu uma maior preocupação com a saúde e bem-estar”, assume ainda Mariana Rosa.
Apoio ainda necessário
Ao longos destes meses de pandemia, foram disponibilizados vários apoios, incluindo para o setor do comércio e serviços. Dados recentes, disponibilizados pelo Ministério da Economia indicam que o programa Apoiar (que consiste num apoio de tesouraria, sob a forma de subsídio a fundo perdido, para empresas dos setores mais afetados) injetou nas empresas, até ao final do primeiro semestre, “pagamentos superiores a 1,1 mil milhões de euros”. Quanto ao Apoiar Rendas, chegou a cerca de 25 mil projetos, correspondendo a mais de 66 milhões de euros de financiamento, dos quais foram já pagos cerca de 75%.
Os efeitos da pandemia continuam ainda a sentir-se e Lisboa e o Porto acreditam que vai ser preciso mais apoio. “Ainda que tenham ajudado, os apoios não foram suficientes. Toda a sua organização teve falhas, envolvendo muitas burocracias, tornando moroso o processo de candidaturas, mas também devido à existência de desfasamentos entre o anúncio de medidas e os pagamentos, que por vezes vieram tarde de mais”, assume Lourdes Fonseca, que reconhece, porém, que o apoio da Câmara de Lisboa foi “mais significativo”, porque foi “rápido e porque podia ser cumulativo” o que ajudou os empresários.
Joel Azevedo lembra que os comerciantes e empresários “são sempre otimistas”, esperando que o mês seguinte seja de recuperação. Mas após tantos meses de pandemia, “o otimismo tem limites” e os “empresários podem começar a pensar em fechar os estabelecimentos”. Admite que os apoios ao emprego, nomeadamente o lay-off simplificado, que foi lançado no início da pandemia, “impediu que muitos dos colaboradores ficassem em situações difíceis”, mas “está a voltar a ser necessário um reforço das medidas. É muito provável que se tenha de voltar ao Apoiar Rendas. Sempre que há um atraso nestas medidas, há comércio e famílias que poderão ficar em causa”.
“A maioria do comércio é muito assente numa base familiar, principalmente o comércio de rua”, remata.
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