Na guerra pelo domínio na indústria das sementes e pesticidas ou se ganha ou corre-se o risco de desaparecer. E Werner Baumann não perdeu tempo em lançar-se ao ataque depois de chegar à liderança da alemã Bayer, em maio de 2016. Apenas quatro semanas depois de ter assumido o cargo montou uma oferta de compra pela americana Monsanto.
Mais de 60 mil milhões de dólares e 40 milhões de páginas de documentação depois, o casamento fez-se. Baumann ganhou. Sobreviveu à revolta de alguns acionistas e ao escrutínio dos reguladores europeus e americanos. Mas arrisca ter tido uma vitória envenenada.
No dote da Monsanto vieram responsabilidades de centenas de milhões de dólares devido aos processos judiciais relacionados com o Roundup, a marca da empresa para o glifosato. O herbicida, o mais utilizado no mundo, foi considerado como potencialmente cancerígeno por uma entidade da Organização Mundial de Saúde (OMS). Um rótulo que é contestado pela Monsanto e pela química alemã.
A Bayer prometia “sinergias” rápidas, “mais rentabilidade” e “um perfil de negócio mais resistente”. Era também uma forma de manter a empresa protegida das investidas de rivais numa fase de grandes compras no setor agroquímico. Juntar a maior empresa mundial no negócio de sementes à Bayer criaria um gigante na indústria capaz de arrasar com a concorrência e de responder às fusões da Dow/DuPont e ChemChina/Syngenta.
Mas quanto maior o poder também a responsabilidade. Rita Ferreira, especialista da Sustainalytics para o setor químico e farmacêutico, diz ao Dinheiro Vivo que “a compra da Monsanto torna a Bayer na maior empresa agroquímica do mundo”. Explica que “isso acarreta maiores riscos ambientais e para a biodiversidade”. A Sustainalytics é uma entidade que aconselha investidores e avalia se as empresas seguem os princípios de sustentabilidade ambiental, social e de governação.
A Monsanto era a maior empresa mundial de sementes, com 36% da quota de mercado mundial de sementes. A Bayer é líder em vários segmentos de proteção de culturas. Detinha 18% deste mercado. A ideia é complementar o negócio de sementes geneticamente modificadas com herbicidas eficazes para as proteger.
Além do racional financeiro do negócio, Baumann justificava a compra com a pressão alimentar que o mundo irá enfrentar nas próximas décadas: “É necessário aumentar a produção alimentar em 60% para alimentar o planeta. As soluções inovadoras são um pré-requisito para preencher o défice entre a necessidade de comida e o nível de produção. A combinação com a Monsanto representa o tipo de abordagem revolucionária à agricultura que será necessária para alimentar o mundo de forma sustentável”, disse numa conferência com analistas em 2016.
Bayer perde mais de 19 mil milhões num mês
Mais de dois anos depois, o saldo para os investidores da Bayer é negativo. As ações perdem 16% desde que o negócio foi anunciado. Mas o mercado nem sempre reagiu com ceticismo. Apesar das críticas e do rótulo de “fusão do inferno” a Bayer chegou a ter valorizações expressivas alguns meses depois de anunciar a oferta pela Monsanto.
Houve investidores que abandonaram a Bayer por discordarem da compra, mas entraram outros como o Temasek, o fundo soberano de Singapura, que é um dos maiores acionistas da gigante agroquímica. Rita Ferreira constata que “depois da aquisição poderão existir problemas reputacionais para a Bayer”. E avisa que a empresa alemã corre também o risco de perder investidores ESG [que se regem por princípios de sustentabilidade ambiental, social e de governação]”.
As ações da empresa alemã apenas começaram a sofrer nos últimos meses, especialmente depois de um tribunal em São Francisco ter condenado a Monsanto a pagar uma indemnização de 289 milhões de dólares (250 milhões de euros) a Dewayne Johnson, um jardineiro que foi diagnosticado com um linfoma por ter estado exposto ao Roundup. A defesa argumentou que na composição deste produto a interação do glifosato com outros ingredientes aumentava o risco cancerígeno. O veredito chegou a 10 de agosto. Desde então a Bayer perdeu mais de 19 mil milhões de valor de mercado.
O júri deu razão aos argumentos do advogado de Dewayne Johnson que utilizou mensagens internas de funcionários da Monsanto para alegar que a empresa sabia do risco cancerígeno do glifosato desde a década de 70, apesar de não ter informado a opinião pública sobre esse risco.”Foi um esforço deliberado para distorcer a verdade”, considerou a defesa de Dewayne Johnson que aos 46 anos enfrenta um cancro terminal.
Milhares de processos. Bayer contra-ataca
O processo de Dewayne Johnson é o primeiro de muitos. Antes da decisão do tribunal de São Francisco o número rondava os 5000. Mas Rita Ferreira indica que “o número de processos já atinge os 8000. Poderá haver um impacto considerável para a Bayer”.
A empresa germânica prometeu contestar a decisão, mas como referia um artigo da Bloomberg, a “semente da dúvida” foi instalada. Os analistas da UBS estimam que aos atuais valores, os investidores estão a descontar o risco de a gigante alemã ter de pagar sete mil milhões de dólares em indemnizações e de ser forçada a deixar de comercializar o Roundup.
Duas semanas depois da decisão do caso de Dewayne Johnson, a gestão da Bayer marcou uma conferência com analistas para explicar como iria contra-atacar e tentar conter os danos da onda de processos judiciais que a Monsanto enfrenta.
“Estamos obviamente solidários com o Sr. Johnson e a sua família, mas discordamos do veredito. A decisão de um júri num caso não altera o facto de mais de 800 estudos científicos, e de outras fontes, apoiarem a conclusão de que o glifosato não causa cancro”, disse Werner Baumann aos analistas financeiros.
E apontou a estratégia para contra-atacar a decisão: “Vamos procurar a reversão do veredito do júri através das várias opções de litigância disponíveis”. Tentou tranquilizar o mercado ao realçar que “este primeiro veredito, que não é final, não tem impacto direto noutras litigâncias relacionadas com o glifosato”. E argumentou que os recursos combinados da Bayer com a Monsanto reforçariam a capacidade da Bayer fazer se defender.
Baumann garantiu que a Bayer se iria defender de forma “vigorosa”. E considerou que “a litigância apenas começou quando advogados nos EUA começaram a fazer anúncios para recrutar queixosos para processos depois de a IARC [Agência Internacional de Pesquisa em Cancro, que pertence à OMS] ter classificado de forma incorreta o glifosato em 2015 como ‘provavelmente cancerígeno’, baseada numa avaliação muito limitada de dados incompletos”.
Cerco ao glifosato
Os processos judiciais, a pressão de associações ambientalistas e mesmo a nível político aperta-se o cerco à utilização do glifosato. Mas Baumann não deita a toalha ao chão. Disse aos analistas que “a procura para os nossos herbicidas baseados em glifosato continua forte e o estatuto regulatório permanece intacto”.
Em 2017 a Monsanto fez 3,7 mil milhões de dólares com vendas de herbicidas, uma subida de mais de 200 milhões em relação ao ano anterior. Esse segmento representou um lucro antes de impostos e juros de 353 milhões de dólares. Ainda assim está longe dos 2,9 mil milhões obtidos no negócio de sementes e genómica.
A Comissão Europeia deu luz verde no final do ano passado a que o glifosato fosse utilizado por mais cinco anos. Isto apesar de uma petição com mais de um milhão de assinaturas de cidadãos europeus a pedir a proibição. Bruxelas justificou a decisão com a “avaliação científica exaustiva de todos os dados disponíveis sobre o glifosato, que concluiu não existir qualquer ligação entre o glifosato e o cancro nos seres humanos” e também com “a votação favorável pelos representantes dos Estados-membros”. Portugal, onde associações ambientalistas dizem existir os níveis mais elevados do herbicida, absteve-se.
Rita Ferreira nota que “a Comissão Europeia autorizou a utilização do glifosato por mais cinco anos. O prazo habitual é de dez anos e isso pode ser um sinal de supressão faseada da sua utilização”. Mas a analista explica que “de momento não há alternativa química, em termos de custo/benefício, ao glifosato. Existem outros produtos mas ou são muito mais caros ou têm outros efeitos negativos em termos ambientais”. E exemplifica com o caso de França, que anunciou vontade de proibir aquele herbicida, mas apenas quando existirem alternativas.
O império sem arrependimentos
A Monsanto foi a solução encontrada pela Bayer de diversificar o negócio do segmento farmacêutico. O avanço aconteceu numa fase de grandes fusões e aquisições na indústria agroquímica. O valor das compras disparou. “Devido à desaceleração económica nos últimos anos as empresas do setor agroquímico não têm conseguido crescer de forma orgânica. E enveredaram pelas fusões e aquisições para criar valor”, explica Rita Ferreira.
Esta estratégia deu origem a mega-empresas e a um setor altamente concentrado que controla os pesticidas que são utilizados a nível global na agricultura. “Acaba por ser um risco para os consumidores. Estas empresas de maior dimensão têm também um enorme poder de lóbi, podendo influenciar as leis que regulam os produtos químicos”, refere a especialista da Sustainalytics. De acordo com esta entidade, o dinheiro utilizado pelas maiores empresas do setor em lóbi tem aumentado de forma a responder a algumas leis em discussão. E existem casos como a Dow Chemical, em que o seu líder doou mais de um milhão de dólares para a campanha de Donald Trump.
Rita Ferreira considera, no entanto, que “empresas de grande dimensão também trazem benefícios. Têm mais recursos para o desenvolvimento de produtos menos nocivos. Dependerá muito da forma como esses recursos são utilizados. Se conseguissem desenvolver uma alternativa ao glifosato, por exemplo, seria positivo”.
Foi neste cenário de comprar ou ser comprado que a Bayer se atira à Monsanto, que até era vista como uma empresa com apetite por aquisições. Bateu o interesse de outras rivais como a BASF. A decisão foi controversa e a Henderson Global Investors, uma gestora de ativos que era acionista da Bayer, contestou a estratégia. Considerou a decisão como uma “arrogante busca por um império” e como um sinal de “ignorância sobre quem são os verdadeiros donos da empresa”.
A Henderson pediu que a decisão sobre a compra fosse votada pelos acionistas, proposta que foi rejeitada por Baumann. E avisava que a compra da Monsanto iria provocar uma “destruição de valor”. Mais de dois anos depois, e mesmo com as ações sob pressão, o líder da Bayer disse, numa entrevista esta semana à Bloomberg, que “o negócio da Monsanto é muito saudável e estamos tão entusiasmados como sempre estivemos com a combinação. Não há absolutamente nenhum arrependimento” em relação à compra da controversa empresa americana.
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