//Como a Sonae assumiu o comando da NOS sem lançar uma OPA

Como a Sonae assumiu o comando da NOS sem lançar uma OPA

A Sonae anunciou na semana passada que chegou a acordo com a empresária angolana Isabel do Santos em promover as diligências necessárias à dissolução da ZOPT, empresa que detém uma participação de 52,15% da NOS.

Depois do anúncio da dissolução do veículo ZOPT, partilhado em partes iguais por Sonaecom e Isabel dos Santos e que detinha a maioria do capital da operadora (52,15%), a Sonae informou os mercados sobre um acordo para a compra da posição do BPI, que nos últimos meses tinha vindo a reforçar na NOS.

A Sonae acordou a compra, por transação realizada fora de mercado regulamentado, de 38.000.000 de ações representativas de 7,38% do capital da operadora de telecomunicações, ao BPI, um parceiro de longa data do grupo. No final destas duas operações, a Sonae passa a deter 33,45% do capital da NOS.

O reforço da posição da Sonae na NOS surge na sequência do caso Luanda Leaks e da constituição de Isabel dos Santos como arguida em Angola e Portugal. Os processos levaram ao arresto de bens da filha do antigo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.

O restante capital da NOS está agora nas mãos de Isabel dos Santos (26,075%), MFS Investment Management (2,15%) e Norges Bank (2,11%) – o remanescente está em free float.

A ATM-Associação de Investidores defende que a Sonae deveria ter de lançar uma OPA-Oferta Pública de Aquisição sobre a NOS. Mas a CMVM-Comissão do Mercado de Valores Mobiliários diz que não é preciso.

O que está em causa

A explicação da CMVM para a defesa da sua posição assenta no facto de a Sonae ir reduzir a sua posição na NOS após a extinção da NOS.

Na prática, ao comprar 7,38% dos direitos de voto da NOS, passou a ser imputável à Sonae um total de 59,52% dos direitos de voto na operadora.

No mesmo dia a Sonae anunciou um acordo para vir a ser extinta a ZOPT, “o que originará, caso venha a ser concretizada, a futura repartição da participação atualmente concentrada nesta entidade pelos seus acionistas [Isabel dos Santos e Sonae]”, lembrou fonte oficial do regulador.

“Em sequência dessa futura repartição, e tal como comunicado a 19 de agosto 2020 ao mercado, a participação da Sonae diminuirá de 59,52% para 33,45%, mantendo esta entidade uma posição de controlo sobre a NOS, correspondente a participação acima de um terço dos respetivos direitos de voto”, adiantou.

“Como tal, não se perspetiva que a Sonae venha a ultrapassar alguma das fasquias que originaria a constituição do dever, antes diminuindo o poder de influência para posição ligeiramente acima de um terço dos direitos de voto”, acrescentou.

O que diz a Lei

O artigo 187 do Código dos Valores Mobiliários, explicita que “aquele cuja participação em sociedade aberta ultrapasse, diretamente ou nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, um terço ou metade dos direitos de voto correspondentes ao capital social tem o dever de lançar oferta pública de aquisição sobre a totalidade das ações e de outros valores mobiliários emitidos por essa sociedade que confiram direito à sua subscrição ou aquisição”.

Mas adianta que “não é exigível o lançamento da oferta quando, ultrapassado o limite de um terço, a pessoa que a ela estaria obrigada prove perante a CMVM não ter o domínio da sociedade visada nem estar com esta em relação de grupo”.

O que diz a Associação de Investidores

Para a ATM, a obrigatoriedade de a Sonae ter de lançar uma OPA sobre a NOS seria uma questão de justiça para os demais acionistas da empresa.

“Entendemos que deve haver uma OPA. Existia uma relação de forças entre a Sonae e Isabel dos Santos e agora não existe. A Sonae antes não tinha o domínio efetivo”, disse Octávio Viana, presidente da ATM. “A Sonae não conseguia dominar a sociedade porque tinha um contrapeso que agora não tem”, frisou

Octávio Viana alertou que “se houver a inibição dos direitos de voto de Isabel dos Santos, o domínio da Sonae sai ainda mais reforçado”.

Para a ATM, a Sonae passa agora a exercer o domínio sobre a NOS diretamente, enquanto antes o fazia em conjunto com Isabel dos Santos através da ZOPT.

“Estamos a estudar avançar com uma ação porque não concordamos com o entendimento da CMVM de que a Sonae não tem de lançar uma OPA”.

Consequências

Mandar numa operadora de televisão por subscrição era um sonho que a Sonae tinha quando ainda tinha apenas negócios nas telecomunicações móveis e fixas. A solução de partilhar o comando da NOS com Isabel dos Santos foi uma solução de compromisso. Mas as relações com a filha do antigo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, tiveram percalços, nomeadamente na tentativa da Sonae de tentar entrar no negócio dos supermercados em Angola.

Agora a Sonae vai finalmente ter o comando da NOS. A operação surge quando a Efanor – a holding da família Azevedo – está a preparar-se para retirar a Sonae Capital e a Sonae Indústria de bolsa.

Para Octávio Viana, se não houver uma OPA será mais uma machadada na confiança dos investidores que por várias vezes “foram prejudicados” em operações, incluindo a retirada de bolsa da Brisa e da Cimpor. O presidente da ATM antecipa que a NOS possa vir a seguir o mesmo caminho da Sonae Capital e da Sonae Indústria, no futuro. “Como é que se pode ter confiança? No fim, temos sempre a perder”.

Ver fonte