Portugal é daqueles países em que se fala, fala, fala e não acontece nada? Quem ganha até mil euros, e são cada vez mais, estará tentado a responder que sim, assim como todos os que continuam a perder rendimentos, crise após crise. Em “Portugal – Porquê o país do salário abaixo de mil euros” (D.Quixote), um professor e um aluno conversam sobre as causas que nos trouxeram até aqui e como podemos sair.
Este é um livro de Luís Valadares Tavares e João César das Neves, dois professores catedráticos, que falam sem rodeios porque, admitem, podem fazê-lo. Não são políticos nem candidatos.
Começam logo por analisar as causas para salários tão baixos, num país que tem vindo a evoluir na educação, nas infraestruturas e na distribuição e onde vários sectores têm registado lucros recordes, como o turismo ou a distribuição alimentar.
Não foi sempre assim. Em entrevista à Renascença, João César das Neves explica que na segunda metade do século XX Portugal teve vários períodos de “grandes aumentos de salários”. Mas os 50 anos do 25 de Abril vão ficar marcados por uma estagnação. “Os salários estão estáveis desde o princípio do século, praticamente”, diz o economista.
É a chamada pescadinha de rabo na boca. Não conseguimos aumentar os salários “porque não conseguimos aumentos de produtividade” e “não temos aumentos de produtividade porque a descapitalização do país é evidente”, diz César das Neves. Por outro lado, “a taxa de poupança é miserável. Os bancos, como sabemos todos, envolveram-se em lucros que não eram reais e estoiraram todos uns atrás dos outros”.
A penalizar o país temos ainda a lei laboral, defende, que “está a bloquear completamente o mercado de trabalho, proíbe descidas de salários e por isso proíbe aumentos de salário”. De acordo com o economista, “se uma empresa não pode baixar salários, nunca os vai subir, porque tem medo do que é que vai acontecer amanhã e não os pode descer”.
“Alguns trabalhadores têm direitos, os outros estão a prazo”
Um dos principais entraves ao aumento salarial é, assim, a própria legislação laboral, que é “incomparável com os outros países da Europa, muito mais restritiva que qualquer outro país da Europa”, defende César das Neves. “Por isso, os nossos salários estão muito abaixo dos outros países da Europa e, por isso, os nossos trabalhadores a prazo são muito mais que nos outros países da Europa”, conclui.
Para o economista, “é evidente que há uma relação entre as duas coisas. Agora, tente lá mexer na lei laboral, é o fim do mundo! A última vez que se mexeu foi com a troika e temos tido gritos e urros de indignação. Ainda não estragaram muito as reformas, porque sabem que no dia em que estragarem isto ainda é pior.”
César das Neves defende que “os direitos dos trabalhadores não são direitos dos trabalhadores, são direitos de alguns trabalhadores. Alguns trabalhadores têm direitos, os outros estão a prazo e sem apoio nenhum, por causa dos direitos dos trabalhadores que não conseguem abrir as portas aos outros. E é porque uns têm a mais que outros não conseguem ter o suficiente. É esse o drama, o problema de Portugal.”
É preciso “evitar os interesses instalados nos vários sítios”, mas sem esquecer que estamos a falar de “pessoas honestas”. Em causa não estão “ladrões, não falamos de corruptos, estamos a falar de setores com trabalhadores sérios, com pessoas eficientes, que estão a ganhar um bocadinho mais do que deviam, que estão a conseguir um bocadinho mais de proteção do que deviam e não conseguem largar isso. Não os deixam largar isso e assim estão a travar o país, estão a bloquear o país”, explica.
Com as reformas da troika o desemprego desceu, mas a lei laboral portuguesa continua “muito mais restritiva do que qualquer uma dos nossos parceiros europeus”, reforça.
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