//Como será o próximo ciclo económico e político em Portugal e na Europa?

Como será o próximo ciclo económico e político em Portugal e na Europa?

Numa intervenção abrangente sobre os desafios políticos e económicos num novo ciclo em Portugal e na Europa, o presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos defendeu que a guerra tarifária terá impactos negativos mas “não é uma questão de vida ou de morte”.

Na intervenção de abertura do Encontro Fora da Caixa, em Torres Vedras, Paulo Macedo reconheceu o impacto negativo das tarifas no comércio mundial e na riqueza global, incluindo o risco de uma recessão nos Estados Unidos. No entanto, perante uma plateia de empresários e autarcas, identificou várias formas de lidar com esta realidade a partir do tecido empresarial.

” Em primeiro lugar, os consumidores podem absorver o custo das tarifas. Há um imposto e continua a exportar-se, apenas com um aumento da inflação e de preços para quem consome. Segundo, posso deixar de se exportar porque não se é competitivo. Terceiro, pode-se fazer alguma deslocalização das cadeias de produção e de abastecimento”, explicou no evento realizado em dia de apagão ibérico.

Paulo Macedo salienta que, com a necessidade de reindustrialização e com a disrupção nos fornecimentos, “as partes menos nobres da cadeia de valor, que são a produção e a logística, voltaram a ser as mais importantes”.

Redução de taxas de juro

Na sua análise global, o presidente do banco público sublinhou uma “incerteza sem precedentes” criada pela tarifas ao nível das bolsas e da previsão das taxas de juro, arrastada pela incerteza sobre o crescimento económico nos Estados Unidos.

Olhando para a política monetária do Banco Central Europeu, Paulo Macedo avisa que está prevista “pelo menos mais uma redução de taxas” numa evolução que depende da avaliação das grandes economias.

” Inicialmente estariam previstas mais três reduções de 25 pontos-base, mas depende da evolução da economia e se, de facto, temos um problema ou não de uma recessão gerada pelas tarifas. Eventualmente teremos menos cortes do que aqueles que estavam pendentes. Tudo vai depender do que acontecer na Alemanha que poderá crescer menos 0,9% do que estava estimado por causa das tarifas, ficando outra vez em recessão ou com crescimento basicamente zero. E França não será muito diferente”, analisa o líder da Caixa Geral de Depósitos que ressalva que a normalidade será a estabilização da taxa de referência em torno dos 2% como meta central do BCE. A apresentação do presidente da Caixa foi secundada por uma intervenção posterior de Rui Martins, diretor de estratégia da Caixa Gestão de Ativos.

O cenário para Portugal é de crescimento do PIB numa tendência acompanhada por países que não estão no coração do motor económico europeu.” Temos um paradoxo. “As economias que estão a crescer mais são a portuguesa, a espanhola, a irlandesa e a grega. Os países que há uns anos tinham a denominação de “PIGS” desta vez são quem está a crescer mais”, assinala Paulo Macedo no Encontro Fora da Caixa.

Mais poder de compra e também despesa pública

O presidente executivo da Caixa observa um rendimento disponível dos portugueses a aumentar acima da inflação, beneficiando ainda da descida das taxas de juros alguma redução no IRS, que redunda em aumentos do consumo e da poupança, esta a níveis acima de dois dígitos. Este quadro leva a uma melhoria nas taxas de esforço e reforço do poder de compra dos consumidores nacionais.

Paulo Macedo considerou que a situação de emprego é boa e salientou que o número de empregos criados em 10 anos em Portugal bate todos os valores alguma vez esperados. “E ainda vamos criar mais empregos porque precisamos, quer pelo PRR quer por outra razão, de ter mais imigrantes que venham executar esses investimentos”. Paulo Macedo aguarda um aumento do investimento público e privado por via da execução do Programa de Recuperação e Resiliência. ” Portugal tem, há vários anos, um investimento público baixo, porque basicamente tem servido de acerto para os saldos orçamentais”.

O aumento das despesas públicas devido às tarifas, com impacto no consumo também público, deve pressionar a inflação que, apesar de tudo, deve continuar baixa, analisa Paulo Macedo, que espera ainda a deterioração dos saldos financeiros orçamentais.

“Vamos todos ter um ano de 2026 particularmente difícil, porque é o ano em que Portugal tem que dispender os fundos europeus e vai ter aí uma pressão em termos orçamentais”, explicou em Torres Vedras.

Redução de endividamento

As empresas, tal como os particulares, diminuiram os seus níveis de endividamento, aumentaram a sua autonomia financeira e mais atentas a fundos disponíveis para financiamento. O líder da Caixa Geral de Depósitos dá garantias de liquidez para continuar a apoiar a economia. “Também financiamos geradores”, gracejou em dia de apagão elétrico.

” Temos empresas melhor capitalizadas e já com números robustos. Continuamos com alguma falta de fundos e de capitais próprios, como temos há muitas décadas. Mas as empresas fizeram trabalho para ter mais capitais próprios e recorrerem menos a financiamento. O incumprimento no sistema financeiro português neste momento é bastante inferior à média europeia quando, aqui há uns anos , tínhamos um incumprimento de 15% para uma média europeia de 4%”, exemplifica.

Na sua intervenção, Paulo Macedo assumiu ainda esperar um aumento da despesa pública na Europa, devido às tarifas e ao investimento na defesa, anotando um “duplo problema”: as democracias europeias apresentam cenários de dificil governação por contraste com regimes mais centralizados que mostram mais crescimento económico.

Estabilidade na eletricidade e na política

Durante o São Bento à Sexta, programa da Renascença feito ao vivo, esta segunda-feira, com recurso a gerador, durante o apagão que cortou a corrente elétrica ao país, os dois maiores partidos concordaram que o setor da energia é “estratégico” e merece consenso político para não sofrer oscilações.

Hugo Soares e Alexandra Leitão, líderes parlamentares do PSD e PS, respetivamente, debateram o papel dos maiores partidos para dar estabilidade e encontrar soluções para evitar situações como a que foi vivida esta segunda-feira.

“As pessoas estão a sair do trabalho porque não há luz, ou em casa com os frigoríficos desligados, com impossibilidade de terem água quente, de carregar o telemóvel, com as redes sobrecarregadas que não deixam ligar para saber onde está a família. Isto, de facto, leva-nos para reflexões mais profundas”, exemplificou o líder parlamentar do PSD.

Alexandra Leitão concorda que o apagão expôs as nossas fragilidades: “É uma lição de humildade, perante situações disruptivas, temos de atuar com responsabilidade e sentido de colaboração”, defende.

Outro dos temas em debate foi a dificuldade que existe em recrutar quadros independentes para a política. Hugo Soares admite que muitas pessoas do mundo empresarial não querem sujeitar-se ao atual escrutínio que se confunde com “voyeurismo”.

Alexandra Leitão assume que também já sentiu dificuldades em convencer as pessoas a aceitar cargos políticos, e recrutar no mundo empresarial.

Agricultura e tarifas

Num painel sobre as encruzilhadas deste ciclo nacional e europeu no setor agrícola, o coordenador do Observatório de Agricultura da SEDES José Pereira Palha

e o Secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal debateram o impacto da guerra tarifária no setor.

“O setor mais impactado na agricultura será o vinho, que exporta cerca de 100 milhões de euros, com preço muito elevado no vinho do Porto. Mas se calhar o mais relevante, se houver esse impacto, são os quase 5 mil milhões de euros em vinho e bebidas alcoólicas que a União Europeia exporta para os Estados Unidos”, explica Luis Mira. O represententante da CAP sublinhou a importância de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul, sobretudo tendo o Brasil como alvo das exportações portuguesas.

José Pereira Palha, da SEDES, admite alguns “impactos dramáticos” das tarifas para alguns setores, mas admite que, para outros, podem ser uma oportunidade. “Vivemos sempre nesta volatilidade dos mercados, sendo que Portugal é importador de uma quantidade grande de produtos, e estamos dependentes do exterior numa série de produtos até à base da alimentação humana e animal. É importante esta reação rápida da União Europeia de contrapor as tarifas”, afirma este representante do setor.

Menos burocracia e mais apoio aos imigrantes

No último painel, denominado “Desafios das Empresas no Próximo Ciclo Político e Económico, contou com Jorge Camilo, coordenador de produtos agrícolas do Grupo Patrícia Pilar, Luís Almada, administrador da Casa Santos Lima e Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos.

Jorge Camilo, coordenador de produtos agrícolas do Grupo Patrícia Pilar, assume que a imposição de tarifas por parte da administração de Donald Trump “passa um bocado ao lado” desta empresa de produção agrícola, que exporta essencialmente para o espaço europeu.

Sobre a mão de obra, Jorge Camilo revela que é sobretudo composta por população imigrante, “perfeitamente integrada” e não hesita: “sem eles não fazíamos nada”.

Elencando os desafios dos próximos meses, este empresário dá o exemplo da produção de tomate, um dos principais ramos do Grupo Patrícia Pilar, para lembrar que apesar de produzir perto de 100 mil toneladas por ano, continuam a ser “deficitários entre 30 e 40%”. E substituir por tomate de Marrocos ou Espanha? É possível, mas Jorge Camilo considera que o “mercado quer português”, justificando assim um novo investimento para plantar mais tomates no Montijo e em Torres Vedras.

Luís Almada, administrador da Casa Santos Lima – empresa que se dedica à produção, engarrafamento e comercialização de vinhos – desafia o país a uma desburocratização: “temos de andar dez vezes mais rápido”, pediu o empresário durante a conferência.

O administrador da Casa Santos Lima identifica “dois impactos muito claros” com a imposição das tarifas por parte de Washington: o aumento direto ou indireto nos preços e da incerteza, que paralisa tudo.

Lembrando que o mercado dos Estados Unidos da América representa 10% do total das exportações de vinho, Luís Almada vinca que procurar mercados alternativos é difícil, pode funcionar no médio/longo prazo e sublinha que “para crescer, temos de tirar quota aos outros”.

Francisco Cary, administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos, vinca que o banco público tem feito um esforço para “dar bastante apoio às empresas” do setor agrícola na região do Oeste.

Assumindo que a entrada de Donald Trump no contexto internacional adiciona um “fator de incerteza”, Francisco Cary sublinha que a Caixa Geral de Depósitos atravessa um bom momento, pelo elevado nível de liquidez, capital e capacidade de emprestar dinheiro às empresas e aos particulares.

O último trimestre foi “particularmente forte” com o maior crescimento de crédito desde 2021. Francisco Cary esclarece, por isso, que não há um problema de “escassez de crédito”.

O administrador executivo da Caixa Geral de Depósitos elogia a diminuição gradual da dívida pública em termos de percentagem e assume que a subida dos salários é um desafio que “não é muito fácil”, uma vez que leva, frequentemente, ao aumento do preço final dos produtos em causa.

Sobre as políticas de sustentabilidade, Francisco Cary assume que já não é um pormenor, mas um “pormaior”, e exemplifica que a CGD tem um rating sobre as políticas de sustentabilidade e impacto social, e que classifica as empresas clientes do banco público.

Ver fonte

TAGS: